Opinião

(Im)penhorabilidade de imóvel alienado fiduciariamente em execução de débito condominial

Autor

  • Otávio Augusto Barroso Miotto

    é especialista em Direito Empresarial Aplicado pela Faculdade da Indústria formado em Direito pelo Centro Universitário Curitiba e graduando em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras.

27 de dezembro de 2023, 7h11

A Lei 9.514 de 1997, que regulamenta a alienação fiduciária de bens imóveis, transformou as modalidades de garantia de compra e venda de imóveis no país. Diante da segurança jurídica propiciada pelo instituto no que tange ao célere procedimento executório, promovido extrajudicialmente pelos registros de imóveis, os efeitos dessa modalidade de garantia foram extremamente mais vantajosos do que a utilização da hipoteca para os financiamentos imobiliários.

Tais informações são resultados da funcionalidade da alienação fiduciária pelos credores e bancos financiadores, como forma de garantia aos contratos de compra e venda, propiciando uma redução de risco às detentoras do crédito e, no caso das instituições financeiras, uma possibilidade de redução dos juros da contratação.

Todavia, a possibilidade de penhora sobre bem alienado fiduciariamente por despesas condominiais tem sido objeto de muitas discussões no âmbito jurídico do país.

Em decisão proferida recentemente pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp 2.036.289/RS), entendeu a ministra relatora Nancy Andrighi, em seu voto, “que o imóvel alienado fiduciariamente, não pode ser penhorado em execução de despesas condominiais de responsabilidade do devedor fiduciante”.

Na decisão, a ministra asseverou que a classificação de uma “obrigação como propter rem dependerá de como estará regulamentada pelo ordenamento jurídico e, no que se refere aos débitos condominiais, o caráter da ambulatoriedade é retirado do artigo 1.345 do CC”.

Segue sua fundamentação no sentido de que, “em razão da lei, os débitos em relação ao condomínio são de responsabilidade do titular do direito real, tão somente por estar nessa posição jurídica, assim, qualquer pessoa que o suceda assumirá essa obrigação”.

Destacou, ainda, que nesse caso específico, “ficou consignado que as despesas condominiais compreendidas como obrigações propter rem são de responsabilidade daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária, ou ainda pelo título de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo ou a fruição, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio”.

Ora, no entendimento da 3ª Turma do STJ, a responsabilidade do devedor fiduciante pelo pagamento das despesas condominiais, enquanto ele estiver na posse direto do imóvel, passou a definir acerca da possibilidade da penhora do imóvel em eventual ação de execução das despesas.

Nesse ponto, a ministra Nancy Andrighi estabeleceu em sua decisão “que o imóvel não pode ser penhorado, restando ao condomínio penhorar os bens e direitos integrantes do patrimônio do devedor fiduciante, no qual não se inclui o imóvel, mas sim o “direito aquisitivo derivado de alienação fiduciária em garantia” (artigo 835, XII, do Código de Processo Civil).

Ressaltou, também, que o caráter ambulatório ou propter rem dos débitos condominiais decorre do artigo 1.345 do Código Civil e tal dispositivo não estabelece que o imóvel deve ser penhorado em toda e qualquer hipótese para pagar as referidas despesas. Em tese, o referido artigo atribui a responsabilidade pelos débitos condominiais ao titular do direito real, em regra, o proprietário.

O professor Daniel Amorim Assumpção Neves leciona que determinado sujeito tem a responsabilidade pelo pagamento de um débito, significa dizer, no âmbito processual, que o seu patrimônio pode ser usado para satisfazer o direito substancial do credor [1].

Em síntese, quando o artigo 1.345 do Código Civil confere a responsabilidade pelo pagamento dos débitos condominiais ao titular de direito real, é cristalino que a norma objetiva, geralmente, responsabilize o proprietário, com a finalidade de que ao menos o imóvel possa servir para a quitação do crédito, pois, necessariamente, integra o patrimônio do proprietário.

A lei, entendendo que o devedor fiduciante responde pelas despesas condominiais, estabelece que o seu patrimônio é que será usado para a satisfação do referido crédito, não incluindo o imóvel alienado fiduciariamente, que integra o patrimônio do credor fiduciário.

Dito isso e à luz do entendimento da 3ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 2.036.289/RS, a ministra relatora entendeu que: “se o devedor fiduciante responde pelos débitos condominiais, por força dos artigos 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único, do Código, todos os bens e direitos que integram o seu patrimônio respondem pela satisfação da dívida, no qual não está incluído o imóvel, mas apenas o direito real de aquisição derivado da alienação fiduciária (artigo 1.368, caput, do CC).

Já na decisão proferida pela 4ª Turma do STJ, nos autos de REsp nº 2.059.278/SC, de relatoria do ministro Marco Buzzi, qual ficou vencido pelo voto proferido pelo ministro Raul Araújo, foi fixado o entendimento de que em ação de execução de débitos condominiais, é possível a penhora do imóvel que originou a dívida, mesmo que ele esteja financiado com alienação fiduciária, em razão da natureza propter rem do débito condominial, prevista no artigo 1.345 do Código Civil.

Tal entendimento proferido pela 4ª Turma do STJ, por maioria de votos, deu provimento ao recurso especial para permitir a penhora, mas destacou ser necessário que o condomínio exequente promova a citação do banco (credor fiduciário), além do devedor fiduciante.

Segundo o ministro Raul Araújo, em relação ao voto da ministra Nancy Andrighi nos autos de REsp nº 2.036.289/RS, entende correta a solução em tal contexto, para um credor comum, “o credor normal de um condômino, naquela situação. Tal credor não poderá penhorar o imóvel do devedor, por estar o bem alienado fiduciariamente ao credor fiduciário, sendo este o titular da propriedade resolúvel da coisa imóvel”.

Segue o ministro em sua fundamentação no sentido de que “quando o credor do condômino devedor é o próprio condomínio a solução não se ajusta. É que relativamente ao próprio condomínio-credor, dada a natureza propter rem das despesas condominiais, nos termos do artigo 1.345 do Código Civil de 2002, haverá necessidade de se promover a citação, na ação de execução, também do credor fiduciário no aludido contrato para que venha integrar a lide, possibilitando ao titular do direito previsto no contrato de alienação fiduciária quitar o débito condominial existente e, em ação regressiva, tentar obter do devedor fiduciante o retorno desses valores”.

Tal intelecção está no sentido de que não se pode envolver o credor fiduciário de imunidade contra dívida condominial, conferindo direito maiores do que aqueles que tem qualquer proprietário.

Isto é, as regras acerca da alienação fiduciária não se sobrepõem aos direitos de terceiros que não fazem parte do contrato de financiamento — como, no caso, o condomínio credor da dívida condominial, a qual conserva sua natureza jurídica propter rem.

O ministro Raul Araújo destaca em seu voto que “a natureza propter rem se vincula diretamente ao direito de propriedade sobre a coisa. Por isso, se sobreleva ao direito de qualquer proprietário, inclusive do credor fiduciário, pois este, proprietário sujeito a uma condição resolutiva, não pode ser detentor de maiores direitos que o proprietário pleno”.

Segundo ele, se o imóvel não pudesse ser penhorado devido à alienação fiduciária, o devedor das cotas condominiais se encontraria em uma situação confortável. Além de ser uma situação favorável também para a instituição financeira, caso o devedor fiduciantes estivesse em dia com as parcelas do financiamento, mesmo devendo as taxas condominiais.

“Cabe a todo credor fiduciário, para seu melhor resguardo, estabelecer, no respectivo contrato, não só a obrigação de o devedor fiduciante pagar a própria prestação inerente ao financiamento, como também de apresentar mensalmente a comprovação da quitação da dívida relativa ao condomínio”, destacou o ministro Raul Araújo em seu voto.

Com isso, o ministro entendeu pelo provimento do recurso especial para que fosse estabelecido o dever de o condomínio exequente promover a citação do credor fiduciário a fim de que ele venha a integrar a execução, facultando-lhe a oportunidade de quitar o débito condominial e, assim, se creditar para, em ação regressiva, buscar o ressarcimento de tal valor junto ao devedor fiduciante.

É possível simplesmente colocar a responsabilidade nos demais condôminos o dever de arcarem com a dívida que é obrigação relativa ao interesse de qualquer proprietário de unidade em condomínio? De acordo com o ministro Raul Araújo, não.

Portanto, em casos análogos, a 3ª e 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça vem divergindo, devendo o tema ser acompanhado, principalmente, pelos credores fiduciários, revisitando seus contratos para que resguardem seus direitos em uma possível perda da propriedade fiduciária, além de estarem evitando possíveis novos riscos.

 


[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 1129.

Autores

  • é especialista em Direito Empresarial Aplicado pela Faculdade da Indústria, formado em Direito pelo Centro Universitário Curitiba e graduando em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras.

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