Opinião

Não prorrogação contratual e contratação de remanescente pela Administração

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19 de junho de 2023, 15h27

A extinção dos contratos administrativos antes do seu termo final (rescisão) é uma situação recorrente no âmbito da Administração Pública, embora não desejável.

Ainda na Lei nº 8.666, de 1993, as formas de rescisão contratual vinham disciplinadas no artigo 79, podendo se dar unilateralmente, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo 78; de maneira amigável, por acordo entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conveniência para a Administração; ou ainda judicialmente, nos termos da legislação. Na Lei nº 14.133, de 2021, por sua vez, há similar previsão no artigo 138, acrescentado-se ainda a possibilidade de extinção por decisão arbitral.

Apesar de ser possível a rescisão de maneira precoce, antes do fim do prazo inicialmente pactuado, é certo que por diversas vezes a necessidade da Administração se mantém, em especial nos contratos que possuem por objeto serviços ou fornecimento contínuos. É dizer, apesar daquela contratação inicialmente realizada não ter chegado ao final do prazo inicialmente estipulado, o Poder Público ainda necessita daquele objeto contratual.

Diante desse cenário, a Lei nº 8.666, de 1993, previa a hipótese de contratação para a execução do remanescente do objeto contratual (o que faltava para concluir a execução do contrato), tratando como forma de dispensa em seu artigo 24, inciso XI: dispensável a licitação: (omissis) XI na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em conseqüência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido".

Valido destacar que a doutrina sempre ponderou que a referida hipótese não se tratava propriamente de uma dispensa de licitação (espécie de contratação direta), tendo em vista que a realização de um procedimento licitatório prévio é pressuposto para a incidência dessa hipótese normativa. Acontece que, quando rescindido precocemente o contrato originalmente celebrado por decorrência da licitação promovida, a lei faculta ao Administrador valer-se da licitação realizada para contratar com outros licitantes que tenham sido habilitados naquele mesmo procedimento.

Ou seja, ao invés de se promover uma nova licitação, a Administração pode convocar os demais participantes do procedimento já realizado, desde que observada a ordem de classificação final do certame e aceitas, pelo novo contratado, as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor.

Justamente por essa razão a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133, de 2021) excluiu a contratação de remanescente como hipótese de dispensa, embora ainda permita a sua ocorrência conforme dispõe seu artigo 90, §7º [1].

Acerca dessa temática, um ponto que comumente gera dúvida entre os gestores públicos e acaba não sendo explorado de maneira clara é se poderia haver a referida contratação direta de remanescente nas hipóteses de serviços continuados em que a extinção contratual decorre simplesmente da não realização da prorrogação contratual permitida.

Veja que a "não-prorrogação" pode ocorrer por variadas razões. Desde o impedimento decorrente de alguma sanção aplicada à contratada ou até mesmo pelo simples desinteresse da contratada em continuar executando o contrato.

Para responder à mencionada indagação é preciso destacar, de início, que seja na Lei nº 8.666, de 1993, seja na novel Lei nº 14.133, de 2021, para que haja a contratação de remanescente é de rigor que a contratação original seja rescindida precocemente.

Isso significa que o pacto deve ser prematuramente extinto, por meio de rescisão contratual. Pela própria estrutura sintático-semântica dos textos normativos em análise apura-se que o permissivo legal não se aplica às contratações extintas por simples advento do termo ou cumprimento de prazo.

Realmente, ambas as leis mencionadas fazem menção à necessidade de rescisão contratual (que pode ocorrer por qualquer modalidade prevista em lei). Esse vocábulo ("rescisão") deve ser lido em combinação com o citado artigo 79 da Lei nº 8.666, de 1993, que não inclui como sendo forma de rescisão o escoamento natural do prazo de vigência contratual (a referida palavra implica na concepção de uma extinção antecipada).

Assim, de pronto é possível afirmar que a simples não prorrogação contratual não se enquadra como hipótese de rescisão antecipada hábil a ensejar a contratação direta de remanescente. Essa contratação somente é permitida após a efetivação [2] da rescisão do contrato, não bastando a mera não-prorrogação.

Com o término do prazo do contrato, sem a realização da prorrogação, há a extinção da avença em razão do seu termo ad quem e não de maneira antecipada. Ainda que possa haver em tese a possibilidade de sucessivas prorrogações em serviços de natureza continuada, deve-se tomar por parâmetro, para verificar a existência ou não de remanescente, o prazo inicial de vigência fixado no contrato ou ainda o prazo de vigência estipulado a cada termo aditivo (e não o prazo máximo permitido com as futuras e eventuais prorrogações).

Nessa linha, cabe sempre recordar que não há direito subjetivo à prorrogação do contrato, estando essa decisão inserida no aspecto da discricionariedade da Administração Pública (vide TCU – Acórdão 2660/2021-Plenário). Além disso, com o término da vigência da avença originária considera-se extinto o contrato automaticamente (TCU – Acórdão 3010/2008-Segunda Câmara).

A respeito da temática ora debatida, insta mencionar duas decisões paradigmáticas do Tribunal de Contas da União, que confirmam o que aqui se sustenta e que, em um primeiro momento, podem parecer contraditórias, mas não o são. A primeira delas diz respeito ao Acórdão 819/2014-Plenário, no qual se fixou o enunciado no sentido de que a ausência de interesse da contratada em prorrogar avença de prestação de serviços de natureza continuada não autoriza a realização de dispensa de licitação para contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, de que trata o artigo 24, inciso XI, da Lei 8.666/1993.

De fato, na referida decisão a Corte de Contas federal destacou que, no caso analisado, "apesar de o serviço contratado ser continuo, a avença era anual, respeitado o prazo de um exercício financeiro, e se diferenciava das demais contratações pela possibilidade de prorrogação por período maior (60 meses)". Logo, "não havia como interpretar que se tratava de serviço remanescente, nos termos propugnados pelo órgão, não se aplicariam os dispositivos legais invocados e nem a Administração, nem o contratado, teriam direito subjetivo à prorrogação".

A segunda decisão concerne ao Acórdão 1134/2017-Plenário, tendo-se firmado o enunciado de que a ausência de interesse da contratada em fazer nova prorrogação de avença de prestação de serviços de natureza continuada autoriza a realização de dispensa de licitação para contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento (artigo 24, inciso XI, da Lei 8.666/1993), desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço.

Sobre esse segundo caso, apesar de o aludido enunciado parecer indicar que a simples não prorrogação poderia permitir a contratação direta de remanescente, investigando-se a situação concreta sob análise, apura-se que a Administração Pública, após verificar a impossibilidade de se realizar a prorrogação, efetivou a rescisão (amigável) e o contrato de remanescente teve prazo de vigência de oito dias, já estabelecendo em seguida um aditivo prorrogando o novo contrato por doze meses. É dizer, não foi a mera não prorrogação que permitiu a contratação direta de remanescente, mas sim a rescisão antecipada, ainda que gerada pela ausência de interesse na prorrogação pela contratada. Não houve contrariedade, portanto, à diretriz anteriormente fixada no Acórdão 819/2014-Plenário.

Assim sendo, em tom de síntese [3], pode-se enunciar que a simples não prorrogação do contrato administrativo de serviço contínuo não autoriza a realização de contratação direta de remanescente, sendo imprescindível que haja a rescisão antecipada do contrato (por qualquer uma das modalidades permitidas).

 


[1] "Será facultada à Administração a convocação dos demais licitantes classificados para a contratação de remanescente de obra, de serviço ou de fornecimento em consequência de rescisão contratual, observados os mesmos critérios estabelecidos nos §§2º e 4º deste artigo".

[2] Deve-se recordar, contudo, que, como bem destacado no item 71 do Parecer nº 07/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, "não há na Lei a previsão da necessidade de que se formalize a extinção do contrato anterior para que só depois se inicie o procedimento para a contratação do remanescente", sendo que "a tramitação concomitante da extinção do contrato em vigor e da nova contratação evita solução de continuidade, permitindo um melhor planejamento, quando isso for possível".

[3] Calha sublinhar que as conclusões aqui apresentadas mostram-se juridicamente adequadas tanto diante da Lei nº 8.666, de 1993, quanto em relação à Lei nº 14.133, de 2021, não havendo tratamento distinto em relação a esse ponto na nova Lei de Licitações.

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