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Já existe oneração pelos lucros extraordinários no setor de petróleo e gás

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

3 de janeiro de 2023, 8h00

De tempos em tempos aparece, como balão de ensaio, a ideia de taxar o lucro extraordinário dos setores A ou B, sendo um dos principais alvos o setor de petróleo e gás.

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Ocorre que este setor já recebe uma oneração extraordinária pelos lucros advindos dessa atividade, sob o nome de participação especial, que não deve ser confundida com participações governamentais, conforme expus em livro sobre o tema.

Sob a denominação de participações governamentais, o artigo 45 da Lei nº 9.478/1997 prevê quatro diferentes espécies de pagamentos que a empresa deverá arcar: a) bônus de assinatura, b) pagamento pela ocupação ou retenção de área c) royalties, e d) participação especial.

O bônus de assinatura corresponde ao pagamento ofertado na proposta para obtenção da concessão, devendo ser pago no ato da assinatura do contrato.

O pagamento por ocupação ou retenção de área, como o próprio nome indica, é um valor cobrado pela necessária reserva daquela área para a exploração do bem indicado. Essa exação tem muito mais uma característica daquilo que se cobra em outros países sob o nome de dead rent, que é uma espécie de exação pela retenção e não exploração da área, o que muitas vezes ocorre com o intuito de criar a falsa escassez do produto. Há quem denomine também de rental fees.

Os royalties têm a característica de ser uma compensação financeira, na forma do artigo 20, §1º, da CF, e têm vinculação com a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos. Trata-se de uma espécie de preço público, e não de tributo.

Já a participação especial é uma espécie de royalty extraordinário, cobrada em duas hipóteses: 1) caso haja grande volume de produção ou 2) grande rentabilidade. Essa cobrança se justifica em razão da álea existente na atividade de pesquisa e exploração, pois os estudos podem indicar que haja um volume X de petróleo ou gás e, surpreendentemente, ser encontrada quantidade superior ou um tipo de produto que seja mais valioso que o esperado, ou, ainda, que seja extraído com menor custo operacional. Em face dessas situações representarem ganhos extraordinários à empresa concessionária, fora do que havia sido previsto na fase licitatória, é que se faz essa cobrança, denominada de participação especial, incidente sobre a mais-valia extrativa caso ocorra uma das situações previstas na lei de regência.

Pela sua própria lógica, só é cobrável nos contratos firmados sob o sistema de concessão, e não naqueles firmados sob o sistema de partilha. Isso porque a mais valia no sistema de partilha já é capturada pelas partes envolvidas, que a rateiam entre si, não havendo justificativa para sua cobrança. Nos contratos de concessão, a figura da participação especial é amplamente justificada. Ademais, há disposição legal expressa que impede sua cobrança nos contratos de partilha (Lei nº 12.351/2010, artigo 44).

O estabelecimento desse tipo de royalty (artigo 50 da Lei nº 9.478/1997) transferiu a um decreto regulamentador todos os parâmetros da sua cobrança, ocorrendo verdadeira delegação de competência normativa visando o exercício da capacidade normativa de conjuntura. A cobrança da participação especial é inserida nos contratos de concessão por força de lei. Assim, sua cobrança é transformada de uma obrigação ex lege para uma obrigação contratual A norma legal cria a obrigação contratual, delimitando-a e a impondo à gestão desse recurso natural esgotável.

Sua base de cálculo parte da receita bruta da produção trimestral de cada campo, podendo ser deduzidos: 1) os royalties pagos; 2) os investimentos na exploração; 3) os custos operacionais; 4) a depreciação e 5) os tributos previstos na legislação em vigor.

Todas essas deduções levam à busca do conceito de lucro, caracterizando a participação especial como uma espécie de royalty incidente sobre o lucro da exploração. É adotado o sistema ad valorem, com alíquota progressiva por volume de produção, a partir de certa quantidade ou rentabilidade comercial, consoante diversas variáveis estabelecidas por decreto e individualizadas por contrato.

Logo, já existe oneração extraordinária no setor de petróleo e gás, embora não seja através de mecanismos tributários, mas financeiros, fruto das próprias características do setor.

Utilizar a sistemática tributária para criar instrumentos de tributação extraordinária da renda de um setor específico (bancos, petróleo, minérios etc.), e não para outros, trará o risco palpável de quebra da isonomia, o que poderá acabar em judicialização, ainda mais quando esta já existe sob outro formato.

Autores

  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

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