Marco civilizatório

Aos 33 anos, ECA não precisa de revisão, mas de aplicação, segundo estudiosos

Autor

13 de julho de 2023, 17h44

Marco fundamental para a proteção da infância e da juventude no Brasil, e exemplo de legislação sobre o tema para outros países, o Estatuto da Criança e do Adolescente completa 33 anos nesta quinta-feira (13/7) sem a necessidade de uma atualização profunda, de acordo com os especialistas em Direito de Família consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Reprodução
ECA completa 33 anos sem ainda ter sido adequadamente aplicado pelo Brasil
Reprodução

Segundo eles, um ou outro ajuste seria bem-vindo, porém o grande desafio que o país precisa enfrentar não é atualizar o texto do ECA, mas conseguir que ele seja aplicado na prática.

No entendimento da advogada Marília Golfieri Angella, sócia do escritório Marília Golfieri Angella Advocacia Familiar e Social e mestre em Processo Civil pela USP, o ECA tem sido atualizado de maneira satisfatória, mas a fiscalização de sua aplicação ainda é um problema.

"Ocorreram mudanças no texto do ECA em 1991, 1997, 2000, 2003, 2005, 2008, 2009, 2011, 2012 e, desde 2014, foram aprovadas alterações em todos os anos até 2019. Ou seja, é uma lei atualizada. O que precisamos é de mais efetividade da lei, mais fiscalização e uma melhor preparação da rede de proteção."

Na opinião de Marília, a aplicação do ECA se tornaria mais efetiva se houvesse melhor aparelhamento dos Conselhos Tutelares, que muitas vezes apresentam uma rede precária de atendimento e conselheiros sem treinamento adequado.

"O maior problema do ECA hoje é a sua não aplicação por toda a rede, desembocando também no Poder Judiciário, e a falta de investimento em políticas públicas voltadas à proteção de crianças e adolescentes."

Victor Magalhães, advogado do escritório Gouveia Zakka Advogados, pensa de modo parecido: "A lei é um bom diploma normativo, que, inclusive, é exemplo para outros países. O grande desafio, atualmente, envolve a execução dos objetivos consagrados no estatuto, que muitas vezes são negligenciados pelo poder público, a exemplo do que ocorre com a fome e a violência". 

Para a sócia e especialista em Direito de Família e das Sucessões do Hesketh Advogados Mariana Turra Ponte, um ponto que precisa ser melhorado na aplicação do ECA diz respeito à adoção. Segundo ela, há um problema com a morosidade dos processos, situação que, mesmo depois da criação de um cadastro nacional de adoção pelo CNJ, em 2019, continua longe da ideal.

"Os processos são morosos, as crianças ficam muito tempo abrigadas, o que impede que sejam adotadas rapidamente em tenra idade. E, como é sabido, os pretendentes à adoção recusam a adoção tardia, de crianças mais crescidas, fazendo com que essas crianças percam as chances de uma adoção e a fila de pretendentes se mantenha grande. Enfim, é necessário melhorar a eficiência da aplicação do ECA, esse é o grande desafio."

Laísa Santos, advogada da banca Schiefler Advocacia, por sua vez, acredita que o ECA poderia ser modificado no que se refere à profissionalização e à inclusão de adolescentes na aprendizagem.

"Em um país subdesenvolvido como o Brasil, em que quase 30% da população total vive com renda domiciliar per capita de até R$ 497 mensais, a adoção de medidas públicas capazes de preparar os jovens e adolescentes para a entrada no mercado de trabalho pode ser um transformador na vida de milhares de famílias."

Aspectos analógicos
Flávia Pietri, sócia sênior do Nascimento e Mourão Advogados e especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, reconhece que o ECA é uma das leis mais avançadas do mundo em seu gênero, mas ainda assim defende mudanças urgentes no texto em sua área de atuação.

"Atualizações relacionadas às crianças e aos adolescentes, que hoje estão completamente inseridos no universo digital, são fundamentais, uma vez que esse texto normativo considerou a realidade dos anos 90, completamente alterada nos dias de hoje."

Nesse sentido, ela cita a proteção contra a pornografia. O artigo 78 do ECA impõe algumas restrições nessa área, mas apenas a revistas e demais materiais impressos, sem qualquer indicação, portanto, de proteção em ambiente virtual.

"A LGPD traz um capítulo inteiro dedicado à privacidade e à proteção de dados pessoais das crianças e dos adolescentes, e é preciso que o ECA se adeque à realidade enfrentada nos dias atuais e também sinalize medidas mais atualizadas e protetivas. Nesse sentido, com especial atenção ao que se refere às redes sociais e ao acesso aos sistemas de inteligência artificial."

Laísa Santos também defende uma atualização do texto nesse aspecto: "As crianças e os adolescentes da década de 90 não são os mesmos de hoje. O artigo 78 do ECA, por exemplo, determina que as revistas contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializados em embalagem lavrada, com a advertência de conteúdo, mas nada trata a respeito dos riscos e ameaças da internet, como groomingcyberbullyng, nem do acesso a sítios eletrônicos com conteúdos inapropriados e violentos para o público infantil e juvenil".

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!