Processo Tributário

Câmara pericial para lides tributárias factualmente complexas

Autor

  • Paulo Cesar Conrado

    é juiz federal em São Paulo professor do Curso de Especialização do Ibet professor e coordenador do curso e do grupo de estudos do "Processo tributário analítico" do Ibet e professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP.

30 de julho de 2023, 8h00

A introdução na legislação processual da possibilidade de se proceder à alienação particular de bens constritos em execução judicial pode ser tomada como inspiração para a ampliação da lista de atos que, migrando temporariamente do processo judicial para a instância privada, poderiam ser realizados de forma mais eficiente e posteriormente revertidos à cena processual para produção dos efeitos que lhes seriam próprios.

Até que atravessemos definitivamente a ponte que conecta o velho paradigma jurídico-processual (da litigiosidade exacerbada) para os novos tempos — tempos de desjudicialização, de racionalidade e de temperança —, podemos (e devemos) pensar em meios que, sobretudo na área a que nos dedicamos (a tributária), antecipem ao menos alguns efeitos (talvez os melhores) de figuras que ainda estão ausentes de nosso ordenamento — assim como sucede com a mediação e com a arbitragem tributárias.

Pensando no assunto, devemos todos lembrar da correlação que se faz da arbitragem com as questões de alta complexidade fática, notadamente as que suscitam o aparelhamento de perícia.

Parece, com efeito, que, se há um ambiente em que, em termos tributários, ela, a arbitragem, poderia ser pragmaticamente bem interessante, esse espaço seria justamente o das demandas de intenso tom fático, conclusão que se reforça, dia-a-dia, à medida que é fortalecido o "sistema brasileiro de precedentes" e a consequente prevalência da ideia de que decisões sobre intepretação do direito, nesse sistema, são totalmente soberanas — inclusive em relação às que foram acobertadas por anterior coisa julgada.

Mas, vamos ao que nos interessa fazer pensar: se a premissa adrede apontada é verdadeira, se a arbitragem tributária realmente guardaria especial afinidade com lides sobre interpretação fática, inclusive e principalmente quando dependente, tal intepretação, de conhecimento técnico especial, não seria o caso de se pensar no imediato estabelecimento de "câmaras periciais" (núcleos privados que prestariam serviço tal qual os que seriam prestados pelas câmaras de arbitragem, mas restrito à emissão de laudos técnico-periciais)?

Avançamos muito, quando menos na seara federal, na compreensão e amplitude do "negócio jurídico processual" (NJP), figura que sabidamente viabiliza a customização da atividade processual e da qual falamos, hoje, inclusive em nível administrativo.

Pois, esse importante veículo poderia ser, ao que tudo indica, o mais apto dos instrumentos hoje existentes para "hospedar" formalmente a ideia que lançamos: desde que convergentes em suas posições quanto à necessidade de melhor compreender determinado fato (um fato contábil, por exemplo), Administração e contribuinte poderiam acertar, em convenção formalizadora de NJP, os termos em que se daria a perícia correspondente, elegendo uma "câmara" para tanto disponível, cujo trabalho — pressupostamente feito de forma colegiada (aparentemente um regime que potencializa a imparcialidade esperada), assistida (administração e contribuinte estariam evidentemente envolvidos na construção da prova tradutora do fato) e consequentemente controlada — resultaria na produção de um laudo que, a depender das condições concretas (se o NJP é judicial ou administrativo), poderia ser usado inclusive no contencioso administrativo, compondo-se um dos maiores gargalos dessa instância — relacionado justamente à (in)viabilidade prática de produção de prova pericial.

Se instituições a que nos referimos (as "câmaras periciais") — postas com a vocação de atender demandas dependentes de laudo técnico — viessem à luz, obviamente que não estaríamos falando de arbitragem no sentido próprio do termo, mas teríamos, daquilo que nela (na arbitragem) se praticaria, talvez a fração pragmaticamente mais interessante, seja porque pouparia recursos do apertado orçamento do Judiciário, seja porque reduziria o tempo de duração do processo (para falar do mínimo de vantagens relacionáveis ao processo judicial), além de compor, como sublinhado, o problema da inacessibilidade quase que invencível à prova pericial no processo administrativo.

Mais que tudo, uma vantagem, quando pensamos no assunto sob as luzes propostas, viria da seguinte pergunta: seria necessário algum esforço legislativo para a concretização dessa ideia? Acreditamos que não, sendo aparentemente necessária apenas a mesma boa vontade que vem permitindo o fortalecimento gradual de figuras hoje tão importantes em matéria processual tributária, como é o NJP — afinal, o instituto se fez (e vem sendo feito) à conta, não temos dúvida, da força prática de seus usuários, essa força que, no português reto, aquele que usamos no dia a dia, chamamos simplesmente de boa vontade.

Autores

  • é juiz federal em São Paulo, professor do curso de especialização do Ibet, professor e coordenador do curso e do grupo de estudos do "Processo tributário analítico" do Ibet e professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP.

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