Paradoxo da Corte

Valor da causa na ação anulatória da sentença arbitral

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

28 de julho de 2023, 8h00

O artigo 33 da Lei nº 9.307/96, como é sabido, autoriza a parte que sofreu gravame submeter ao controle judicial a sentença arbitral eivada de nulidade. Os vícios que ensejam o ajuizamento da ação anulatória (rectius: ação declaratória de nulidade) estão previstos no precedente artigo 32.

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A jurisprudência de nossos tribunais tem uma interpretação mais liberal à regra do artigo 32, sobretudo quando o fundamento for ofensa às garantias do devido processo legal, como, e. g., infere-se de importante precedente da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.660.963/SP, da relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, no qual exarado o entendimento de que:

"A ação anulatória de sentença arbitral há de estar fundada, necessariamente, em uma das específicas hipóteses contidas no artigo 32 da Lei 9.307/96, ainda que a elas seja possível conferir uma interpretação razoavelmente aberta, com o propósito de preservar, em todos os casos, a ordem pública e o devido processo legal e substancial, inafastáveis do controle judicial" (destacamos).

Seguindo os requisitos contemplados no artigo 319 do Código de Processo Civil, para a elaboração da petição inicial da ação anulatória, observa-se que o respectivo inciso V exige a atribuição ao valor da causa.

Tal valor deverá ser certo, ainda que a ação anulatória de sentença arbitral não tenha conteúdo econômico prontamente estimável (artigo 291).

Em determinadas situações, a fixação do valor da causa pode apresentar alguma dificuldade, como por exemplo na hipótese em que o autor da arbitragem objetiva a anulação de atos societários (ação de natureza constitutiva negativa). Neste caso, não há propriamente um "proveito" de cunho financeiro a nortear a atribuição do valor em jogo, cabendo ao requerente da ação anulatória estimar uma soma que, à luz dos artigos 292, parágrafo 3º, e 293 do Código de Processo Civil, poderá ser corrigido respectivamente pelo juiz ou impugnado pela parte contrária.

Tenha-se presente, outrossim, que, além da repercussão no terreno fiscal para fins de recolhimento de custas processuais, inúmeras sanções encontram-se atreladas ao valor da causa, como, por ilustração, as multas contempladas nos artigos 77, parágrafo 2º, 81 e 334, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil. Além deste aspecto, a teor do artigo 85, parágrafo 2º, o valor da causa constitui, entre outros, critério para a fixação de honorários advocatícios de sucumbência.

O supra referido artigo 292, reproduzindo o artigo 259 do diploma processual revogado, estabelece os critérios legais para aferir-se o valor da demanda.

Nesse particular, três pontos merecem destaque. Em primeiro lugar, o inciso II do artigo 292 determina que, se a ação tiver por escopo a modificação, resolução, resilição ou rescisão de ato jurídico, o valor da causa será equivalente ao da parcela controvertida. Ademais, nas ações que visam à declaração de nulidade da sentença arbitral condenatória, o valor da condenação deverá ser atribuído à causa.

Cumpre-me esclarecer, a propósito, que o conceito de "proveito econômico" é paradoxal. Em primeiro lugar, porque não há dúvida, por exemplo, de que o autor da arbitragem pretende uma indenização de R$ 1 milhão e o pedido é julgado procedente, o réu, que experimentou derrota, deverá atribuir à ação anulatória da sentença arbitral o mesmo montante da condenação que lhe foi imposta. No entanto, se, nesta idêntica situação, a pretensão condenatória é reputada improcedente, o autor do processo arbitral, ao ajuizar a anulatória deverá igualmente atribuir-lhe o valor de R$ 1 milhão, ainda que não lhe tenha sido imposta qualquer condenação.

Seja como for, nesse sentido, a 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por ocasião do julgamento Agravo de Instrumento nº 0174530-03.2011.8.26.0000, decidiu que o valor indicado na petição inicial da ação anulatória de sentença arbitral deve ser simétrico ao "proveito econômico" pretendido pela demandante.

Em senso análogo, a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça bandeirante, ao julgar o recurso de Agravo de Instrumento nº 2065870-36.2015.8.26.0000, teve oportunidade de ponderar e decidir o seguinte:

"Segundo os argumentos recursais, o incidente de impugnação ao valor da causa estaria atrelado a uma ação anulatória de sentença arbitral que recebera como valor, eleito pela autora, M. M., o valor histórico de R$ 454.240,87.

Por não concordarem com tal expressão numérica para fins de valor da causa, as corrés, dentre elas, a ora agravante, manejaram seus respectivos incidentes de impugnação ao valor da causa, postulando-se a majoração do valor originário para R$ 27.415.987,12, sobrevindo, na origem, o resultado de acolhimento de ambas as impugnações, eleito como critério relevante, o necessário respeito ao efetivo proveito econômico perseguido…

Necessário sim, respeitar, no caso concreto, o quanto já fora antes decidido na anterior impugnação apresentada pela outra corré, prevalecendo, como deveria mesmo ser, o critério do proveito econômico perseguido na lide, evitando-se, demais disso, decisões conflitantes diante do aludido erro material constatado e até o presente momento não sanado, por isso, ainda vivo o interesse recursal em sede de agravo de instrumento.

Altera-se a decisão guerreada, portanto, passando-se ao valor de R$ 27.415.987,12 como sendo o valor da causa, cabendo ao juízo de origem deliberar a respeito da concessão de prazo à agravada para recolher eventual diferença das custas processuais, caso ainda não o tenha feito diante do acolhimento da impugnação apresentada pela corré S.S.".

Instada a examinar a questão relativa à atribuição do valor da causa na ação anulatória de sentença arbitral, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.704.551/SP, da relatoria de ministra Nancy Andrighi, secundou entendimento trilhando a seguinte linha de raciocínio:

"O propósito recursal consiste em determinar qual deve ser o valor da causa em hipóteses de ação declaratória de nulidade de sentença arbitral, ajuizada com fundamento no artigo 33 da Lei 9.307/96.

A legislação brasileira sobre arbitragem estabelece uma precedência temporal ao procedimento arbitral, permitindo que seja franqueado o acesso ao Poder Judiciário somente após a edição de sentença arbitral.

A jurisprudência desta Corte superior, há algum tempo, está orientada no sentido de afirmar que 'o valor da causa, inclusive nas ações declaratórias, deve corresponder, em princípio, ao do seu conteúdo econômico, considerado como tal o valor do benefício econômico que a autora pretende obter com a demanda' (REsp nº 642.488/DF, 1ª Turma, DJ 28/9/2006, pág. 193).

Na hipótese dos autos, não há óbice jurídico algum para que a condenação contida na sentença arbitral seja considerada como o parâmetro para a definição do valor da causa".

Ademais, analisando a questão sob a perspectiva das ações de natureza declaratória, a exemplo da ação declaratória de nulidade da sentença arbitral, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a seu turno, no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.630.526/MG, com voto condutor do ministro Antonio Carlos Ferreira, assentou que:

"Estando os fatos delineados no acórdão recorrido e sendo a questão eminentemente de direito, o recurso não encontra óbice nas Súmulas nº 5 e 7 do STJ.

A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o valor da causa, mesmo nas ações declaratórias, deve corresponder ao proveito econômico almejado pela parte.

No caso, ao requerer a declaração de nulidade da sentença arbitral, pretende a recorrente anular o próprio título executivo, de forma que o valor da condenação contido na sentença deve ser o parâmetro para definição do valor da causa na ação declaratória".

Saliente-se, por outro lado, que, a despeito dos inúmeros critérios determinantes da fixação do valor da causa (artigo 292), poderá haver incorreção deste requisito da petição inicial. Diante desta situação, consoante o disposto no parágrafo 3º do mesmo artigo 292, o juiz poderá corrigir "de ofício e por arbitramento" o valor atribuído à causa, "quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor".

O réu, todavia, como acima já frisado, continua podendo impugnar o valor dado à causa. Deve fazê-lo na própria contestação, "sob pena de preclusão" (artigo 293 do Código de Processo Civil).

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  • é sócio do Tucci Advogados Associados, ex-presidente da Aasp, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e conselheiro do MDA.

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