Choro sem razão

Bolsonaristas receberam tratamento semelhante ou melhor que demais presos

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25 de janeiro de 2023, 18h53

As centenas de pessoas presas na invasão e depredação dos prédios dos três poderes no dia 8 de janeiro ou que estavam acampadas em frente ao quartel general do Exército em Brasília receberam tratamento semelhante ao dos demais detentos do sistema prisional do Distrito Federal. E muitas vezes diferenciado em algumas situações, como ser encaminhado para a cadeia sem algemas. Eles também são protagonistas de reivindicações e reclamações no mínimo curiosas. Querem mais frutas nas refeições, alimentos sem glúten e lactose ou então usar sutiã de cor preta.

Carlos Moura/SCO/STF
Vândalos bolsonaristas emporcalham e depredam a fachada do STF em 8 de janeiro de 2023
Carlos Moura/SCO/STF

É o que registra relatório elaborado pela Defensoria Pública da União, Defensoria Pública do Distrito Federal e Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura. O documento foi produzido depois de vistorias às dependências dos presídios e visitas aos criminosos envolvidos nos ataques antidemocráticos.

Os presos em flagrante foram encaminhados ao Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Os homens seguiram para o Centro de Detenção Provisória II e as mulheres para a Penitenciária Feminina do Distrito Federal, chamada de Colmeia.

Do total de golpistas presos, 97% não eram do Distrito Federal. Havia entre eles militares da Marinha e policiais civis de vários estados. Com um desses policiais foi encontrada uma arma que estava sendo levada para a cadeia.

Os defensores públicos constataram que vários dos presos haviam sido infectados pela Covid-19 enquanto acampavam na porta do QG do Exército e durante os atos do dia 8 de janeiro.

Entre as centenas de pessoas detidas e identificadas, não há nenhuma que tenha se declarado LGBTQIA+. De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) do Distrito Federal, havia um bloco específico para receber essa população.

Segundo o relatório de 71 páginas elaborado pelos defensores públicos, desde a detenção e o encaminhamento aos presídios, ninguém foi algemado. Até antes de ingressar no sistema prisional, “não havia pessoas algemadas, todas as pessoas tinham acesso aos aparelhos celulares, dialogavam entre si e dispunham de equipes de pessoal e ambulância para atendimentos médicos”, diz o documento.

Aumento de presos
As autoridades do Distrito Federal estimaram aumento de aproximadamente 10% da população prisional na capital federal com o aprisionamento dos golpistas bolsonaristas.

Mesmo assim, cerca de 500 pessoas acabaram liberadas pela Polícia Federal por questões humanitárias. Eram pais e mães com crianças, pessoas idosas ou com comorbidades. A Seap afirmou ainda que as pessoas presas pelos atos não estavam tendo contato com as pessoas detidas anteriormente.

Presos homens no CDP II, blocos IV e VI, reclamaram que as celas têm capacidade para oito pessoas, mas estavam alocando 12, o que obrigava quatro deles a dormir no chão.

Na inspeção feita na penitenciária feminina, muitas reclamaram da insuficiência de colchões para todas as presas. E disseram “que policiais penais femininas estariam realizando revista vexatória”.

Todas as celas são compostas com uma pia, um chuveiro com água fria e um vaso sanitário. Houve várias reclamações de que o banheiro fica à vista de quem passa no corredor, “não havendo nenhuma privacidade para realizarem suas necessidades” fisiológicas.

Foi entregue um kit de higiene pessoal para cada um. Ainda assim, reivindicam distribuição de saco de lixo nas celas.

Algumas mulheres reclamaram do banho de sol com tempo reduzido. Elas narraram que foram impedidas de ficar com determinados itens pessoais de suas roupas, como sutiãs de cor preta.

Infecção por Covid-19
Homens e mulheres passaram por teste rápido para Covid-19 antes de ingressar no sistema prisional. Três homens testaram positivo e foram separados do grupo.

Foi relatado ainda que estava sendo providenciada vacinação para todas as pessoas, segundo o protocolo sanitário do estabelecimento. Na penitenciaria feminina também foi diagnosticado mulheres infectadas com Covid-19, mas sem relatar a quantidade.

Alimentação dos presos
Todos estão recebendo quatro refeições por dia. Alguns reclamaram sobre o que consideram má qualidade dos alimentos, além de pouca quantidade de frutas oferecidas nas refeições. Mostra o relatório que os detentos jogaram fora boa parte das marmitas do almoço e jantar “por não conseguirem comer devido ao gosto ruim e ao mau preparo”. “Reclamaram também que o arroz veio cru e o feijão com gosto de azedo, e que a comida é indigesta”.

São servidas quatro refeições ao dia: café da manhã (achocolatado e pão) almoço (proteína, arroz e feijão), jantar (proteína, arroz e feijão) e ceia (pão e uma fruta).

A marmita é uma refeição que pesa 600 gramas. O acesso à água para consumo e higienização fica disponível 24 horas na torneira das celas.

Houve, inclusive, reivindicação por parte das presas de dietas especiais nas refeições devido a problemas de saúde. Pedem alimentos sem lactose e sem glúten.

Arma em cofre
Os pertences pessoais de todos os golpistas presos foram separados e custodiados. Houve caso de um homem que tinha R$ 3 mil no bolso, em dinheiro vivo. Além de outro, um policial civil aposentado, que portava um pequeno cofre com uma arma dentro.

Muitos dos entrevistados pleiteavam maior contato familiar, visto que, segundo o relatório, “nem todos conseguiram contato com suas famílias. Inclusive, algumas pessoas também tiveram suas mães e companheiras detidas e estavam com dificuldades para obter informações sobre seu paradeiro (se seguem em custódia ou em liberdade)”.

A “organização” dos atos terroristas praticamente abandonou parte daqueles que foi presa. O documento dos defensores públicos chama a atenção para que a maioria dos presos estarem sem assistência jurídica particular.

Depressão e ansiedade
Foram ouvidas inúmeras queixas de problemas com saúde mental, quadros de depressão e ansiedade. Segundo a direção do presídio feminino, da forma como as bolsonaristas chegaram na unidade, “e pelo fato de que muitas jamais estiveram num presídio, ficaram extremamente abaladas psicologicamente”.

Havia uma cela só com idosos, muitos militares (até oficiais da Marinha), policiais de outros Estados, pessoas com diplomação superior que foram alocadas em celas separadas configurando salas de Estado Maior.

Coleta de DNA
A Polícia Federal fez a coleta de amostras biológicas de todos os presos, para fins de identificação do perfil genético. “Em conversa com a perita criminal da PF, disse que já tinha feito a coleta de material genético de 150 mulheres, sendo que até aquele momento, apenas duas se recusaram a realizar o exame. A perita ainda informou que estava amparada por decisão judicial para realizar tal procedimento”, mostra o documento.

A repentina chegada de centenas de mulheres no presídio impactou a rotina das internas que já se encontravam na unidade cumprindo penas. Houve necessidade da remoção das 17 mulheres trans de um bloco para celas que são destinadas para visitas íntimas.

Direitos humanos
Os novos presos e presas foram tratados com isonomia em relação aos demais detentos, confirmam as entidades. Mas alertam sobre violações de direitos e exposição a situação degradante dos estabelecimentos prisionais. Foi destacada a superlotação e problemas estruturais que o sistema do Distrito Federal já apresentava anteriormente.

O documento também apresenta uma série recomendações feitas pelas Defensorias. Dentre elas, o respeito ao devido processo legal; medidas para diminuir a situação de superlotação das unidades prisionais no Distrito Federal; e garantia às pessoas privadas de liberdade de todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Clique aqui para ler o relatório

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