Ambiente Jurídico

Um novo meio ambiente em 2023

Autor

  • Eduardo Coral Viegas

    é promotor de Justiça no MP-RS graduado em Direito pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) especialista em Direito Civil mestre em Direito Ambiental palestrante ex-professor de graduação universitária atualmente ministrando cursos e treinamentos e integrante da Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. Autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

7 de janeiro de 2023, 8h00

Ao longo do período entre o resultado da eleição de 2022 e a posse do presidente Luiz Inacio Lula da Silva para o cumprimento do seu mais novo mandato, a equipe de transição parece não ter tido descanso. Já no primeiro dia de 2023, foram publicados inúmeros atos presidenciais com mudanças profundas das estruturas do governo e do Estado, com inegável impacto na vida dos brasileiros e dos estrangeiros que estejam vivendo na terra brasilis.

Spacca
Dediquei mais de 20 anos de minha vida para a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois é exatamente disso que trata o artigo 225 da CF. Nesse período, fiz especialização e mestrado na área, escrevi livros (Visão Jurídica da Água – esgotado mas sendo reescrito – e o Gestão da Água e Princípios Ambientais), muito litiguei em favor de direitos difusos na condição de promotor de Justiça ambiental, dei palestras e ministrei cursos em muitos lugares, inclusive auxiliando na produção jurídica, legislativa e de cumprimento dos atos dos Poderes Executivo e do Judiciário.

Por esse meu histórico, estou esperançoso com um futuro sustentável, em face da publicação dos diversos atos normativos na área ambiental que reestruturam a organização de Estado e de órgãos da sociedade civil, estabelecem promessas concretas de alteração da proteção e da regeneração dos ambientes naturais, bem como alteram direitos e obrigações do poder público e da coletividade com vistas à efetivação do direito humano e universal a um meio ambiente qualificado.

Em linhas gerias, e sem a pretensão de ser exaustivo, alguns dos principais atos do dia 1º foram os seguintes:

a) A Medida Provisória nº 1.154/2023 estabeleceu a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos ministérios. O artigo 1º, §1º, definiu que o detalhamento da organização dos órgãos de que trata esta medida provisória será definido nos decretos de estrutura regimental. Por meio desse ato foram criadas novas pastas e reestruturadas as existentes. Mudanças da esfera ambiental, que é nosso foco, estão presentes nas definições de grande parte dos ministérios, sendo nítida a posição governamental de que o meio ambiente deve ser tratado de forma transversal, ou seja, é fator primordial de consideração de cada planejamento e execução dos atos administrativos estatais. Como exemplo das mudanças cito a criação do Ministério dos Povos Indígenas, tema que merece uma abordagem especial, e que farei em breve, em coluna específica.

b) Por sua vez, o Decreto nº 11.372/2023 finalmente regulamentou a Lei nº 7.799/1989, que criou o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). A disciplina desse fundo era esperada há muito e por muitos, na medida em que a preservação dos recursos naturais e a recuperação já causada pelo homem dependem de recursos públicos e privados, de fontes nacionais e internacionais, e para isso é fundamental que haja uma regulamentação da utilização dos valores direcionados ao meio ambiente, e que permita o acompanhamento da aplicação desses investimentos, com fiscalização tanto da sociedade quanto dos órgãos públicos que têm a missão de zelar pela aplicação racional e transparente de toda e qualquer verba proveniente do dinheiro da população. Como promotor de Justiça, posso afirmar que normas claras auxiliam verdadeiramente que o Ministério Público possa exercer seu papel constitucional de ser o guardião da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais indisponíveis, como bem define o artigo 127 da CF, o qual elevou a instituição à condição de permanente e essencial à função jurisdicional do Estado.

c) O Decreto nº 11.373/2023 alterou o Decreto nº 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ambientais e estabeleceu o processo administrativo federal para a apuração dessas infrações. Iniciou definindo que 50% dos valores arrecadados pelo pagamento de multas aplicadas pela União serão revertidos ao FNMA, podendo haver alteração desse percentual a critério dos órgãos arrecadadores. No ponto, destaco que de nada adianta o poder público autuar infratores se não tiver agilidade e competência para iniciar e encerrar procedimentos administrativos para punição dos degradadores ambientais. Sempre respeitando o contraditório e a ampla defesa, os órgãos e servidores de instrução e julgamento desses expedientes devem ter estrutura e estar organizados para dar a resposta estatal esperada. Ademais, é fundamental a tomada de providências para a efetiva execução das penalidades decorrentes de infrações administrativas, de tal modo que não pareça que "não dá nada" poluir e degradar.

d) O Decreto nº 11.368/2023 alterou decreto anterior para dispor sobre a governança do Fundo Amazônia. Definiu em seu artigo 2º que o BNDES procederá às captações de doações e emitirá diploma para reconhecer a contribuição dos doadores ao Fundo Amazônia. No site G1 foi publicada no último dia 3 matéria dando conta de que, após "Lula reativar Fundo Amazônia, Noruega diz que R$ 3 bilhões já podem ser investidos. Fundo, abastecido com doações de Noruega e Alemanha, foi suspenso no governo Jair Bolsonaro. A reativação foi um dos primeiros atos de Lula ao assumir a presidência". Isso demonstra os efeitos imediatos da abordagem dessa matéria em favor do direito intergeracional ao bem ambiental qualificado.

e) Já o Decreto nº 11.367/2023 institui a Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento, restabelece o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e dispõe sobre os Planos de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado, na Mata Atlântica, na Caatinga, no Pampa e no Pantanal. Aqui vale a lembrança de que o artigo 225, §4º, da CF estabelece: "A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais". Como se observa, não há uma proteção especial da Constituição para determinados biomas, como o Cerrado, a Caatinga e o Pampa, equívoco que vem em alguma forma mitigado pela inclusão desses ecossistemas no decreto recente.

f)  O Decreto nº 11.369/2023 tem como propósito corrigir distorções em segmento extremamente importante para o Brasil e o mundo, que é a mineração. Dispõe a normativa: "Revoga o Decreto nº 10.966, de 11 de fevereiro de 2022, que institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala e a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala". Estive na Amazônia em imersão em maio de 2022, e na aldeia onde fiquei por algum tempo tínhamos que tomar água mineral, de bombonas, vindas de barco, motos, carros, bicicleta, a um custo elevadíssimo, em especial para as comunidades tradicionais, bastante empobrecidas. E isso não por falta de água, pois grande parte das reservas de água doce do mundo está na região amazônica. Mas porque as águas, em larga escala, estão contaminadas pelo resultado da mineração e da ampla utilização de agrotóxicos, e nesse ponto é digno de nota que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta.

g) Ao lado da medida provisória e dos decretos foram editados dois despachos relevantes para a causa ambiental. O primeiro tem a seguinte redação: "Tendo em vista o esvaziamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente Conama, órgão consultivo e deliberativo, criado em 1981, de relevante papel na proteção do meio ambiente, com a participação da sociedade civil, determino a adoção de providências pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República e Presidente do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República e pela Ministra de Estado de Meio Ambiente e Mudança do Clima para que seja revisto o teor do Decreto nº 11.018, de 30 de março de 2022, para eliminar os retrocessos realizados na estrutura e no funcionamento do Conama, e com vistas a dar cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 623, a servir de fundamento para nova regulamentação do Conama, no prazo de quarenta e cinco dias, a fim de garantir a ampla participação da sociedade na definição das políticas públicas ambientais do país".

h) O segundo despacho é nos seguintes termos: "Tendo em vista a necessidade de recriação do Programa Pró-Catador, que tinha por objetivo apoiar e fomentar a organização produtiva dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, melhorar as condições de trabalho, ampliar as oportunidades de inclusão social e econômica e expandir a coleta seletiva de resíduos sólidos, a reutilização e a reciclagem, determino a adoção de providências pelo ministro de Estado chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República para a elaboração de proposta de ato normativo que disponha sobre a recriação do referido programa e a realização de estudos de revisão do programa Recicla +, no prazo de quarenta e cinco dias".

A relação acima não é exaustiva, tendo sido eleita nesta coluna porque diz respeito aos primeiros atos de governo quando da troca de comando da Presidência e de suas equipes, de tal modo que expressa a prioridade das temáticas abordadas. Nessa nova fase, o Ministério Público continua com atribuição relevante na defesa e proteção dos direitos difusos relacionados à questão ambiental. Essa missão constitucional não diz respeito a este ou àquele governo, sendo pauta permanente da instituição, que é apartidária. Sobre o ponto merece reprodução trecho do discurso de posse da ministra Marina Silva, que colhemos do site UOL:

"Boiadas se passaram no lugar onde deveriam passar apenas políticas de proteção ambiental. O estrago só não foi maior porque as organizações da sociedade, os servidores públicos, vários parlamentares, o Ministério Público e a alta corte do Poder Judiciário se somaram em defesa do meio ambiente"

Na linha das discussões mais intensas e profundas da COP27, reunião dos líderes mundiais e da ONU, realizada em 2022 no Egito, o Brasil deve centrar esforços para cumprir seus compromissos anteriormente firmados com o intuito de colaborar na empreitada mundial de redução da emissão de gases de efeito estufa, para que haja efetivamente uma desaceleração das mudanças climáticas. Na conferência, de que participam 198 países, o Brasil teve papel fundamental, assumindo responsabilidades para o combate do aquecimento global, a preservação ambiental com especial notoriedade para o cuidado com a gestão dos recursos hídricos e tendo-se bem presente o compromisso intergeracional para com a Amazônia.

Efetivamente, o mundo está dando agora a importância merecida à Amazônia, que abrange 59% do território nacional (a chamada Amazônia Legal) e está presente no Brasil, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia e Venezuela. Tamanho é o bioma que representa 41% do território europeu e um terço das florestas tropicais do globo, sendo imprescindível para a manutenção dos serviços ecológicos, sobretudo para garantia do acesso aos seres vivos à água doce em quantidade suficiente e qualidade adequada, da qualidade do solo e de proteção da biodiversidade terrestre. Sigamos unidos, planejando um futuro melhor e tomando medidas concretas para a proteção de nosso direito humano fundamental a uma vida digna e ecológica, para esta e as futuras gerações, na forma da cláusula pétrea disposta no artigo 225 da CF.

Autores

  • é promotor de Justiça no MP-RS, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Civil e mestre em Direito Ambiental. Foi professor de graduação universitária e atualmente ministra aulas em cursos de pós-graduação e extensão. Integra a Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. É autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

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