Opinião

Lei da Igualdade Salarial: desafios trabalhistas, concorrenciais e de proteção de dados

Autores

  • Paulo Lilla

    é advogado responsável pela área de Tecnologia Proteção de Dados e Propriedade Intelectual do escritório Lefosse Advogados professor de Direito Digital e Proteção de Dados em instituições de ensino de São Paulo e doutor e mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

  • Paulo Peressin

    é counsel da área da trabalhista do Lefosse

  • Milena Mundim

    é sócia de Concorrencial e Antitruste da Lefosse.

9 de dezembro de 2023, 13h51

A Lei 14.661/2023, que regulamentou procedimentos para assegurar que não haja disparidade de salário entre homens e mulheres exercentes das mesmas funções, trouxe em seu bojo obrigações específicas a este respeito, tais como a exigência de que empresas estabeleçam mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios, disponibilizem canais específicos de denúncia de discriminação salarial e divulguem, periodicamente, relatórios sobre sua organização interna de cargos e salários.

Mais recentemente, foi editado o Decreto 11.795/23, que se propôs a regulamentar em mais detalhes a lei, mas, com ele, vieram também profundas críticas e preocupações de toda a iniciativa privada, já que o novo texto legal exige a divulgação, por parte das empresas com cem ou mais empregados, do chamado relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios. As exigências do decreto impõem que esse relatório revele informações sensíveis relacionadas a cargos e salários.

O artigo 2º do decreto dá conta de que o mencionado relatório necessitará dispor de informações que vão desde o salário contratual até a totalidade da remuneração paga a um determinado cargo. Também é exigência legal que as empresas divulguem o dito relatório bianualmente, nos meses de março e setembro, “nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral”.

Embora exista a menção de que os dados e informações constantes do relatório deverão ser “anonimizados”, não é preciso muito esforço para deduzir que essa disposição tem enorme potencial de preocupar as empresas, na medida em que, certamente, haverá situações em que será possível identificar empregados pela mera indicação de seu cargo,  sobretudo aqueles ocupantes de cargos de liderança (diretores, gerentes, superintendentes etc.). Esse risco iminente traz implicações não apenas de ordem trabalhista, já que, na relação entre empregador e empregado, poderá haver questionamentos quanto à divulgação das informações e uma evidente possibilidade de desafios para a gestão de recursos humanos (atração e retenção de profissionais), mas, também, impactos de ordem concorrencial e de proteção de dados.

Em relação à proteção de dados, vale destacar que Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) traz um conceito amplo de dado pessoal, definido como qualquer “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”. A esse respeito, a mera referência a um cargo dentro de uma empresa já poderia ser suficiente para permitir a identificação do empregado que ocupa tal cargo, ainda que sem qualquer menção ao seu nome. Ademais, embora dados anonimizados estejam fora do escopo da LGPD, o artigo 12 da lei deixa claro que dados anonimizados serão considerados dados pessoais se o processo de anonimização puder ser revertido, utilizando meios próprios, ou quando, com esforços razoáveis, puder ser revertido.

Considerando o acima exposto, nos parece inócua a regra do decreto que indica que os dados constantes do relatório deverão ser anonimizados, dada a possibilidade de identificação de empregados pela mera referência aos seus cargos e, o que é ainda pior, com a indicação de seus salários, o que, a nosso ver, constitui flagrante violação do direito constitucional à privacidade e intimidade, com potencial de causar danos materiais e morais a esses indivíduos.

Por derradeiro, sob a ótica concorrencial, existe igualmente a preocupação de que a publicação frequente e atualizada de dados desagregados, indicando a totalidade da remuneração de cargos, induza à coordenação de comportamentos entre diferentes empregadores, reduzindo de alguma forma a competição existente entre estes pelos melhores profissionais no mercado de trabalho. A autoridade de defesa da concorrência do País, o Cade, inclusive, já tem pelo menos uma investigação em curso, na qual acusa certas empresas de infração contra a ordem econômica por compartilharem, de maneira menos frequente e sistemática, dados menos preocupantes sobre condições de contratação de profissionais.

Ainda que se possa questionar se tal coordenação existiria na prática e se o Cade tem competência ou se deveria examinar esse tipo de prática, é certo que faltou, na elaboração do referido decreto, preocupação com este viés concorrencial referente a tão relevante aspecto do funcionamento da economia.

Em razão dessas preocupações, as empresas têm buscado compreender qual o cenário jurídico de medidas que podem ser adotadas com no intuito de suspender a obrigação trazida pelo decreto ou, ainda, como podem ser organizar internamente para que não haja riscos para o negócio.

Autores

  • é advogado, responsável pela área de Tecnologia, Proteção de Dados e Propriedade Intelectual do escritório Lefosse Advogados, professor de Direito Digital e Proteção de Dados em instituições de ensino de São Paulo e doutor e mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

  • é counsel da área da trabalhista do Lefosse

  • é sócia de Concorrencial e Antitruste da Lefosse.

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