Reflexões Trabalhistas

Limites da autonomia coletiva e a intervenção mínima do Judiciário

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16 de junho de 2023, 8h00

Uma das características da formação do Direito do Trabalho é a fixação de garantias de gozo de direitos adquiridos de forma individual, intransferíveis e que são destinados exclusivamente à satisfação pessoal do trabalhador.

É uma aquisição de direito que transcende o aspecto patrimonial e impede sua materialização como objeto de negociação. Entretanto, muitas vezes desapercebidos ou pouco valorizados na prática, esses direitos podem ser objeto de tratamento abusivo, tanto nas relações individuais como coletivas, dando ensejo à reparação.

São exemplos dessas garantias, na relação individual de trabalho, o descanso semanal ou intrajornadas, as férias, a licença maternidade, as garantias de emprego entre outros.

O descanso semanal de 24 horas deve ser usufruído pelo trabalhador de tal forma que nada lhe possa impedir esse repouso. Por esta razão, cuida a legislação de proibir o trabalho em domingos e feriados, salvo algumas exceções. E, ainda, por esta razão que não se confunde o intervalo de 11 horas entre uma jornada que termina e outra que vai começar e o início do gozo do descanso semanal de 24 horas. A cada direito vinculam-se a finalidade social e a proteção à condição física do trabalhador.

No mesmo sentido, o início do gozo do direito às férias não pode incluir o dia de descanso semanal. Igualmente, durante a licença maternidade de 120 dias não poderá o empregador acumular gozo de período de férias. São direitos e garantias distintos que devem ser usufruídos cada um a seu tempo e na plenitude do direito social. Não é por menos razão que não se pode acumular o período de aviso prévio com gozo de férias.

Quando se trata de garantia de emprego, a data de início da dispensa de trabalhador somente se realiza a partir do término do período de estabilidade, quando então terá fruição o aviso prévio, indenizado ou trabalhado.

No campo das relações coletivas de trabalho, as negociações devem observar os parâmetros dos direitos e garantias individuais a fim de que não impeça seu legítimo exercício pelo trabalhador, caso em que autoriza o Judiciário Trabalhista a intervir, nos termos do disposto pelo artigo 8º, §3º, da CLT.

A propósito do tema, no dia 05/06, o sítio do TST publicou notícia com a seguinte manchete "Norma coletiva que transaciona férias de trabalhador marítimo é considerada inválida", esclarecendo que o julgamento foi da 3ª Turma e que considerou a cláusula que negociou férias inválida (RR-100004-48.2019.5.01.0027). Foi relator do caso o ministro Mauricio Godinho Delgado.

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Tratou-se de norma coletiva que permitia à empresa a concessão de férias juntamente com os 28 dias de folga seguidos aos 28 trabalhados (embarcados) pelo marítimo o que implicava a falta de concessão de férias anuais remuneradas.

O juízo de primeira instância e o regional julgaram a ação improcedente, observando que, neste modelo, o trabalhador teria 180 dias de descanso por ano, computadas folgas e férias, considerando, portanto, válida acumulação de descanso semanal com férias anuais remuneradas. Claro está que as instâncias inferiores acumularam direitos individuais de finalidade social distinta um do outro.

A decisão do STF, do dia 14/06/2022 (ARE 1.121.633/GO), sobre o tema 1.046, se aplica integralmente ao caso porquanto considerou a limitação da autonomia da vontade coletiva aos direitos absolutamente indisponíveis. No caso específico, a norma coletiva estava a excluir o direito a férias, assegurado pela Constituição, artigo 7º XVII.

Do que se tem nesta situação revela que as negociações coletivas e as normas estabelecidas como resultado são passíveis de questionamentos pelo trabalhador, individualmente, quando considera que seu direito pessoal, de natureza social foi usurpado e implique violação às garantias da Constituição no artigo 6º.

A reflexão que fica é da necessidade de que sejam preservadas as garantias individuais em primeiro lugar a fim de que seja observada a dignidade da pessoa humana, e, no campo do direito coletivo, as negociações devem se pautar nos temas de ordem coletiva sem ofensa aos direitos pessoais dos trabalhadores, evitando conflitos desnecessários e que se atenham à construção de novos direitos e garantias.

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