Opinião

A quem interessa o Direito Processual Penal?

Autor

12 de dezembro de 2023, 9h24

O Conselho Nacional de Justiça publicou em 14 de novembro de 2023 a Resolução n° 531 que altera a Resolução CNJ n° 75/2009 para instituir o Exame Nacional da Magistratura como pré-requisito para a inscrição nos concursos da magistratura, “de modo a garantir um processo seletivo idôneo e com um mínimo de uniformidade”.

A resolução indica um declarado e pertinente propósito de se valorizar mais a vocação para a atividade judicante ao invés de uma singela capacidade de memorização de conteúdos.

O texto normativo prevê também os temas e o respectivo número de questões a serem exigidos no exame: direito constitucional (oito questões); direito administrativo (seis questões); noções gerais de Direito e formação humanística (seis questões); direitos humanos (seis questões); direito processual civil (seis questões); direito civil (seis questões); direito empresarial (seis questões) e direito penal (seis questões).

Antes de mais nada, o presente texto não se propõe a analisar a (im)pertinência da inclusão desse exame, ou seja, de uma seleção preliminar comum para a seleção de ingressos para a magistratura nos diversos tribunais brasileiros.

Importante destacar como premissa para este ensaio que não há a previsão de uma única questão de direito processual penal, e esta análise não se dedica a mera defesa corporativa de um ramo do Direito, mas se propõe a refletir sobre eventuais consequências acopladas à opção de exclusão da área dentre os conteúdos exigidos.

A omissão da previsão de questões que versem sobre institutos de processo penal conduz a uma justificável impressão de que o CNJ considera se tratar de conteúdo menor ou secundário, despiciendo como conhecimento mínimo para a seleção dos indivíduos aptos a se submeterem aos concursos nos tribunais dos diversos Estados e da União.

Não se pode perder de vista que, no final de 2022, o Brasil alcançou a maior população carcerária de sua história — 832,3 mil presos —, sendo o contingente de 210.687 composto por presos provisórios, segundo os dados do 17° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, um aumento de 257% desde o ano 2000, com um déficit de vagas superando 230 mil.

O cenário da exclusão dos conteúdos de processo penal do exame descortina, em primeiro lugar, uma aparente incoerência com projetos e políticas do próprio CNJ, que foi o primeiro órgão a instituir a audiência de custódia como condição para a manutenção da prisão do indivíduo. Além disso, em sua última sessão no CNJ, a então presidente e ministra Rosa Weber, divulgou que o mutirão processual penal restabeleceu a liberdade de mais de 22 mil pessoas presas de forma indevida.

Sob outro prisma, a conclusão do mutirão desvela a ocorrência de prisões mantidas e/ou decretadas de maneira indevida, cujo número excede em muito os 22 mil encarcerados soltos no mutirão, pois diversos são os habeas corpus e recursos ordinários que, nos tribunais estaduais, federais e superiores, relaxaram prisões ilegais.

Dentro desse contexto, o fomento do estudo do processo penal, especialmente os requisitos para decretação de prisões provisórias, a audiência de custódia, medidas cautelares diversas da prisão e os princípios processuais penais, é ingrediente essencial para a redução da demanda junto a tribunais, bem como a diminuição do déficit de vagas no sistema prisional.

Some-se ainda o fato de que a história do processo penal é pródiga em exemplos que ilustram como a falta de previsibilidade e segurança jurídica na apuração e aplicação de punições em matéria penal acabam por empurrar regimes democráticos para cadafalsos.

Não sem razão, o professor alemão Claus Roxin atribui ao processo penal o papel de sismógrafo do modelo de Estado, uma vez que se afere um regime de governo, a partir da forma como se aplica o processo penal, pois, o que está em discussão não é um simples método para se punir o autor de um crime, mas a forma como um Estado interfere nas liberdades do povo. A reflexão, sempre atual e pertinente, adquire coloridos especiais em um momento da história brasileira no qual a política e a economia passaram a ser alvo de contumazes e frequentes interferências de medidas processuais penais.

Por fim, a ausência de conteúdos de direito processual penal, dentre as questões do exame, ainda que não tenha sido objetivo do CNJ, endereça a acadêmicos e profissionais de Direito uma mensagem de serem os institutos próprios da área menos relevantes do que aqueles prestigiados nas questões e, portanto, tem-se um vetor para a formação ou a deformação da cultura jurídica, com forte aptidão de vulnerar o pleno exercício das liberdades e a própria democracia.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!