Sem bis in idem

Delito de financiar o tráfico é incabível para membro de associação criminosa

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8 de julho de 2023, 7h42

Para evitar dupla responsabilização penal sobre o mesmo fato, o delito autônomo de financiar ou custear o tráfico de drogas (artigo 36 da Lei 11.343/2006) não é cabível a quem faz parte de associação voltada ao narcotráfico, porque, nessa hipótese, deve ser aplicada a causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso VII, da legislação especial.

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Réu foi condenado por fazer parte de associação voltada ao narcotráfico
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Com essa fundamentação, o juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, titular da 5ª Vara Federal de Santos (SP), julgou parcialmente procedente a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra um homem apontado como doleiro do Primeiro Comando da Capital e o condenou apenas pelo delito de associação para o tráfico (artigo 35 da Lei de Drogas).

O julgador aplicou as causas de aumento de pena, de um sexto a dois terços, referentes à transnacionalidade do delito e ao fato de o agente custear ou financiar a prática do crime. Elas estão previstas, respectivamente, nos incisos I e VII do artigo 40 da Lei de Drogas, sendo a sanção total do réu fixada em oito anos e quatro meses de reclusão, em regime inicial fechado.

Com o reconhecimento da causa de aumento de pena do inciso VII, o juiz absolveu o acusado do crime do artigo 36, por entender que ele praticou condutas relacionadas ao crime de associação para o tráfico de drogas em conjunto com atos relacionados ao financiamento e custeio do crime de tráfico.

"É importante observar que essas disposições legais não podem ser empregadas de maneira cumulativa, uma vez que tal interpretação conduziria à sobreposição de sanções pela prática do mesmo fato. Tal posicionamento busca conferir coesão ao ordenamento jurídico, evitando a incidência do bis in idem", justificou Lemos.

Segundo o magistrado, mensagens telefônicas interceptadas com autorização judicial revelaram que o réu possuía "relevante papel na organização criminosa, participando ativamente de seu núcleo financeiro". Tais provas, ainda conforme o julgador, demonstraram a conexão do acusado com integrantes do alto escalão do tráfico internacional de drogas.

O grupo ao qual o réu é acusado de pertencer foi desmantelado pela Polícia Federal após investigação que resultou no ajuizamento de várias ações penais. Os criminosos seriam responsáveis por enviar cocaína ao exterior em navios que zarparam do Porto de Santos. A denúncia delimitou a atuação do doleiro ao período de janeiro de 2013 a março de 2014.

A sentença concluiu que o acusado não se limitava a fazer o câmbio de moedas, como real, dólar e euro. Ele também disponibilizava créditos e facilitava o fluxo de recursos, tornando-se "peça-chave no sustento econômico das atividades criminosas, possibilitando a continuidade do tráfico internacional de drogas".

O doleiro nega envolvimento com o esquema criminoso, mas o conjunto probatório convenceu o juiz de que ele "detinha pleno conhecimento das atividades empreendidas por seus 'clientes', agindo em correspondência com tais práticas ilícitas". Inclusive, o réu estabeleceu para si uma remuneração de 10%, bem superior à praticada pelas casas de câmbio nas operações legais.

Para o julgador, esse percentual de "comissão" indica que o réu não só tinha consciência da ilicitude dos negócios, ao estabelecer percentual compatível ao risco inerente à natureza ilícita das transações, como também demonstra a sua "disposição em lucrar com a demanda de serviços relacionados ao tráfico internacional de drogas".

Histórico negativo
O réu já havia sido condenado pela 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) a nove anos, dez meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, por integrar organização criminosa e lavagem de dinheiro. Ele recorreu ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que negou provimento à apelação. Atualmente, há recurso especial pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça.

Na fixação da pena-base acima do mínimo legal e na definição do percentual aplicado nas causas de aumento de pena do artigo 40, Lemos considerou o "histórico criminal do réu marcado pela sua atuação como empresário do crime, integrando e financiando múltiplas organizações criminosas voltadas ao tráfico internacional de drogas".

Esse mesmo fato, além de o acusado ter renda mensal de R$ 160 mil a R$ 170 mil, conforme ele próprio informou em seu interrogatório judicial, motivou o julgador a também condená-lo ao pagamento de 1.943 dias-multa, cada um no valor dois salários mínimos vigentes à época dos fatos, com atualização monetária até o efetivo pagamento.

A sentença assinala que, diante da "significativa capacidade econômica" do réu, esse montante de multa é necessário para impactar de forma proporcional a sua esfera financeira e desencorajar a reiteração de condutas delituosas. Quanto à pena corporal, devido à falta de pedido de prisão preventiva por parte do MPF, o juiz possibilitou ao acusado o direito de recorrer em liberdade.

Processo 0002314-90.2015.4.03.6104

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