Opinião

Medidas do governo paulista para renegociação de dívidas

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17 de dezembro de 2023, 15h16

Após os impactos econômicos ocasionados pela Covid-19, notou-se o desafio dos contribuintes relativamente ao recolhimento de tributos. De forma a mitigar os danos, incentivar a economia e aumentar a arrecadação, o governo adotou medidas diversas, inclusive para facilitar o pagamento de dívidas tributárias dos contribuintes. Nessa mesma linha, o governo do Estado de São Paulo também tem criado medidas e alterado leis para atingir com esse fim, espelhando-se na União. A seguir, trataremos do Resolve Já e do Acordo Paulista, textos legais que tratam do pagamento de tributos estaduais em atraso.

A Lei nº 17.784 (Resolve Já), sancionada em 02/10/2023 pelo governador do estado de São Paulo, trouxe relevantes mudanças para a quitação de débitos do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), ao alterar a Lei nº 6.374/1989. Além dessa iniciativa, de forma paralela, a Lei nº 17.843/2023 (Acordo Paulista) foi sancionada em 07/11/2023 e trouxe alterações quanto à regularização de débitos de todos os tributos estaduais, reproduzindo os mais recentes dispositivos de transação da esfera federal.

Resolve Já
Segundo o governo do estado de São Paulo, o programa estadual intitulado de Resolve Já (Lei nº 17.784/2023) tem como objetivo estimular o recolhimento do ICMS e, para isso, as medidas trazidas facilitam a resolução de litígios administrativos e resultam na sua consequente redução.

Como estratégia, o programa endereça o tratamento de créditos de ICMS da Fazenda Estadual, ainda não inscritos em dívida ativa. Nesse ponto, os contribuintes beneficiados serão as pessoas jurídicas, que tenham sido apenas autuadas ou que já estejam discutindo a cobrança do imposto no âmbito do Tribunal de Taxas e Impostos de São Paulo (TIT-SP).

De forma a privilegiar os contribuintes que optarem por solucionar seus débitos antecipadamente, o Resolve Já diferenciou os descontos fornecidos com base no período entre o momento de recebimento do auto de infração e o pagamento da dívida.

Sendo assim, os novos descontos sobre multas, previstos no alterado artigo 95 da Lei nº 6.374/1989 dispõe:

  • Quando ocorrer a notificação da lavratura do auto de infração: desconto de 70% para pagamentos em até 30 dias ou 55% após 30 dias;
  • Quando ocorrer a intimação do julgamento de defesa, sem recurso do contribuinte: desconto de 55% para pagamentos em até 30 dias ou 40% após 30 dias;
  • Quando ocorrer a intimação do julgamento de recurso apresentado pelo contribuinte: desconto de 40% para pagamentos em até 30 dias ou 30% após 30 dias.

De qualquer forma, essas previsões só poderão ser aplicadas antes da inscrição em dívida ativa.

Além disso, também foi elevado o desconto sobre as multas quando o contribuinte decidir pelo parcelamento de sua dívida. Por exemplo, com a nova redação do artigo 101, o maior desconto passa a ser aplicável para parcelamento de até 36 meses, e não apenas 12 meses como anteriormente previsto. A porcentagem de desconto permanece sendo atrelada ao momento em que o contribuinte aderir ao parcelamento, qual seja, após notificação do auto de infração, após julgamento de defesa ou após julgamento de recurso.

Por fim, mesmo em caso de parcelamento, quando o contribuinte já tiver quitado metade das parcelas devidas, os descontos previstos no artigo 95 poderão ainda ser aplicados para as parcelas remanescentes.

Para facilitar ainda mais o pagamento dos créditos com a Fazenda estadual, passa a ser permitido o uso de créditos acumulados de ICMS ou os valores decorrentes de ressarcimento do imposto. Dessa forma, o contribuinte poderá quitar seus débitos sem que possua todo o montante em caixa, sendo considerados inclusive o ICMS retido antecipadamente por substituição tributária e os créditos do produtor rural.

Aguarda-se, nesse momento, os devidos termos e condições para compensação desses montantes conforme futuro ato do secretário da Fazenda e Planejamento ainda pendente de publicação.

Todavia, a adesão ao Resolve Já é condicionada à desistência de qualquer processo tributário administrativo em curso para a contestação do débito perante o TIT-SP.

Considerando o exposto, a intenção do governo paulista é a solução de litígios tributários, reduzindo o volume do contencioso administrativo — e, consequentemente, o judicial. Referidas medidas também irão contribuir para ampliar a liquidez das entidades.

Acordo Paulista
De forma complementar, foi sancionada em 07/11/2023, a Lei nº 17.843/2023 intitulada de “Acordo Paulista”. Ao contrário do Resolve Já, cujo foco são as autuações não inscritas em dívida ativa, o Acordo Paulista trata de créditos da Fazenda Pública já inscritos, dispondo sobre sua resolução via procedimento de transação. Além disso, estão abrangidos não apenas valores relativos ao ICMS, mas de todos os tributos estaduais, bem como dívidas não tributárias perante o Estado de São Paulo — tanto de pessoas físicas quanto jurídicas.

Os objetivos com o Acordo Paulista serão mais amplos do que o Resolve Já, por meio do aprimoramento dos mecanismos de cobrança do Estado, baseando-se na experiência do governo federal para redução da litigiosidade judicial.

Anteriormente, a Lei Estadual nº 17.293/2020 apresentava dificuldades para acordos entre Fisco e contribuintes, exigindo garantias e impedindo a utilização de precatórios para redução do saldo devedor.

Na contramão dessas exigências, a nova lei, que entra em vigor 90 dias após sua sanção, determina que nos parcelamentos decorrentes de transações: pessoas físicas, microempresas, empresa de pequeno porte e pessoas jurídicas em recuperação[1] poderão quitar seus débitos com o governo estadual em até 145 vezes, enquanto as outras pessoas jurídicas, terão prazo máximo de 120 parcelas. Em comparação, os prazos praticados atualmente são de até 60 parcelas para contribuintes em geral, enquanto o último edital lançado pela PGE/SP permitiu o parcelamento em 84 vezes para sociedades em recuperação judicial.

Além disso, os descontos nos pagamentos de multas, juros e demais acréscimos também serão maiores. Poderão chegar a 70% do valor transacionado, em caso de débitos de classificados como “irrecuperáveis” ou de “difícil recuperação”. Nesses termos, foram assim classificados aqueles créditos “devidos por empresas em processo de recuperação judicial, liquidação judicial, liquidação extrajudicial e falência” independentemente do porte da sociedade. Em caso de pessoa física, microempresa ou empresa de pequeno porte, que não estejam em recuperação ou em situação similar mencionada, esse percentual também poderá chegar a 70%. Para os outros contribuintes, a redução máxima aplicável será de 65%.

Dessa forma, pretende-se trazer melhores condições de pagamento de débitos tributários para o contribuinte. Hoje, por exemplo, há um limite máximo de 20% a 40% para descontos em multas, juros e demais acréscimos, a depender do rating da empresa, sob critérios do Fisco.

Ademais, dois pontos de inovação do Acordo Paulista são as previsões específicas para transação de valores em discussão no “contencioso de pequeno valor” e no “contencioso de relevante e disseminada controvérsia jurídica”.

Por meio de editais específicos, a Fazenda Estadual poderá resolver antecipadamente discussões pendentes de desfecho no âmbito judicial. Assim, os contribuintes podem obter em acordos benéficos de certas controvérsias e o Estado alcançar a esperada redução de seus litígios judiciais.

Ainda quanto aos aperfeiçoamentos, a nova lei permitirá a publicação de editais para que os contribuintes usem créditos acumulados de ICMS e ICMS-ST, créditos do produtor rural e precatórios para quitação de saldo devedor. Essa mudança poderá ainda movimentar o mercado paralelo de precatórios, pois poderão ser utilizados, inclusive, títulos de terceiros.

Quanto aos pontos de discussão do Acordo Paulista, a adesão dos contribuintes enquadrados no Simples Nacional à transação de débitos de ICMS permaneceria dependendo de autorização do Comitê Gestor.

Além disso, outros pontos relevantes ainda precisarão ser regulamentados por ato do procurador-geral do Estado. Dentre eles, a possibilidade de condicionar a transação ao pagamento de entrada, a própria exigência de garantia, os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, a concessão de descontos, a definição de inadimplência sistemática. Nesse sentido, ainda há muita insegurança quanto aos termos definitivos de aplicação do Acordo Paulista.

Apesar dos pontos de atenção, as medidas do governo de São Paulo para reduzir a litigiosidade de suas cobranças e facilitar a quitação por parte dos contribuintes são positivas e importantes. Aguardamos, nesse momento, os atos necessários do procurador-geral do Estado para aferir de forma prática seus impactos.

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[1] De acordo com o artigo 15, §5º, também se beneficiam do parcelamento em 145 meses as empresas em processo de recuperação judicial, liquidação judicial, liquidação extrajudicial ou falência.

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