Processo Tributário

Mutualidade de concessões na transação: empatia como diretriz pragmática

Autor

  • Paulo Cesar Conrado

    é juiz federal em São Paulo professor do Curso de Especialização do Ibet professor e coordenador do curso e do grupo de estudos do "Processo tributário analítico" do Ibet e professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP.

19 de fevereiro de 2023, 8h00

Se o que o define a transação, nos termos do artigo 171 do CTN é a perspectiva por ela instrumentalizada de resolver conflitos por meio de outorgas recíprocas, é natural supor que, em sua essência pragmática, o emprego dessa ferramenta exija a articulação, lado a lado, de tantas concessões quantas forem capazes de mobilizar o desejo dos litigantes de migrar para o campo da convergência [1].

Nada demais até aí, não fosse o fato de a transação instalada por obra da Lei Federal nº 13.988/2020 demandar, em grande medida, a iniciativa, via edital, do Fisco — o que se passa, de forma absoluta, no caso da transação de tese.

Tomando essa espécie de protagonismo fazendário como referencial (um protagonismo relativo, é bem verdade, uma vez que a vontade dela, Fazenda, não é condição suficiente para formalização da transação, conquanto se apresente como condição necessária), seríamos quase que invariavelmente catapultados na direção da ideia de "eficiência", um princípio que rege a atuação administrativa  inclusive no campo tributário  e que representa uma base confortável para explicar se e quando a Fazenda tomaria a inciativa de lançar os editais que reputa interessantes, assim como para explicar as condições e concessões nos tais editais contempladas.

Lembremos de um detalhe, porém: "eficiência" é princípio genérico, governando toda a atuação administrativa, aspecto que o faz, como princípio, líquido, quando menos para explicar, pragmaticamente, o que está (ou deveria estar) por trás da ideia de transação.

Para alavancar a transação em termos concretos, a Fazenda naturalmente deverá concluir que lhe interessa ceder em certos aspectos, liberando-se da insegurança que a presença de um conflito no Judiciário provoca, mormente no que se refere à ideia de arrecadação  fim último da atividade administrativo-tributária.

Mas isso basta? É assim, a partir dessas premissas, que se pavimentará, em nível prático, uma transação que se pretenda bem sucedida? Podemos e devemos reconhecer que não.

Sendo a transação instrumento que demanda convergência de posições, as concessões a ela inerentes e que seriam a priori definidas pela Fazenda  sobretudo nos casos de edital, como se passa, assim já dissemos, nas transações de tese  devem estar minimamente ajustadas aos interesses do contribuinte litigante, operação que exige o atravessamento de uma ideia um pouco mais sofisticada do que "eficiência"  a de "empatia".

Pode parecer estranho suscitar esse termo no contexto do direito, campo de especulação tradicionalmente atrelado a visões beligerantes, unilateralistas, quase maniqueístas, enfim. Coloquemos essas estranhezas na gaveta, no entanto, não por romantismo ou pretensão contracultural, mas simplesmente porque não é possível falar, na prática, em transação concretamente exitosa se as concessões que lhe subjazem, quando desenhadas por um dos atores, não o for de forma empática.

Não é de "autoajuda", vale frisar, que estamos falando, senão de pragmatismo em sua dimensão mais sólida  se é que é possível pensar num pragmatismo que assim não seja.

Meditemos, com efeito: se a Fazenda delibera por lançar um edital de transação  de cobrança ou de tese, não importa  é porque, antes de assim fazer, estudos preparatórios indicam esse como o "caminho de ouro". Não é possível dizer, no entanto, que o lançamento do edital, assim como os estudos que o precederam, integralizariam a ideia de "eficiência" administrativa em nível real: o edital, como norma geral, só repercute pragmaticamente quando se cambia em instrumento individual, resultado cuja consecução exige a adesão do contribuinte.

Pois é aí que está o nó da questão: não dá para usar a noção de "eficiência"  princípio genérico, assim já falamos  para concluir que o melhor dos resultados foi obtido pela Administração na gestão de seu acervo litigioso se, proposta a transação, as concessões projetadas em favor do contribuinte não despertarem em seu espírito o mesmo desejo, donde ressurge a pergunta: o que fazer para chegar no ponto almejado, a concretização prática da transação?

Não seria correto responder sobredita questão sem considerar que a decisão combinada de dois atores em dissenso é algo bem complexo, desafiando um certo nível de cautela  agiríamos de forma irresponsável se conduzíssemos nosso leitor para uma via simplória, desconsiderando essa complexidade a que nos referimos.

A par disso, de uma coisa não podemos nos despojar: quem opera nesse campo tão delicado só será bem sucedido  e assim ocorrerá com o Fisco, mormente quando estiver elaborando os editais relativos a transações julgadas convenientes e oportunas , se, para além de seus valores, pensar nos que pautam sua contraparte, o sentido mais requintado de "empatia".

Longe da reducionista e singela ideia de "colocar-se no lugar do outro", pensamos numa "empatia" que suponha o reconhecimento, pela Fazenda, dos anseios do contribuinte, não como se delas (Fazenda) fossem, mas para que possam ser sopesados e considerados no processo de definição das vantagens preconizadas em edital  uma medida que tem um forte apelo prático, passando, por exemplo, pela apuração do nível de desconto que as situações concretas demandam, o tratamento fiscal a ser dado a esses descontos, etc.

Mais rebuscada, essa "empatia" de que falamos, princípio regente, em nosso ver, da transação, pode ser traduzida pelo dever imposto à Administração de pensar e entender os valores que são caros ao contribuinte, sem abrir mão evidentemente daqueles a que está submissa, operação que seguramente a conduzirá na direção de outro princípio, o que foi antes mencionado, da "eficiência", um princípio de tom mais genérico como reiteradamente assentamos e que, justamente por isso, precisa de ferramental "vivo" para aflorar.

Nada disso é fácil, reconhecemos: "empatia" e derivada "eficiência" resultam de um cálculo que é, de fato, complexo, mas que ainda assim está longe de ser impossível, notadamente se a Administração estiver com olhos e ouvidos bem abertos, pronta para ver e ouvir o que se passa no seu entorno, compreendendo as demandas, sobretudo as econômicas, que dizem respeito aos contribuintes.

Autores

  • é juiz federal em São Paulo, professor do curso de especialização do Ibet, professor e coordenador do curso e do grupo de estudos do "Processo tributário analítico" do Ibet e professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!