Opinião

Código de Defesa do Consumidor e relação de consumo no comércio eletrônico

Autor

  • Cláudio Rodrigues Araujo

    é delegado de Polícia Civil do Espírito Santo mestre em Teologia e Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Janeiro (PUC-RJ) e pós-graduando em Ciências Penais e Segurança Pública pela Universidade de Vila Velha (UVV) e em Direito Constitucional e Direito do Consumidor pela Faculdade Legale.

24 de dezembro de 2022, 11h19

Introdução
A globalização e os avanços que foram trazidos pelos meios tecnológicos vêm impactando sobremaneira a vida das pessoas. Isso se deve ao alto, ágil e crescente ambiente de consumo digital surgido com a criação do comércio eletrônico, o que causou uma real "panaceia universal digital". As aquisições virtuais não tiveram mais restrição em relação às cidades, estados e, menos ainda, aos países, levando em consideração que essas aquisições permitem realizar compras junto a fornecedores de produtos e serviços de todo o mundo.

Entretanto, isso tudo não é um "mar de rosas", sendo que há diversas situações e questões envolventes nesse tipo de transação que tornam-se comuns aos meios ditos tradicionalistas, como a falta de transparência, cadência de informações objetivas em relação as especificações técnicas dos produtos, dados dos fornecedores, não cumprimento das obrigações, prazos de entregas, dentre outros.

Assim, os consumidores precisam ter cautela com esse frenético trilho do consumismo eletrônico, sendo que, para a ocorrência da prestação jurisdicional eficiente em qualquer espécie transacional, os consumidores precisam ter conhecimento e fazer valer seus direitos consumeristas.

Nesse contexto, vem a busca por uma resposta à seguinte questão-problema: "O consumidor virtual tem realmente proteção pelo CDC, ou ainda há lacunas que precisam de preenchimento?"

O comércio eletrônico
O comércio eletrônico abriu novas possibilidades para as empresas provendo-as de meios ágeis de expandir os seus negócios e se tornarem competitivas. Teve seu primeiro site de vendas com a Amazon, em 1995. Jeffrey Bezos, aos 30 anos de idade, criador da ideia, viu na internet a possibilidade de expandir os seus negócios. Com o desenvolvimento da internet, Bezos conseguiu montar o seu canal de vendas, que foi capaz de atender as demandas do comércio eletrônico da época. A loja virtual veio a se chamar Amazon.com, que fez muito sucesso e acabou atraindo muitos clientes. Com isso outras empresas viram este sucesso e se sentiram atraídas a entrar no comércio eletrônico.

Em meados do ano de 2000, surge no Brasil a primeira loja virtual, a Submarino. Além de ser a primeira loja virtual no Brasil, também foi a primeira loja que existia apenas na Internet. A partir do surgimento da Submarino, outras empresas passaram a aparecer no cenário virtual brasileiro, como a Americanas, Magazine Luiza, Pão de Açúcar e Livraria Saraiva.

A todo o momento novas empresas estão sendo atraídas a entrarem no comércio eletrônico, e assim aumentando a competitividade e acirrando a disputa de quem oferece os melhores produtos com as melhores condições. Quem tem a ganhar é o consumidor que pode comprar produtos de muitas formas e comprar da forma que desejar. Já que é possível, hoje, comprar produtos diretamente da China recebendo o produto em sua casa.

Atualmente o e-commerce brasileiro corresponde a uma grande parcela no faturamento de grandes, médias e pequenas empresas, pois se trata de uma atividade que mais atrai investimentos.

As relações de consumo
A relação de consumo é a aquela que existe perante consumidor e fornecedor para comprar e vender um produto ou prestar e usar um serviço. É a vinculação jurídica com regulação pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Essa vinculação poderá ser dada por lei ou contrato. Caso a relação tiver enquadramento naquelas com regulação pelo CDC, ou seja, se uma das partes puder ter definição como fornecedor e outra como consumidor de um produto ou serviço, se estará diante de uma relação de consumo (PEROBELLI, 2014). Com isso, para que seja melhor compreendido o que é relação de consumo, é fundamental ter conhecimentos daqueles que se enquadram na figura de consumidor e fornecedor.

O artigo 2º da Lei nº 8.078/1990 traz a presente definição: o consumidor é considerado toda pessoa física ou jurídica que adquire ou faz o uso de produto ou serviço como destinatário final.

Com isso, é possível observar que, pela conceituação legal, apenas terá enquadramento como consumidor aquele que acaba adquirindo produto ou serviço como destinatário final. Isso tem importância dentro da conceituação de consumidor devido ao fato que, faz limitação da aplicabilidade da lei de consumo para aquele que faz o encerramento da cadeia de consumo adquirindo um produto ou serviço apenas para utilização própria. Entretanto, a conceituação faz preceituação que, pessoa física ou jurídica poderão ser consumidores.

Nesse contexto, Lisboa (2011) pontua que, tem maior coerência com o microssistema jurídico com implantação partindo do CDC o entendimento de acordo o qual a pessoa jurídica poderá ser consumidora, desde que produto ou serviço que foi adquirido não seja de forma direta colocado novamente no mercado, mesmo que partindo de especificações ou transformações.

Como já pontuado anteriormente, para existir um relacionamento consumista, não basta somente existir um consumidor, é fundamental que exista um fornecedor que venha a exercer as atividades com descrição presente no artigo 3º do CDC: o fornecedor tem consideração pessoa física ou jurídica, podendo ser pública ou privada, nacional ou estrangeira, assim como entes despersonalizados, que fazem o desenvolvimento de atividade produtiva.

O Código de Defesa do Consumidor e o comércio eletrônico
O CDC tem vistas na proteção daqueles com vulnerabilidade na relação jurídica a praticamente 30 anos, na conferência para o consumidor seguridade, equilíbrio e harmonia nas relações de consumo. Devido os avanços tecnológicos e de consumo, o CDC vem tentando manter o acompanhamento deste crescimento ágil do consumo virtual, perpassando despercebido matérias de suma importância, oportunizando um alto número de reclamações e dúvidas relacionadas ao comércio eletrônico, além do problema do superendividamento (PACHECO, 2014).

Nesse contexto, segundo Oliveira e Natali (2020) foram diversos projetos de leis para a modificação do CDC, entretanto, somente cinco proposições acabaram logrando com sucesso, e desses quatro de forma efetiva se tornaram leis, ajudando a modernização e aperfeiçoamento do CDC, na introdução de novas regras para as temáticas de comércio eletrônico e superendividamento de tomadores de crédito.

Entre os projetos é possível citar:

  • PLS – Projeto de Lei no Senado nº 281/2012;
  • PLS – Projeto de Lei no Senado nº 283/2012, que acabou se tornando a Lei 14.181/2021;
  • Projeto de Lei nº 3.411/2015, que acabou virando a Lei nº 13.486/2017;
  • Projeto de Lei nº 21 de 2016 que teve transformação em Lei nº 13.146/2017;
  • Projeto de Lei nº 9.184 de 2017 que virou em Lei nº 13.425/2017;

O projeto PLS 283/2012 que acabou se tornando a Lei 14.181/2021 realizou bem o aperfeiçoamento da disciplina do crédito ao consumidor, dispondo acerca da prevenção do superendividamento. A Lei faz o estabelecimento como direito básico do consumidor garantir práticas de crédito responsável, da educação financeira, de prevenir e tratar as situações de superendividamento, na preservação do mínimo existencial, partindo de revisar e repactuar a dívida, dentre outras medidas (NUNES, 2019). A Lei nº 14.181/21, responsável por alterar dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), constitui-se em um dos mais significativos avanços na defesa cidadania e dignidade da pessoa humana.

A Lei do Superendividamento adicionou ao artigo 4º do CDC os incisos IX e X, referentes a educação financeira e ambiental aos consumidores e prevenção e tratamento ao superendividamento, respectivamente, como princípios que devem regrar as relações de consumo. Da mesma maneira, foram adicionados ao artigo 6º do CDC, que trata dos direitos básicos do consumidor, os incisos "XI – Crédito responsável, educação financeira, e prevenção e tratamento ao superendividamento, preservando o mínimo existencial, por meio de recuperação de dívidas; XII – Prevenção do mínimo existencial na repactuação de dívidas e concessão de crédito; e XIII – Informação do preço dos produtos por unidade de medida".

A novidade trazida pelos incisos XVII e XVII do artigo 51 do CDC consideraram cláusulas abusivas "condicionar e limitar o acesso aos órgãos do Poder Judiciário; e estabelecer prazos de carência para mora nas prestações mensais e impedir o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com o credor".

Além do mais, ao comentar sobre o projeto de lei, já afirmava que ele trazia a definição do superendividamento e estabelecimento que não é constituinte de crime a negativa de crédito com motivação pelo superendividamento do idoso. Dispõe ainda que, a validade dos negócios e outros atos jurídicos do crédito em curso, com constituição antes da entrada em vigor da lei, tem obediência à disposição do regime anterior, entretanto, seus efeitos com produção depois da sua vigência as preceituações dela se subordinam (NUNES, 2019).

Devido à importância da temática, as alterações fazem o preenchimento lacunas existentes em relação a regulamentação do comércio eletrônico no país, garantindo uma legislação mais modernista e com coerência com a sociedade digital.

O Projeto de Lei nº 3.411/2015 teve sua transformação na Lei nº 13.486/2015, fazendo a alteração do artigo 8º do CDC. O presente projeto fez tratativas somente pela disposição acerca do dever do fornecedor da higienização dos equipamentos e utensílios usados ao fornecer produtos ou serviços, informando ainda, quando houver necessidade, acerca do risco de contaminação, entretanto, as modificações com promoção não foram tão expressivas, em comparação com as necessidades contínuas e velozes da evolução do comércio eletrônico.

Já o projeto de Lei do Senado nº 21/2016 que acabou gerando a Lei nº 13.146/2017, fez tratativas das informações a terem disponibilização para aqueles que portam deficiência.

Finalizando, o projeto de Lei nº 9.184/2017 teve sua transformação na Lei nº 13.425/2017, tratando de forma explícita dos meios de proteção para a seguridade dos consumidores nos estabelecimentos comerciais e fazendo a aplicação de penas à lesão corporal e à morte.

Desses projetos que tiveram análise, é verificado que, o projeto de lei 281/2012 e o 283/2012 que se transformou na Lei n° 14.181/2021, alteram de maneira mais profunda o CDC, sendo que, fazem tratativa das normas de proteção da tutela dos direitos dos consumidores em relação ao comércio virtual.

Conclusão
Como foi possível ver, o comércio eletrônico vem tendo crescimento cada vez mais devido sua praticidade e agilidade. A legislação vem tendo atualização numa velocidade em compatibilidade com este crescimento, embora alguns doutrinadores afirmam que a Lei do Superendividamento saiu tardiamente, temos que essas novidades legislativas vem visando a tutela de forma efetiva os direitos pessoais nesse tipo de atividade consumista, e deve seguir nesse ritmo para oferecer uma verdadeira resposta aos novos desafios.

É possível perceber que, o CDC, do jeito em que se encontra, tem combatido as demandas emergentes dessa relação consumista, e tenta fazer a recuperação da confiança desses consumidores. Diversas inovações foram possíveis com o Decreto-Lei nº 7.682/2013, tendo o intuito da regulamentação do CDC em relação ao comércio eletrônico, trazendo consigo alterações de suma importância como o direito à informação, atendimento ao consumidor e instrumentos para aperfeiçoamento do direito de arrependimento, no intuito da tutela da garantia e meio a vulnerabilidades dos consumidores nas relações consumistas.

Além do mais, é preciso pontuar que, o Decreto-Lei nº 7.682/2013 pela regulamentação ao CDC, não lhe tem conferência o poder de criação de obrigações, direitos e vedações de punição, mas tão apenas regulamentar o CDC. Por esse motivo, é fundamental a alteração do CDC para a tutela das relações consumistas juntamente ao comércio eletrônico.


Referências

CARDOSO, S.; KAWAMOTO, M. H.; MASSUDA, E. M. Comércio eletrônico: o varejo virtual brasileiro. Revista CESUMAR jan./jun. 2019, v. 24, n. 1, p. 117-134.

FATEA, Revista de Administração da Fatea. O E-commerce como Estratégia no Processo de Expansão dos Negócios de Pequenas Empresas. jan-dez 2010. v.3, n.3, p.96-108.

LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas relações de consumo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2002.

NUNES, Rizzato. O comércio eletrônico e o direito do consumidor. Disponível em: <https://migalhas.uol.com.br/coluna/abc-do-cdc/249828/o-comercio-eletronico-e-o-direito-do-consumidor> Acesso em: 26 Jan. 2021.

OLIVEIRA, Victor Ricardo.; NATALI, Lorraine Silva. Comércio eletrônico: a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68602/comercio-eletronico-a-aplicabilidade-do-codigo-de-defesa-do-consumidor. Acesso em: 26 Jan. 2021.

PACHECO, Paulo Fernando Santos. Considerações acerca do comércio eletrônico e suas implicações no direito do consumidor. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVII, nº 121, fev 2014.

Autores

  • é delegado de Polícia Civil do Espírito Santo, mestre em Teologia e Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Janeiro (PUC-RJ) e pós-graduando em Ciências Penais e Segurança Pública pela Universidade de Vila Velha (UVV) e em Direito Constitucional e Direito do Consumidor pela Faculdade Legale.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!