Opinião

A nova estrutura administrativa do Ministério do Meio Ambiente

Autor

  • Paulo de Bessa Antunes

    é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

4 de janeiro de 2023, 6h16

Este artigo objetiva fazer uma análise preliminar das modificações introduzidas pela administração Lula na estrutura administrativa federal voltada para a proteção do meio ambiente e dos povos e populações tradicionais. É muito provável que surjam modificações nas novas estruturas, em função de acomodações políticas e solução de incompatibilidades e inconsistências entre os instrumentos normativos baixados.

A Medida Provisória 1.154/2023 [MP] fez uma ampla reformulação da administração pública federal, com a instituição de novos ministérios e a transformação do Ministério do Meio Ambiente em Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas (MMA). Também merecem destaque na MP as criações do Ministério da Igualdade Racial (MIR) e o dos Povos Indígenas (MPI). Espera-se que tais inovações tenham impacto em vários assuntos de grande interesse para o país, tais como os direitos humanos, respeito aos direitos indígenas e de comunidades tradicionais, desflorestamento, atividades minerárias, infraestrutura, acesso à diversidade biológica e muitos outros.

O artigo 33 da MP 1.154/2023, ao dispor sobre as competências do Ministério da Igualdade Racial estabeleceu competir ao novo ministério as políticas para quilombolas, povos e comunidades tradicionais, dentre outras. Neste ponto é importante observar que a inclusão dos povos e comunidades tradicionais como sujeitos à proteção do recém-criado ministério, nos permitiria supor que as questões relativas à aplicação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho a tais povos e comunidades tradicionais estariam sob o guarda-chuva do MIR. Contudo, a estrutura organizacional do MIR, aprovada pelo Decreto nº 11. 346/2023, em seu artigo 1º, III atribui competência para o novo ministério para "políticas para quilombolas, povos e comunidades tradicionais". Entretanto, os artigos 22, 23 e 24 não definem claramente, dentre as competências, as políticas para comunidades tradicionais que não estejam vinculadas à matriz africana, como caiçaras, por exemplo. O Decreto nº 11.338 que aprovou a estrutura regimental do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar faz menções genéricas às comunidades tradicionais, prevendo uma Secretaria de Territórios Produtivos Quilombolas e Tradicionais. Aqui há uma omissão que deve ser solucionada.

O MMA, conforme o disposto no artigo 36 na MP 1.154/2023 [1], recuperou a competência sobre diversos temas que na administração passada haviam sido deslocados para outros ministérios. destaque maior, entretanto, é sobre as novas atribuições da pasta. Ressaltem-se as (1) estratégias, mecanismos e instrumentos regulatórios e econômicos para a melhoria da qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais, as (2) políticas para a integração da proteção ambiental com a produção econômica e (3) as políticas para a integração entre a política ambiental e a política energética. Tais competência, ao mesmo em nível formal, dão ao novo MMA um inédito protagonismo, Entretanto, não se pode deixar de registar que ao Ministério das Minas e Energia foi reservada uma atribuição ambiental da maior importância, conforme o disposto no artigo 37, IX e XI da MP 1.154/2023, a saber as (1) políticas nacionais de sustentabilidade e de desenvolvimento econômico, social e ambiental dos recursos elétricos, energéticos e minerais e a (2) avaliação ambiental estratégica, quando couber, em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e os demais órgãos relacionados. A AAE é uma medida de planejamento que, necessariamente, deve estar correlacionada ao Zoneamento econômico-ecológico, não fazendo sentido que fique fora do âmbito do MMA. A AAE terá a participação na elaboração do MMA "quando couber", o que é uma hipótese vaga e indefinida. A conversão da MP em lei, deveria realocar tal competência para o MMA, como parece ser o local evidente para tal AAE.

Em relação à Agência Nacional de Águas (ANA) não há clareza sobre a sua localização na estrutura da administração federal, haja vista que a autarquia está presente no MMA [2] e no Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional [3], havendo também muitas competências em relação à água no Ministério das Cidades [4]. Esta situação merece um pronto esclarecimento.

A determinação presidencial para a reorganização o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), em tal contexto, é muito relevante. Contudo, não se pode perder de vista que há um novo quadro normativo que, se mantido, exige uma nova estruturação do Conama que com ele seja compatível. Refiro-me, em especial, aos artigos 21 e 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) [5] e a Lei de Liberdade Econômica. Esta última, em seu artigo 5º [6] e seu Regulamento (artigo 1º) determina que os órgãos da administração pública que produzam atos normativos de interesse geral de agentes econômicos, inclusive órgãos colegiados, deverão proceder previamente, à edição de novos atos, à chamada análise de impacto regulatório (AIR) [7]. Há hipótese de dispensa da AIR [8], com a exigência da elaboração de nota técnica sobre a matéria, justificando a dispensa. Veja-se que tais determinações são obrigatórias para o MMA e seus órgãos vinculados [9].

Ainda no âmbito do MMA, o Decreto nº 11.373/2023, alterou o Decreto 6.514/2008, em especial no que se refere ao processo sancionatório. O fato é que o Decreto 6.514/2008 é uma colcha de retalhos tendo em vistas as suas inúmeras alterações. Na parte processual da aplicação das sanções, é importante que a nova administração dê passos no sentido de criar uma instância autônoma e independente para o julgamento dos autos de infração. Os sistemas que foram até aqui utilizados são pouco eficientes e, na prática, atrapalham a própria arrecadação dos valores decorrentes de multas. Um novo modelo, entretanto, não se implanta em 24 horas.

A estrutura básica do MMA sofreu uma reformulação interessante, na medida em que incorporou temas atuais. Merece destaque a Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais que conta com um Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais com atribuições para a promoção da proteção, defesa, bem-estar e direitos animais. No tema de bem-estar animal é possível imaginar que o MMA tenha embates com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), pois o artigo 1º, XII do Decreto nº 11.332/2023 [10], institui competência para o Mapa no mesmo tema. Parece ser evidente que o MMA não se limitará a cuidar dos chamados animais de companhia (pets), sendo razoável supor que terá influência na situação dos animais para abate, "práticas esportivas", trabalho e outras.

Naturalmente, as questões relativas às mudanças climáticas ganharam um merecido protagonismo, com estruturas compatíveis.

A reorganização do Fundo Nacional do Meio Ambiente (Decreto nº 11.372/2023) é medida apropriada, pois recoloca a sociedade civil em papel de destaque na sua gestão. A revogação pura e simples do Decreto nº 10.966/2022 foi medida acertada, pois a norma revogada era um incentivo às práticas garimpeiras ilegais. O restabelecimento dos demais fundos ambientais também é medida para se celebrar.

O Ministério dos Povos Indígenas é uma importante novidade que merece aplausos. Conforme o artigo 42 da MP nº 1.154/2023 são da competência do MPI a política indigenista em seu sentido amplo e, especialmente, o (1) reconhecimento, garantia e promoção dos direitos dos povos indígenas; o (2) reconhecimento, demarcação, defesa, usufruto exclusivo e gestão das terras e dos territórios indígenas; o (3) bem-viver dos povos indígenas; a (4) proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato; e os (5) acordos e tratados internacionais, em especial a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), quando relacionados aos povos indígenas. É também, simbolicamente, relevante a nova denominação da Funai que passa a ostentar o noma de Fundação Nacional dos Povos Indígenas [11]. O consentimento prévio livre e informado, certamente, crescerá de importância com o MPI e a Funai revigorada.

As modificações normativas são importantes e, certamente, são bem-vindas e oportunas, ainda que alguns ajustes se façam necessários. O novo MMA surge com uma estrutura mais robusta do que as anteriores, em especial devido à reativação os fundos ambientais que colaborarão com o financiamento das medidas necessárias. Somente a prática administrativa será capaz de definir o grau de relevância do MMA no interior da administração federal, bem como superar as superposições existentes com outros órgãos.

 


[1] Art. 36. Constituem áreas de competência do Ministério do Meio Ambiente
e Mudança do Clima: I – política nacional do meio ambiente; II – política nacional dos recursos hídricos; III – política nacional de segurança hídrica; IV – política nacional sobre mudança do clima; V – política de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, biodiversidade e florestas; VI – gestão de florestas públicas para a produção sustentável; VII – gestão do Cadastro Ambiental Rural – CAR em âmbito federal; VIII – estratégias, mecanismos e instrumentos regulatórios e econômicos para a melhoria da qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais; IX – políticas para a integração da proteção ambiental com a produção econômica; X – políticas para a integração entre a política ambiental e a política energética; XI – políticas de proteção e de recuperação da vegetação nativa; XII – políticas e programas ambientais para a Amazônia e para os demais biomas brasileiros; XIII – zoneamento ecológico-econômico e outros instrumentos de ordenamento territorial, incluído o planejamento espacial marinho, em articulação com outros Ministérios competentes; XIV – qualidade ambiental dos assentamentos humanos, em articulação com o Ministério das Cidades; XV – política nacional de educação ambiental, em articulação com o Ministério da Educação; e XVI – gestão compartilhada dos recursos pesqueiros, em articulação com o Ministério da Pesca e Aquicultura.

[2] MP 1154/2023. Art. 60. A Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, passa a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 3º Fica criada a Agência Nacional de Águas – ANA, autarquia sob regime especial, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, com a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

[3] Art. 2º O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional tem a seguinte estrutura organizacional:V – entidades vinculadas: a) autarquias: 5. Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA

[4] MP 1153/2023. Art. 20. Constituem áreas de competência do Ministério das Cidades: …II – políticas setoriais de habitação, de saneamento ambiental, de mobilidade e trânsito urbano, incluídas as políticas para os pequenos Municípios e a zona rural; III – promoção de ações e programas de urbanização, de habitação e de saneamento básico e ambiental, incluída a zona rural, de transporte urbano, de trânsito e de desenvolvimento urbano; V – planejamento, regulação, normatização e gestão da aplicação de recursos em políticas de desenvolvimento urbano, urbanização, habitação e saneamento básico e ambiental, incluídos a zona rural, a mobilidade e o trânsito urbanos; e VI – participação na formulação das diretrizes gerais para conservação dos sistemas urbanos de água e para adoção de bacias hidrográficas como unidades básicas do planejamento e da gestão do saneamento.

[5] Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos……Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

[6] Lei nº 13.874/2019. Art. 5º — As propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico. Parágrafo único. Regulamento disporá sobre a data de início da exigência de que trata o caput deste artigo e sobre o conteúdo, a metodologia da análise de impacto regulatório, os quesitos mínimos a serem objeto de exame, as hipóteses em que será obrigatória sua realização e as hipóteses em que poderá ser dispensada.

[7] Decreto nº 10.411/2020: Art. 1º Este Decreto regulamenta a análise de impacto regulatório, de que tratam o art. 5º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, e o art. 6º da Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019, e dispõe sobre o seu conteúdo, os quesitos mínimos a serem objeto de exame, as hipóteses em que será obrigatória e as hipóteses em que poderá ser dispensada.

§ 1º. O disposto neste Decreto se aplica aos órgãos e às entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, quando da proposição de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, no âmbito de suas competências. § 2º. O disposto neste Decreto aplica-se às propostas de atos normativos formuladas por colegiados por meio do órgão ou da entidade encarregado de lhe prestar apoio administrativo.

[8] Art. 4º — A AIR poderá ser dispensada, desde que haja decisão fundamentada do órgão ou da entidade competente, nas hipóteses de: I – urgência; II – ato normativo destinado a disciplinar direitos ou obrigações definidos em norma hierarquicamente superior que não permita, técnica ou juridicamente, diferentes alternativas regulatórias; III – ato normativo considerado de baixo impacto; IV – ato normativo que vise à atualização ou à revogação de normas consideradas obsoletas, sem alteração de mérito; V – ato normativo que vise a preservar liquidez, solvência ou higidez: a) dos mercados de seguro, de resseguro, de capitalização e de previdência complementar; b) dos mercados financeiros, de capitais e de câmbio; ou c) dos sistemas de pagamentos; VI – ato normativo que vise a manter a convergência a padrões internacionais; VII – ato normativo que reduza exigências, obrigações, restrições, requerimentos ou especificações com o objetivo de diminuir os custos regulatórios; e VIII – ato normativo que revise normas desatualizadas para adequá-las ao desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente, nos termos do disposto no Decreto nº 10.229, de 5 de fevereiro de 2020. § 1º Nas hipóteses de dispensa de AIR, será elaborada nota técnica ou documento equivalente que fundamente a proposta de edição ou de alteração do ato normativo. § 2º Na hipótese de dispensa de AIR em razão de urgência, a nota técnica ou o documento equivalente de que trata o § 1º deverá, obrigatoriamente, identificar o problema regulatório que se pretende solucionar e os objetivos que se pretende alcançar, de modo a subsidiar a elaboração da ARR, observado o disposto no art. 12. § 3º Ressalvadas informações com restrição de acesso, nos termos do disposto na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, a nota técnica ou o documento equivalente de que tratam o § 1º e o § 2º serão disponibilizados no sítio eletrônico do órgão ou da entidade competente, conforme definido nas normas próprias.

[9] Art. 24. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação e produz efeitos em: I – 15 de abril de 2021, para: a) o Ministério da Economia; b) as agências reguladoras de que trata a Lei nº 13.848, de 2019; e c) o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – Inmetro; e II – 14 de outubro de 2021, para os demais órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

[10] Art. 1º. O Ministério da Agricultura e Pecuária, órgão da administração pública federal direta, tem como áreas de competência os seguintes assuntos:……XII – boas práticas agropecuárias e bem-estar animal.

[11] MP 1153/2023. Art. 58. A Fundação Nacional do Índio (Funai), autarquia federal criada pela Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, passa a ser denominada Fundação Nacional dos Povos Indígenas – Funai.

Autores

  • é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia, professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros.

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