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Reforma simplifica tributação, mas delega muitos pontos à sua regulamentação

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7 de julho de 2023, 17h54

A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta sexta-feira (7/7) o texto-base da reforma tributária. A proposta de emenda à Constituição, que agora vai ao Senado, tem como ponto principal a unificação de IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS em um Imposto de Valor Agregado (IVA) dual. Segundo tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, há uma simplificação positiva, mas o verdadeiro impacto da reforma ficará sujeito à sua regulamentação, a ser feita por meio de normas infraconstitucionais.

Câmara aprovou texto-base da PECLula Marques/ Agência Brasil

De acordo com Igor Mauler Santiago, sócio do escritório Mauler Advogados e colunista da ConJur, a tendência é que haja menos impasses tributários no Judiciário. Porém, "tudo dependerá do regime jurídico que se der a estes novos tributos, pois complexidades internas contam tanto quanto sobreposições". E isso só será estabelecido pela regulamentação.

Fabio Florentino, sócio do BMA Advogados, considera que a unificação dos impostos é, "se não o mais, um dos principais condutores da simplificação do Direito Tributário". Mas ele ressalta que o regramento infraconstitucional brasileiro tem um "longo histórico" de "criar dificuldades para o sistema".

Como exemplo, Florentino lembra que a Constituição nunca previu restrições aos créditos de tributos sobre mercadorias e receita, mas as leis regulamentadoras "criaram uma série de barreiras que respondem por relevante parte do atual contencioso tributário nacional".

Para o advogado, o texto aprovado pela Câmara "tende a reduzir os impasses entre Fisco e contribuintes", mas "somente teremos a visão completa dos riscos de contencioso" quando a PEC sair do Senado e a legislação complementar e ordinária for apresentada. 

"Nosso radar tem de estar muito voltado às normas infraconstitucionais, eis que são elas que colocam para funcionar, na prática, os princípios idealizados ao longo dos últimos anos e votados ao longo dessa madrugada."

João Claudio Gonçalves Leal, sócio coordenador tributário no SGMP Advogados, tem opinião semelhante. Para ele, a unificação simplifica o sistema tributário, pois reduz o tempo e o esforço exigidos para apuração e cumprimento das obrigações acessórias, como a apresentação de declarações. Mesmo assim, ela não garante um sistema totalmente simplificado, já que "grandes focos de complexidade" estão nos níveis infraconstitucional e infralegal.

O advogado observa que muitos temas são delegados a lei complementar, tais como as hipóteses de incidência dos novos tributos, suas bases de cálculo e seus regimes diferenciados. Segundo ele, isso é natural: "Não é próprio do texto constitucional a instituição e regulamentação dos tributos".

Por isso, Leal entende que ainda é cedo para afirmar que haverá menos discussões tributárias na esfera judicial ou na administrativa. Por outro lado, ele acredita que a simples diminuição do número de tributos "gera uma expectativa de redução do número de pontos controvertidos e, por consequência, de eventuais litígios". Atualmente, existem muitas controvérsias sobre os limites de incidência do ISS e do ICMS, por exemplo. No modelo da reforma, tal problema é eliminado.

Arthur Barreto, sócio do Donelli, Abreu Sodré e Nicolai Advogados, indica que a simplificação não é fruto somente da unificação dos tributos, mas também passa por pontos como uma não cumulatividade mais ampla, a tributação no local de destino e as alíquotas mais uniformes — embora a possibilidade de os estados instituírem uma "contribuição sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, para investimento em obras de infraestrutura e habitação" possa "representar certa relativização na simplificação que se pretende".

Ele constata um "esforço para evitar disputas que foram verificadas ao longo de décadas". Considerando o volume de contencioso do sistema atual, o advogado espera menos impasses tributários a partir da reforma.

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Reforma unifica tributos em IVA dual

"É claro que, com um texto novo, podem surgir novas divergências de interpretação e aplicação entre Fisco e contribuintes, mas o que se observa é que questões complexas e polêmicas foram consideradas na elaboração do texto, o que deve reduzir, portanto, o contencioso fiscal."

Apesar de reconhecer a abrangência e relevância da PEC, Barreto também destaca que "há muitas delegações à lei complementar, o que pode atrasar ou prejudicar a implementação de alguns pontos".

A reforma atribui à legislação complementar, por exemplo, a regulamentação da possibilidade de apropriação de créditos tributários na aquisição de bens de uso e consumo. O mesmo ocorre com o cashback tributário para famílias de baixa renda. "Poderia ter havido maior definição de parâmetros", opina o tributarista.

Maria Andréia dos Santos, sócia de contencioso tributário do Machado Associados, acredita que a unificação dos tributos "gera automaticamente uma simplificação do sistema". Por outro lado, ela considera que, na reforma, a simplificação foi menor do que o desejado — devido à adoção de um IVA dual, e não único, além da criação da contribuição sobre produtos primários e semielaborados e de um imposto seletivo para produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

A advogada explica que será necessária a edição de leis ordinárias federais e estaduais para tratamento legal dos tributos. Além disso, o Conselho Federativo criado para centralizar a arrecadação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — que substituirá ICMS e ISS — terá competência para editar normas infralegais, "o que pode gerar algum nível de complexidade legislativa na operacionalização desse novo modelo".

Ainda não se sabe, por exemplo, se o direito ao aproveitamento do crédito do IVA será condicionado à comprovação do recolhimento na etapa anterior ou se será exigido o recolhimento na liquidação financeira das aquisições feitas. "Se essas exigências forem feitas dos adquirentes como condição para a validação dos créditos, sem dúvida haverá um nível relevante de complexidade nesses procedimentos", diz Maria Andréia.

O longo período de transição estipulado pela PEC também causa uma "coincidência entre as regras atuais aplicáveis aos tributos que serão substituídos e aquelas que passarão a ser gradativamente aplicadas no período", segundo ela. Com isso, os contribuintes precisarão de "providências administrativas de apuração e de informações acessórias em ambos os sistemas (antigo e novo), o que sem dúvida será muito desafiador".

Em resumo, a advogada entende que a unificação "deve gerar uma redução muito significativa nos litígios tributários", pois regras claras não geram divergências de interpretações. Mas, como diversos pontos serão tratados por lei complementar, ainda há espaço para "interpretações dúbias ou conflitantes".

Por sua vez, Ana Cláudia Utumi, sócia do escritório Utumi Advogados, acredita na redução das disputas tributárias administrativas e judiciais a partir de 2033, ano para o qual está previsto o fim do período de transição. Durante esse período, que se inicia em 2026, ela também ressalta que as empresas terão de conviver com os tributos atuais enquanto já começam a cumprir as obrigações relativas aos novos tributos.

De qualquer forma, a advogada destaca que a reforma acaba com "uma grande fonte de brigas entre Fisco e contribuintes", pois prevê um modelo de crédito geral e irrestrito, sem necessidade de análise do tipo de crédito; elimina as diferenças de legislações entre estados quanto ao ICMS; e faz o mesmo com relação às polêmicas de competência do ISS entre municípios.

Por fim, Luiz Gustavo Bichara vê com otimismo o distanciamento do "mito da alíquota única". Para ele, no Brasil, ter ao menos duas alíquotas "facilita muito a transição, reconhecendo especificidade de determinados setores da economia"

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