Opinião

A lavagem de dinheiro em ambientes digitais: análise técnica

Autor

  • Clayton Iurkiv

    é graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná membro do Grupo de Estudos em Direito Concorrencial da Universidade Federal do Paraná e colaborador jurídico no setor de Compliance da MadeiraMadeira Comércio Eletrônico S/A.

28 de dezembro de 2023, 17h17

Nos últimos anos, o cenário financeiro global testemunhou uma profunda transformação digital, revolucionando a maneira como as transações financeiras são conduzidas. A ampla adoção de sistemas de pagamento digital, o surgimento de moedas virtuais e a crescente prevalência de plataformas online inauguraram uma nova era de conveniência e eficiência nos serviços financeiros. No entanto, essa revolução digital também apresentou desafios únicos, especialmente no âmbito dos crimes financeiros. Um dos desafios mais significativos é a adaptação das técnicas de lavagem de dinheiro para explorar as vulnerabilidades da era digital.

A transformação digital revolucionou a maneira como as transações financeiras são conduzidas, proporcionando conveniência, velocidade e conectividade global. A ampla adoção de serviços bancários online, aplicativos de pagamento móvel e plataformas de comércio eletrônico aumentou o volume e a complexidade das transações financeiras digitais. No entanto, essa digitalização também criou oportunidades para a lavagem de dinheiro [1].

Os criminosos exploram o anonimato, a rapidez e a natureza transfronteiriça das transações digitais para lavar fundos ilícitos. Eles se valem de diversas técnicas e tecnologias para obscurecer a origem, propriedade e destino dos fundos, tornando a detecção e rastreamento mais desafiadores para agências de aplicação da lei e instituições financeiras [2].

A digitalização das transações financeiras oferece tanto vantagens quanto desvantagens no contexto do combate à lavagem de dinheiro. Dentre as vantagens, podem ser citadas: rastros de dados — transações digitais deixam rastros eletrônicos, criando oportunidades para investigadores rastrearem e analisarem fluxos financeiros, desde que tenham acesso a informações relevantes; soluções tecnológicas — tecnologias avançadas, como inteligência artificial e machine learning, que podem ser utilizadas para detectar padrões, anomalias e atividades suspeitas associadas à lavagem de dinheiro; e estruturas regulatórias — órgãos reguladores estão se adaptando aos desafios da lavagem de dinheiro digital implementando medidas de conformidade mais rigorosas, regulamentações contra a lavagem de dinheiro e técnicas de KYC (know your client).

Já em relação às desvantagens, podem ser citados: anonimato — transações digitais podem ser realizadas com pseudônimos ou por meio de plataformas que oferecem certo nível de anonimato, tornando difícil rastrear a origem dos fundos; abrangência global — transações digitais possibilitam a lavagem de dinheiro em fronteiras, explorando diferenças jurisdicionais e a complexidade dos sistemas financeiros internacionais; e velocidade e eficiência — transações digitais ocorrem em tempo real, permitindo que lavadores de dinheiro movimentem fundos rapidamente e explorem oportunidades sensíveis ao tempo.

Técnicas de lavagem de dinheiro na era digital
A lavagem de dinheiro, o processo de ocultar as origens de fundos obtidos ilicitamente para torná-los aparentemente legítimos há muito tempo é uma preocupação global. O advento da era digital trouxe consigo um novo conjunto de desafios e oportunidades para criminosos envolvidos em lavagem de dinheiro. Com o rápido avanço da tecnologia e a ampla digitalização das transações financeiras, criminosos encontraram maneiras inovadoras de explorar o mundo digital para facilitar suas atividades ilegais.

Como primeiro exemplo, podemos citar as moedas virtuais e criptomoedas, que ganharam popularidade nos últimos anos e se tornaram a escolha preferida de lavadores de dinheiro devido à sua natureza pseudônima e acessibilidade global. Criminosos exploram essas moedas digitais de diversas maneiras para lavar fundos ilícitos.

Em um sistema mais restrito, há também os mercados na deepweb, que são plataformas online ocultas, acessíveis por meio de software especializado como Tor, possibilitando transações anônimas usando criptomoedas. Esses mercados facilitam a venda de bens e serviços ilegais, proporcionando aos lavadores de dinheiro uma maneira de converter fundos ilícitos em criptomoedas e vice-versa [3].

Sistemas de Pagamento Online
Os sistemas de pagamento online tornaram-se uma parte integral da economia digital, permitindo que indivíduos e empresas enviem e recebam fundos eletronicamente. No entanto, criminosos exploram essas plataformas para fins de lavagem de dinheiro.

Diversas são as técnicas utilizadas pelos criminosos para lavarem dinheiro. Dentre elas, atualmente, existem cinco principais: cartões pré-pagos e carteiras digitais; plataformas de pagamento entre pares; roubo de identidade digital e identidades sintéticas; lavagem de dinheiro baseada em comércio; plataformas de e-commerce e lavagem de dinheiro.

Em relação ao tema, os cartões pré-pagos e carteiras digitais oferecem uma maneira fácil e conveniente de transferir e armazenar fundos digitalmente. Criminosos podem explorar essas plataformas carregando fundos ilícitos em cartões pré-pagos ou carteiras digitais, utilizando-os para transações e, posteriormente, transferindo os fundos para diferentes contas ou convertendo-os em outras formas de ativos [4].

As plataformas de pagamento entre pares permitem que indivíduos enviem e recebam fundos diretamente, sem a necessidade de intermediários. Lavadores de dinheiro podem explorar essas plataformas realizando transações entre pares, tornando difícil rastrear o movimento dos fundos e identificar os beneficiários finais [5].

Também conhecido como “engenharia social”, o roubo de identidade digital envolve a apropriação de informações pessoais para criar identidades fraudulentas. Lavadores de dinheiro podem usar essas identidades sintéticas para abrir contas bancárias, estabelecer empresas de fachada e realizar transações, tornando desafiador rastrear os fundos ilícitos até os perpetradores [6].

Já a lavagem de dinheiro baseada em comércio envolve a manipulação de transações comerciais para movimentar fundos entre fronteiras enquanto disfarça a origem ilícita dos recursos. Na era digital, criminosos exploram plataformas de comércio eletrônico e mercados online para inflar ou desvalorizar o preço de bens ou serviços, facilitando atividades de lavagem de dinheiro [7].

Por fim, as plataformas de e-commerce oferecem um vasto mercado para compra e venda de bens e serviços. Criminosos podem explorar essas plataformas criando negócios fictícios, realizando transações fraudulentas e utilizando a infraestrutura de e-commerce para legitimar seus fundos ilícitos [8].

Desafios no combate à lavagem de dinheiro digital
À medida que a tecnologia continua a avançar, a era digital trouxe mudanças significativas na maneira como as transações financeiras são conduzidas. Embora essa transformação tenha proporcionado inúmeros benefícios, também abriu novas oportunidades para criminosos explorarem o sistema financeiro para fins ilícitos, incluindo a lavagem de dinheiro. A lavagem de dinheiro é o processo de ocultar as origens de fundos obtidos ilegalmente para fazê-los parecer legítimos. E com a ascensão das transações digitais, os lavadores de dinheiro tornaram-se cada vez mais hábeis em explorar as vulnerabilidades do mundo digital.

A lavagem de dinheiro na era digital frequentemente envolve transações transfronteiriças, aproveitando a natureza global dos sistemas financeiros digitais. Diferenças e limitações jurisdicionais dificultam a cooperação e coordenação eficazes entre agências de aplicação da lei e órgãos reguladores [9].

Ademais, o uso de criptografia e tecnologias que promovem a privacidade torna desafiador para investigadores rastrearem e identificarem as partes envolvidas em transações de lavagem de dinheiro digital [10]. A natureza anônima de moedas digitais e plataformas de comunicação dificulta os esforços para coletar evidências e descobrir as identidades dos lavadores de dinheiro.

Os lavadores de dinheiro continuamente adaptam suas técnicas e exploram tecnologias emergentes para se manterem à frente dos esforços de detecção. Eles aproveitam avanços como bolsas descentralizadas, ferramentas de anonimização e criptomoedas alternativas para obscurecer as origens ilícitas dos fundos.

Nesse sentido, em termos globais, a falta de estruturas regulatórias padronizadas e harmonizadas entre jurisdições apresenta desafios no combate à lavagem de dinheiro digital. Regulações e requisitos de conformidade inconsistentes facilitam para os criminosos explorarem lacunas e discrepâncias regulatórias [11]. Ainda, pode ocorrer a presença de ameaças internas dentro de instituições financeiras e entidades regulamentadas podem facilitar atividades de lavagem de dinheiro. A necessidade de controles internos robustos, programas de conformidade e treinamento de funcionários torna-se crucial na detecção e prevenção da lavagem de dinheiro digital [12].

Estruturas regulatórias e legais
Estruturas regulatórias e legais eficazes são cruciais no combate à lavagem de dinheiro digital. Governos e organizações internacionais implementaram diversas medidas para enfrentar os desafios apresentados pela lavagem de dinheiro na era digital. Os seguintes são aspectos-chave das estruturas regulatórias e legais:

Nada obstante, algumas ações foram tomadas para a mitigação do risco de lavagem de dinheiro em mercados digitais em todo o mundo. Órgãos reguladores implementaram iniciativas e medidas de conformidade para mitigar os riscos da lavagem de dinheiro digital. Isso inclui requisitos de KYC e due diligence do cliente, obrigações de relato de transações suspeitas e abordagens baseadas em risco para regulamentações contra a lavagem de dinheiro [13].

Além disso, regulamentações e obrigações antilavagem de dinheiro estabelecem requisitos para que instituições financeiras e empresas não financeiras designadas detectem, previnam e relatem transações suspeitas. Essas regulamentações impõem obrigações como avaliações de risco, monitoramento de transações e relato de atividades suspeitas às autoridades regulatórias.

No mesmo sentido, foram criadas regulamentações de privacidade e segurança de dados são essenciais para proteger informações sensíveis de empresas e seus clientes. Legislações como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), nº 13.709/18, visam a garantir o processamento legal e seguro de dados pessoais [14], mantendo a integridade dos esforços antilavagem de dinheiro.

Boas práticas de mercado e recomendações
Para combater efetivamente a lavagem de dinheiro digital, as partes interessadas da indústria, incluindo instituições financeiras, órgãos reguladores e agências de aplicação da lei, devem adotar as melhores práticas de mercado e implementar medidas robustas. Como as principais medidas, podem ser citadas: implementação e fortalecimento das estruturas regulatórias; e aprimoramento de procedimentos como KYC.

Em um primeiro momento, é importante fortalecer estruturas regulatórias, atualizando continuamente e fortalecendo regulamentações contra a lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (PLD/FT) para lidar com riscos emergentes na era digital [8]. Após, governos e órgãos reguladores devem estabelecer regulamentações claras e abrangentes contra a lavagem de dinheiro aplicáveis tanto aos serviços financeiros tradicionais quanto aos digitais. Essas regulamentações devem abranger moedas virtuais, sistemas de pagamento online e outras tecnologias emergentes usadas em transações financeiras.

Por fim, é importante aprimorar procedimentos de due diligence (KYC), onde, tanto instituições financeiras, quanto outras empresas privadas que atuem com meio de pagamentos digitais, devem realizar uma análise completa do cliente para avaliar o risco de lavagem de dinheiro. Isso inclui a adoção de ferramentas de verificação de identidade digital e a implementação de monitoramento contínuo de transações do cliente [15].

Novas tendências de mercado
Com o avanço da tecnologia, tornou-se crucial implementar ferramentas avançadas de análise para detecção de padrões, anomalias e atividades suspeitas em grandes volumes de dados. No mesmo sentido, é importante explorar o potencial de dados criptografados para aprimorar a transparência, rastreabilidade e integridade de transações financeiras [16], como a verificação de identidade digital, implementando ferramentas seguras e eficientes de verificação para aprimorar a análise do cliente e prevenir fraudes como engenharia social [17].

Conclusão
As técnicas de lavagem de dinheiro evoluíram na era digital, apresentando novos desafios para governos, instituições financeiras e agências de aplicação da lei. A transformação digital das transações financeiras proporcionou aos lavadores de dinheiro oportunidades para explorar o anonimato, a velocidade e a natureza transfronteiriça das transações digitais.

Os desafios para combater a lavagem de dinheiro digital são substanciais. Transações transfronteiriças e questões de jurisdição complicam a cooperação internacional e o compartilhamento de informações. O uso de tecnologias de criptografia e anonimização dificulta a rastreabilidade das transações. Os criminosos continuam a se adaptar às tecnologias emergentes e exploram lacunas regulatórias. Além disso, ameaças internas e a conformidade com estruturas regulatórias adicionam desafios adicionais.

Para combater efetivamente a lavagem de dinheiro digital, os interessados devem implementar soluções tecnológicas e inovações. A inteligência artificial e machine learning podem aprimorar as capacidades de detecção, enquanto a tecnologia blockchain pode fornecer transparência e rastreabilidade. A análise de big data e soluções robustas de KYC contribuem para identificar padrões suspeitos e verificar identidades.

As estruturas regulatórias e legais desempenham um papel crucial no combate à lavagem de dinheiro digital. A cooperação internacional e o compartilhamento de informações são essenciais para investigações e aplicação eficazes. Implementar uma supervisão regulatória forte, fortalecer parcerias público-privadas e investir em tecnologias avançadas são passos cruciais para mitigar os riscos associados à lavagem de dinheiro digital.

Práticas e recomendações da indústria fortalecem ainda mais os esforços de prevenção e detecção. Reforçar as estruturas regulatórias, promover a cooperação entre instituições financeiras e aplicadores da lei, investir em soluções tecnológicas avançadas e oferecer treinamento e educação contínuos são estratégias-chave para combater a lavagem de dinheiro digital.

Referências

Leinwand, D., & DiBattiste, M. (2020). AML in the Digital Age. In S. K. Dhar (Ed.), Anti-Money Laundering in the Digital Age: Emerging Trends and Technologies (pp. 3-17). Springer.

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Martin, J. (2019). Money Laundering in Digital Currencies. In J. Martin (Ed.), Handbook of Digital Currency: Bitcoin, Innovation, Financial Instruments, and Big Data (pp. 377-388). Academic Press.

Unger, B. (2016). Prepaid Cards and Money Laundering. In B. Unger (Ed.), Handbook of Money Laundering (pp. 211-227). Edward Elgar Publishing.

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Brantly, A. F. (2019). Money Laundering and Digital Identity Theft. In A. F. Brantly (Ed.), Identity Theft Handbook: Detection, Prevention, and Security (pp. 345-361). CRC Press.

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Financial Action Task Force (FATF). (2019). Money Laundering and the Illegal Wildlife Trade. FATF.

Interpol. (2019). Digital Currency & Money Laundering: Challenges and Opportunities. Interpol Global Programme on Money Laundering.

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Wolosky, L. A., & Jacob, D. (2020). The Global Effort to Combat Money Laundering. The Review of Securities & Commodities Regulation, 53(5), 4-19.

United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). (2019). Understanding and Addressing Internal Fraud: A Practical Guide. UNODC.

International Monetary Fund (IMF). (2020). Anti-Money Laundering and Combating the Financing of Terrorism: A Comprehensive Policy Framework. IMF.

European Union. (2016). General Data Protection Regulation (GDPR). Official Journal of the European Union.

Wolfsberg Anti-Money Laundering Principles for Private Banking (2012).

Saikiran Subbagari, “Leveraging Optical Character Recognition Technology for Enhanced Anti-Money Laundering (AML) Compliance,” SSRG International Journal of Computer Science and Engineering, vol. 10, no. 5, pp. 1-7, 2023. Crossref, https://doi.org/10.14445/23488387/IJCSE-V10I5P102

Wolosky, L. A., & Jacob, D. (2020). The Global Effort to Combat Money Laundering. The Review of Securities & Commodities Regulation, 53(5), 4-19.

Autores

  • é graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná, membro do Grupo de Estudos em Direito Concorrencial da Universidade Federal do Paraná e colaborador jurídico no setor de Compliance da MadeiraMadeira Comércio Eletrônico S/A.

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