Opinião

Súmula 665/STJ: avanço no controle judicial do mérito nos processos administrativos

Autor

20 de dezembro de 2023, 21h32

Um dos aspectos mais relevantes e, por vezes, controversos do Direito Administrativo é a possibilidade de controle judicial do mérito das decisões proferidas em processos administrativos. O Poder Judiciário ainda apresenta posições divergentes sobre o tema: de um lado aqueles que refutam a possibilidade da incursão do Judiciário sobre o mérito administrativo e, de outro, os que entendem que em determinadas situações é possível ao Judiciário adentrar ao mérito das decisões proferidas nos processos administrativos disciplinares.

A possibilidade de controle judicial do mérito das decisões proferidas em processos administrativos encontra embasamento no Artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o qual assegura que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Apesar de toda a construção doutrinária acerca da impossibilidade de incursão judicial sobre o mérito administrativo, essa disposição garante a submissão ao Judiciário de decisões que violem direito, concedendo a este o poder e o dever de intervir nessas hipóteses.

Essa atuação é limitada efetivamente às hipóteses de violação de direito, em que seja possível demonstrar efetivamente que ao exercer a competência discricionário o administrador se desviou de normas ou dos princípios que regem a administração pública, entre eles a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, que devem servir como balizas para a atuação administrativa, assegurando que essa se dê em conformidade com a lei e os interesses públicos.

Em 13 de dezembro de 2023, a 1ª Seção do e. Superior Tribunal de Justiça [1], em uma Questão de Ordem no MS 19.995 DF, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, fixou a Súmula 665, que consolida um importante entendimento sobre o controle jurisdicional do mérito nos processos administrativos, tendo sido aprovada com a seguinte redação:

“O controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvadas as hipóteses de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada.”

Essa súmula reconhece expressamente a possibilidade de incursão do Judiciário no mérito das decisões proferidas em processo administrativo nas hipóteses de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada.

Nos casos de flagrante ilegalidade no mérito da decisão, a intervenção judicial é essencial para restabelecer a legalidade e supremacia da Constituição, evitando injustiças se perpetuem sob o manto do mérito administrativo. Na hipótese de atos teratológicos nas decisões administrativas, que são aqueles absurdos, que fogem completamente da razoabilidade, a intervenção judicial é primordial para correção de distorções graves e inaceitáveis no exercício da função administrativa. Já nas hipóteses de desproporcionalidade da sanção, a incursão sobre o mérito administrativo é necessária para garantir a proporcionalidade, como princípio constitucional, assegurando que a punição não ultrapasse os limites do razoável e do justo.

O controle judicial de decisões proferidas em processos administrativos, nas hipóteses de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada, é uma ferramenta essencial para a manutenção do Estado de Direito, garantindo ao administrado a possibilidade de buscar a modificação do mérito administrativo nas hipóteses em que o exercício da competência discricionária violou princípios constitucionais. Assim, a fixação da Súmula 665 representa um grande avanço para a preservação da legalidade, da moralidade e da justiça no âmbito da administração pública.


[1] Disponível aqui. Acesso em 13.dez.2023

Autores

  • é formado em Direito pela PUC Campinas, com extensão em Direito Constitucional na Universidade Federal Bahia (UFBA), especialista em Direito Civil e Processo pelo IEPG/Inesp, MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pós-graduando em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!