Opinião

Continuidade delitiva diante de peça acusatória imprecisa

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  • é defensor público do Estado do Rio de Janeiro especialista em Execução Penal e Direito Penitenciário pela Universidade de Barcelona doutor em Direito Penal pela UERJ pós-doutor em Direito Penitenciário junto à Universidade de Bolonha professor do curso de pós-graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública da UERJ e professor do curso de pós-graduação em Ciências Penais da Ucam/RJ.

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  • é advogado especialista em execução penal.

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27 de dezembro de 2023, 21h45

Como se sabe, o artigo 71 do Código Penal estabelece requisitos objetivos para a configuração do direito à continuidade delitiva, a saber:

“Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.”

Ocorre que são recorrentes as apresentações de peças acusatórias que não definem com a necessária precisão todas as circunstâncias da suposta ocorrência criminosa. Nesse passo, a questão que aqui se põe reside em se refletir sobre a aplicação da continuidade delitiva em tal ocasião. Dito de outro modo, o que pretendemos aqui abordar diz respeito às acusações que não definem o horário e o local da prática criminosa em face da qual se manifesta a pretensão condenatória.

Sob um juízo apressado, parece que denúncias com esse teor obstariam a avaliação acerca do preenchimento dos requisitos do artigo 71 do Código Penal. No entanto, não há de se olvidar que a análise da configuração da continuidade delitiva se afigura direito do acusado em oposição à possibilidade de cúmulo direto e integral das penas. Logo, não resta outra conclusão senão a de que, se a denúncia deixa de apontar as circunstâncias do fato narrado de maneira precisa, deve ter-se como presumido o atendimento dos requisitos da continuidade delitiva omitidos.

Devemos lembrar que o uso de circunstâncias “abertas” é medida que traz consigo grave insegurança jurídica, subvertendo a legalidade em nome de uma conveniente discricionariedade. Trata-se da construção de “espaços juridicamente vazios”, sem fundamentação na lei e na Constituição.

Além disso, a interpretação dos princípios (e demais normas jurídicas) em matéria penal deve ser pro personae (às vezes chamada pro homine), ou seja, sempre deve ser aplicável, no caso concreto, a solução que mais amplia o gozo e o exercício de um direito, uma liberdade ou uma garantia.

Essa premissa é um aporte dos preceitos contidos no artigo 29, item 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que fixa como norma de interpretação o comando de que nenhuma disposição da convenção seja interpretada no sentido de limitar o gozo e o exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis locais ou outras convenções aderidas. A interpretação pro personae também decorre do artigo 5º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que dispõe:

“1. Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhe limitações mais amplas do que aquelas nele previstas; 2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte do presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau”.

Enfim, se a acusação criminal inicial deixa de indicar precisamente as circunstâncias do fato narrado, a interpretação deve ser a mais ampliativa do gozo e o exercício de um direito, presumindo-se o liame objetivo e subjetivo entre as circunstâncias.

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