Opinião

Empresas de meios de pagamentos não devem ser condenadas por má-fé de terceiros

Autor

  • Vitor Hugo Alonso Casarolli

    é graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina pós-graduado em Direito Civil do Consumidor e Processual Civil no Instituto de Direito Constitucional e Cidadania e pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal na Escola Paulista de Direito.

16 de dezembro de 2023, 6h31

As plataformas de checkout emergem como espaços virtuais essenciais no cenário das vendas online, facilitando a comercialização de infoprodutos e serviços digitais como cursos, e-books e mentorias. Estas empresas realizam o processamento e gerenciamento de pagamentos online via Pix, cartão de crédito e boleto, entre outros.

É importante ressaltar que tais empresas de tecnologia e meios de pagamento não exercem qualquer gerência sobre os produtos comercializados. Ou seja, elas se responsabilizam exclusivamente pelo processamento das transações financeiras, sem hospedar os websites de venda ou exercer qualquer controle sobre eles.

Delimitação de responsabilidades
As empresas de meios de pagamentos operam como uma facilitadora de transações, similar a uma “maquininha” de cartão de crédito usada em lojas físicas.

Agência Brasil

Esta analogia ilustra bem o papel da empresa de checkout: um instrumento para realizar pagamentos, sem envolvimento direto com os produtos ou serviços vendidos.

Portanto, a responsabilidade pela qualidade, legalidade e entrega dos produtos é exclusiva do vendedor, não se mostrando razoável a extensão da responsabilidade à plataforma de checkout utilizada na venda.

A empresa de meio de pagamentos atua apenas como intermediária, processando a transação bancária e não se envolvendo na relação comercial direta entre vendedor e comprador.

Isenção de responsabilidade por fraudes
Sendo assim, a empresa de meio de pagamento não deve ser responsabilizada e condenada ao pagamento de indenização por danos morais em função de fraudes ou golpes praticados por vendedores, uma vez que esta atua estritamente dentro dos limites da intermediação financeira, não tendo ingerência sobre os produtos comercializados.

A culpa deve recair exclusivamente sobre terceiros que, de má-fé, utilizam a plataforma para práticas ilícitas.

Colaboração com as autoridades e proteção ao consumidor
Apesar de não ser responsável pelos atos dos vendedores, é fundamental que as plataformas de pagamento possuam canais efetivos de atendimento ao consumidor para resolver disputas e esclarecer dúvidas, bloquear vendedores e infoprodutos fraudulentos, inclusive com o efetivo reembolso dos danos materiais às vítimas quando estão de posse do valor pago.

Além disso, devem colaborar com as autoridades, fornecendo dados cadastrais de usuários que pratiquem atividades fraudulentas e tomar todas as medidas necessárias para auxiliar na justiça e na proteção ao consumidor.

Precedentes e jurisprudência sobre o tema
Felizmente, em recentes julgados, nota-se que a grande maioria dos magistrados conseguem distinguir de forma adequada a figura do “vendedor” e da empresa intermediadora de pagamentos, delimitando as responsabilidades de cada um deles.

Destaca-se uma sentença emanada pelo 2º Juizado Especial Cível da Comarca de Niterói (autos nº 0834308-18.2023.8.19.0002), em que consumidor buscava reparação por danos morais contra plataforma de checkout após ser vítima de golpe envolvendo proposta de negociação para a exclusão do seu nome dos cadastros restritivos ao crédito (SPC/Serasa).

Vejamos o entendimento do juízo:

“Registro que a ré não é mantenedora de banco de dados de cadastros de inadimplentes, funcionando como intermediadora de pagamentos e que houve o bloqueio do terceiro fraudador em sua plataforma…”

Por fim, completou o entendimento afirmando que não restou caracterizada a falha na prestação de serviços e prática de ato ilícito por parte da empresa de intermediação de pagamento:

“Assim, entendo que a parte autora não demonstrou a prática de ato ilícito ou falha na prestação dos serviços por parte da ré, ônus que a incumbia na forma do art. 373, I do CPC, e que restou comprovada sua culpa exclusiva, na forma do art. 14, §3º, II do CDC, restando afastado o dever de indenizar.”

Dessa forma, julgou improcedente o pedido de danos morais formulado em face da empresa de checkout.

Tem-se outro caso análogo de autos nº 0807534-97.2023.8.19.0212, que tramitou perante Juizado Especial Cível da Região Oceânica (Niterói/RJ), em que a autora pleiteava indenização por danos morais contra a plataforma de meios de pagamento por ter caído em golpe alusivo à “propaganda de valores a receber por parte Banco Central”. A magistrada registrou o seguinte entendimento ao julgar improcedente o pedido autoral de danos morais:

Analisando os argumentos das partes e as provas carreadas aos autos verifica-se que a pretensão Autoral não merece prosperar, pois não restou configurado falha na prestação do serviço das Rés, eis que a transação reclamada foi realizada pela Autora, tratando-se de golpe praticado por terceiro. Cumpre destacar, que a própria Autora reconhece tratar-se de golpe.”

 A juíza pontua que aplica-se a excludente de responsabilidade da empresa intermediadora de pagamento, em atenção ao artigo 14, § 3, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, afastando sua responsabilidade em relação ao golpe praticado por terceiros de má-fé:

 “Dessa forma, no caso em tela, verifica-se a excludente de responsabilidade da Ré, aplicando o disposto no artigo 14, § 3º II, não incidindo a Teoria do Risco do empreendimento, não tendo a parte Ré responsabilidade pela transação efetuada através da digitação da senha pessoal.”

 Por fim, alerta que os consumidores devem atentar-se aos golpes ocorridos na internet e adotar medidas para evitá-los:

“Cumpre destacar, que estamos vivenciando momento mundial de diversas fraudes, sendo amplamente noticiadas, cabendo ao consumidor adotar as medidas necessárias para mitigar os danos advindos. Ademais, em que pese a 1ª Ré trata-se de apenas meio de pagamento, procedeu a devolução do valor no prazo de 10 dias.”

Dessa forma, julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais em face à empresa de meios de pagamento.

Conclusão
A distinção clara das responsabilidades é vital para o funcionamento saudável das plataformas de checkout e meios de pagamento, sob pena de inviabilizar a mencionada atividade econômica em função da insegurança jurídica no âmbito cível e criminal, caso venham a ser responsabilizadas de forma solidária juntamente com os vendedores que praticam atos ilícitos.

Enquanto as empresas de meios de pagamento facilitam as transações financeiras, os vendedores são os únicos responsáveis pela integridade dos produtos e serviços oferecidos.

Entender esse limite é crucial para atribuir responsabilidades corretamente e garantir a segurança e a confiança nas transações online.

Autores

  • é graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, pós-graduado em Direito Civil, do Consumidor e Processual Civil no Instituto de Direito Constitucional e Cidadania e pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal na Escola Paulista de Direito.

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