Opinião

Alienação fiduciária de imóvel e o código do consumidor

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21 de novembro de 2022, 18h29

O Superior Tribunal de Justiça, através da 2ª Seção, sob relatoria do ministro Marco Buzzi, em 26/10, editou precedente jurisprudencial vinculante (Tema 1.095) assentando que, em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária em garantia, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei 9.514/1997, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, no âmbito do direito imobiliário, discute-se se se aplica a regra do artigo 53 do Código do Consumidor ao contrato de compra e venda de imóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia.

O referido preceito estabelece que, nos contratos de alienação fiduciária em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do imóvel alienado.

Neste contexto é que foi editada a Súmula 543 do STJ, segundo a qual, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador  integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.

De outro lado, a Lei 9.514/1997, denominada de lei do Sistema Financeiro Imobiliário, em seus artigos 26 e 27, prescreve que, diante do inadimplemento contratual do devedor, e consolidada a propriedade fiduciária em nome do credor, deverá ser realizado leilão público para alienação do imóvel. No primeiro leilão, somente se aceitará o lance se for de valor igual ou superior à avaliação do imóvel. No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos encargos legais, dos tributos e das despesas condominiais. Por tal sistemática legal, o credor somente será obrigado a restituir ao devedor a importância que, em razão do leilão, sobejar a dívida do contrato. A devolução das quantias pagas pelo devedor observará o artigo 27 da Lei 9.514/1997, salvo se frustrada a venda do imóvel, hipótese na qual inexistirá obrigação de restituir valores.

A propósito, verifica-se que a Lei 9.514/1997 disciplina todo o procedimento que deve ser realizado pelo credor para que haja a resolução do contrato garantido por alienação fiduciária, desde a constituição do devedor em mora, a consolidação da propriedade, a realização dos leilões judiciais até a extinção do contrato.

Sendo assim, a discussão jurídica surge porque, caso não haja lances no primeiro e no segundo leilões, considera-se extinta a dívida, sem que haja devolução de valores ao devedor, o que seria uma afronta ao artigo 53 do Código do Consumidor.

Seguindo a sua tradicional orientação jurisprudencial, o STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.891.498 (Tema 1095),  reafirmou o entendimento de que não se cogita da aplicação do artigo 53 do Código do Consumidor em caso de extinção da compra e venda por inadimplemento do comprador, em face da incidência dos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/1997.

Vale dizer, nos casos de compra e venda de imóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia, a rescisão do contrato deve se dar de acordo com os artigos 26 e 27 da Lei 9.514/1997, prejudicando o direito do consumidor de rescindir unilateralmente, de sorte que não se aplicam o artigo 53 do Código do Consumidor e a Súmula 543 do STJ.

A mencionada conclusão decorre da constatação de que, pelos critérios da especialidade e da cronologia, devem prevalecer as disposições da Lei 9.514/1997 frente às disposições do Código do Consumidor. Por conseguinte, em relação à aplicação do Código do Consumidor à hipótese de venda de imóvel com alienação fiduciária em garantia, deve ser prestigiado o entendimento de que, em havendo inadimplemento do devedor, a quitação da dívida deve se dar na forma dos artigos 26 e 27 da Lei 9.514/1997 — por se tratar de norma posterior e especial , afastando-se a aplicação da regra genérica e anterior prevista no artigo 53 do Código do Consumidor.

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