Reflexões Trabalhistas

Pesquisa de antecedentes criminais e de natureza creditícia para contratação

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3 de fevereiro de 2023, 8h00

A questão a respeito da exigência de apresentação de certidão negativa de antecedentes criminais e de natureza creditícia pelo empregado, no momento de sua contratação, não é nova e já rendeu muita discussão doutrinária e jurisprudencial.

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Em princípio, a vida particular do trabalhador não pode ser averiguada, devendo o empregador limitar-se a obter informações relativas à sua capacidade profissional imprescindíveis e necessárias para a execução de suas funções.

Porém, não há previsão legal do que pode ou não ser exigido ou pesquisado em relação ao futuro empregado.

Nossa Carta Constitucional garante a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (artigo 5º e inciso X).

No mesmo sentido, a Lei nº 9.029/95 proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa no momento da contratação do empregado ou durante a manutenção do contrato de trabalho, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, dentre outros motivos, como a religião, opinião política, orientação sexual etc.

Apesar disso, para algumas categorias específicas, a comprovação negativa de antecedentes criminais é permitida por lei, em razão do tipo de profissão que será exercida, como é o caso dos vigilantes, regulados pela Lei nº 7.102/83 [1].

Ademais, em 2017, os ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST definiram as teses jurídicas para o Tema Repetitivo nº 0001, adotando o seguinte entendimento [2]:

"INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO. TEMA Nº 0001. DANO MORAL. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. CANDIDATO A EMPREGO

1. Não é legítima, e caracteriza lesão moral, a exigência de certidão de antecedentes criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido.

2. A exigência de certidão de candidatos a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos e pessoas com deficiência, em creches, asilos ou instituições afins, motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas e entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas.

3. A exigência da certidão de antecedentes criminais, quando ausentes alguma das justificativas de que trata o item 2, caracteriza dano moral in re ipsa [presumido], passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido." (PROCESSO Nº TST-IRR-243000-58.2013.5.13.0023 C/J PROC. Nº TST-RR-184400-89.2013.5.13.0008)

Dessa forma, podemos concluir que, excepcionalmente e dependendo do cargo que será exercido pelo trabalhador, a exigência de certidão negativa de antecedentes criminais é possível.

Porém, inexistindo justificativas para tal exigência e mesmo que o empregado seja contratado pela empresa após a sua apresentação, o empregador poderá ser condenado ao pagamento de indenização por ato discriminatório e dano moral:

"RECURSO DE REVISTA. PROCESSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA DO INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS – TEMA N° 1. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS DE CANDIDATOS A EMPREGO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. 1. Esta Subseção Especializada, ao julgar o Incidente de Recursos Repetitivos – Tema n° 1, nos autos do presente processo, fixou as teses de que “1ª) não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido; 2ª) a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas; e 3ª) a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas supra, caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido”. 2. Como se observa, nos termos do precedente em liça, não é legítima a exigência de certidão de antecedentes criminais de candidato a emprego quando não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, sendo legítima a mencionada exigência quando justificar-se em face do ofício ou do grau de fidúcia, a exemplo das profissões/atividades citadas, de modo que a exigência de certidão de antecedentes criminais, quando ausente alguma das justificativas supramencionadas, configura dano moral passível de indenização. 3. In casu, o Tribunal a quo concluiu que a exigência de certidão de antecedentes criminais não servia de alicerce ao deferimento de indenização por dano moral. 4. Entretanto, na hipótese dos autos, não há como se concluir pela legitimidade da exigência de atestado de antecedentes criminais, nos moldes da decisão proferida nos autos do Incidente de Recursos Repetitivos suso mencionado, tendo em vista que não se divisa, na espécie, que a reivindicação de certidão se justificaria em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo dos ofícios elencados na decisão proferida no referido IRR, razão pela qual o reclamante faz jus à indenização por dano moral postulada. Recurso de revista conhecido e provido." (PROCESSO Nº TST-RR-243000-58.2013.5.13.0023)

Com relação à pesquisa prévia de informações creditícias dos candidatos a emprego, em órgãos como SPC e Serasa, o entendimento majoritário na atualidade, é de que tais análises são consideradas discriminatórias porque, apesar de públicas, não têm relação com as habilidades do profissional.

Sobre o tema, a 2ª Turma do TST condenou a Nestlé Brasil Ltda. ao pagamento de dano moral coletivo, no importe de R$ 100 mil a ser revertido ao FAT, em decisão do ministro relator José Roberto Freire Pimenta, em novembro de 2020:

"RECURSO DE REVISTA REGIDO PELO CPC/1973 E INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. PROCESSO SELETIVO. PESQUISA PRÉVIA DE INFORMAÇÕES CREDITÍCIAS DOS CANDIDATOS AO EMPREGO. SPC. SERASA. DANO MORAL COLETIVO. A Corte regional, referindo-se à 'realização de consulta prévia aos cadastros do SPC e SERASA', entendeu que, 'não obstante tal fato seja considerado para a contratação dos candidatos, não se colocava como fator de eliminação sumária'. Entretanto, reconheceu que 'a empresa contratante não se obriga a ser surpreendida por eventuais ilícitos praticados por seus candidatos'. Concluiu o Tribunal a quo que 'não há justificativa razoável para condenar a reclamada pela consulta aos cadastros de órgãos oficiais criados justamente para este fim', conduta que 'não caracteriza prática discriminatória, mas mero direito do empregador na busca de antecedentes de seus pretensos colaboradores'. Verifica-se, portanto, a existência de conduta discriminatória por parte da reclamada, pois a situação creditícia do candidato não possui nenhuma relação com as suas qualidades ou habilidade laborais. Importante registrar que é justamente no momento da procura de colocação no mercado de trabalho que o candidato, por muitas vezes, encontra-se em situação econômica fragilizada, sem meios de subsistência e de cumprir algumas obrigações financeiras anteriormente assumidas. Por outro lado, a Corte regional, ao apontar que 'se não há reprimenda à própria existência dos serviços de proteção ao crédito, descabida a assertiva da não legalidade de seu uso', baseou-se em uma premissa equivocada. Os citados serviços têm por finalidade a proteção dos comerciantes, instituições financeiras e creditícias, entre outros, para o fornecimento de crédito para pessoas com histórico de não honrar com suas obrigações, independentemente do motivo que as levou a tanto, não se destinando à consulta prévia de candidato ao emprego — conduta claramente discriminatória e reprovável. Para a configuração do dano moral coletivo, basta, como no caso dos autos, a violação intolerável de direitos coletivos e difusos, ação ou omissão reprováveis pelo sistema de justiça social do ordenamento jurídico, conduta antijurídica capaz de lesar a esfera de interesses da coletividade, cuja essência é tipicamente extrapatrimonial. O caráter coletivo decorre da repercussão no meio social, pela adoção reiterada de um padrão de conduta por parte do infrator, com inegável extensão lesiva à coletividade, de forma a violar o sistema jurídico de garantias fundamentais. É por isso que o dano moral coletivo, em face de suas características próprias de dano genérico, enseja muito mais uma condenação preventiva e inibitória do que propriamente uma tutela ressarcitória. Cabe trazer a lume a lição de Xisto Tiago de Medeiros Neto sobre a preponderância da função sancionatória da indenização por dano moral coletivo, alertando que esta se afasta da função típica que prevalece no âmbito dos direitos individuais, onde se confere maior relevância à finalidade compensatória da indenização em favor das vítimas identificadas, e, apenas em segundo plano, visualiza-se a função suasória. Ainda, diante da incontrovérsia dos fatos relativos à conduta ilícita da reclamada, o dano moral daí decorrente é considerado in re ipsa, já que decorre da própria natureza das coisas, prescindindo, assim, de prova da sua ocorrência concreta, em virtude de ele consistir em ofensa a valores humanos, bastando a demonstração do ato ilícito ou antijurídico em função do qual a parte afirma ter ocorrido a ofensa ao patrimônio moral. Aplica-se à hipótese sub judice a tese firmada no IRR-243000-58.2013.5.13.0023, item III, in verbis: 'A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas de que trata o item II, supra, caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido'. Desse modo, a consulta prévia dos candidatos aos cadastros do SPC e SERASA acarretou dano moral coletivo in re ipsa, o que é suficiente para a responsabilização da ré, sendo desnecessária para sua condenação, prova de prejuízo sofrido pela coletividade de trabalhadores (inocorrência da contratação de candidatos submetidos à consulta). A prática dos citados atos antijurídicos e discriminatórios configurou ofensa ao patrimônio moral coletivo, sendo, portanto, passível de reparação por meio da indenização respectiva. Recurso de revista conhecido e provido." (TST-RR-1170-75.2010.5.02.0066) [3]

Deste modo, verificamos que a prática injustificável de averiguação da vida particular do trabalhador, seja na fase pré-contratual, seja durante a existência do contrato de trabalho, pode caracterizar a violação da intimidade, imagem e honra do indivíduo por ser abusiva e consequentemente, reprovável.

 


[1] Art. 16, inc. VI da Lei n. 7.102/83 estabelece: “Art. 16 – Para o exercício da profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos: (…) VI – não ter antecedentes criminais registrados”.

[3] No mesmo sentido, vale verificar a decisão dos ministros da 6ª Turma do TST que, por unanimidade, reconheceu a existência de dano moral coletivo pela investigação de crédito de seus empregados e candidatos a emprego e condenou a IBM BRASIL – INDÚSTRIA DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS LTDA. ao pagamento de R$ 25 mil a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), no Processo nº TST-ARR-260-51.2014.5.02.0052.

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