Opinião

Dispute board como garantia de segurança jurídica e dinamismo para o agro

Autor

  • Gabriel de Britto Silva

    é advogado especializado em direito imobiliário e participante da comissão de arbitragem do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ubradim) e da OAB/RJ.

3 de dezembro de 2023, 13h23

O PIB nacional é impactado pelo agronegócio em mais de 25% e ele responde também por mais 37% dos empregos existentes. Toda essa força da economia verde é fruto da diversidade das relações jurídicas advindas do agro. E, para que essa força se mantenha e se intensifique, é necessário que os litígios do setor, que demandam conhecimentos específicos de leis, usos e costumes, sejam prevenidos ou tenham solução célere, em atenção à inerente dinâmica característica deste mercado, considerando os bens perecíveis e as safras sazonais em jogo. E a crescente sofisticação e complexidade das operações geram a necessidade de devida adequação jurídica na solução de litígios.

A sistemática do agro agrega além da agropecuária em si, toda a produção e comercialização de insumos, envolve a indústria de processamento, passa pelas redes de armazenamento e distribuição e, ainda, tem-se a atuação da ciência, tecnologia, pesquisa e serviços de apoio como o de assistência técnica e transporte. E, indiretamente, envolve os setores de exportação e importação, de serviços alfandegários, portuários, aeroportuários, e os mercados e atacadistas responsáveis por fazerem os produtos chegarem no consumidor final. Por fim, se faz presente o mercado acionário no qual as ações das empresas agro presentes na bolsa de valores são negociadas.

Trata-se de uma cadeia produtiva complexa e de trato sucessivo que vai da terra ao consumidor. Os temas em litígio são os mais diversos e passam pela construção de armazéns, vias de escoamento, ferrovias, centros de logística, sistemas de captação e irrigação, centros tecnológicos, usinas de geração de energia, contratos de EPC, contratos agrários de parceria e arrendamento, contratos de financiamento rural e compra e venda de insumos, contratos de fornecimento e de integração vertical, entre outros.

No entanto, além da arbitragem já amplamente utilizada, existe outra ferramenta que se apresenta imprescindível aos players do agronegócio e que ainda vem sendo aplicada de forma incipiente ante o seu desconhecimento: O dispute board.

Os DBs, comitês de prevenção e solução de disputas, surgiram na década 1960/70, nos EUA/Europa, no contexto de obras longa duração e com certa complexidade e, hoje, já são aplicados até mesmo em projetos de médio e de pequeno porte.

Trata-se o DB do único meio adequado que atua em tempo real, desde o primeiro dia de execução do contrato e de forma permanente.

Os experts que o compõe se reúnem, como regra, todo o mês tendo conflito ou não. E, ele só acaba quando acaba o contrato. É um verdadeiro seguro contra a disputa. Não é um método de solução de controvérsias, é um real e eficaz método de prevenção de disputas.

Os referidos experts são indicados pelas partes em número ímpar. Em regra três, sendo dois arquitetos ou engenheiros e um advogado, mas podem ter painéis de cinco, ou até mesmo, para obras de pequeno e médio porte, ser composto por apenas um expert para fins de redução de custo.

Eles podem emitir diretrizes vinculantes, em que as partes se obrigam contratualmente a cumprir a decisão (DB de adjudicação) ou não (DB recomendação), dependendo do que foi convencionado.

De todo modo, mesmo no caso de DB de adjudicação, de cumprimento obrigatório, a decisão é sempre recorrível à arbitragem ou ao judiciário, dependendo da convenção das partes, considerando que ele não tem natureza jurisdicional, logo não forma coisa julgada material.

Se o DB for de adjudicação, há a possibilidade de haver uma estipulação adicional de que, em caso da ocorrência de arbitragem, os árbitros devem cumprir a decisão, a exceção da existência de vício ou erro manifesto.

Como exemplo atual de sua utilização, temos as obras do Eurotúnel (França x Reino Unido), do aeroporto Hong Kong, da expansão Canal do Panamá, da Linha 4-Amarela do metrô de São Paulo e o Contrato de PPP do projeto denominado Trem Intercidades — TIC (Trecho São Paulo/Campinas), em fase de leilão para este ano de 2023.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres fez, em julho/2023, audiência pública com o fim de colher sugestões e contribuições à proposta de regulamentação de DB para ser aplicado aos contratos de concessão de rodovia e ferrovia celebrados entre a ANTT e seus entes regulados.

Já, o Banco Mundial somente empresta acima de US$ 50 milhões se houver a previsão de DB no contrato. No caso da Lei Municipal de São Paulo nº 16.873/18, regulamentada pelo decreto municipal nº 60.067/2021, há previsão de aplicação para contratos cujos valores sejam acima R$ 200 milhões. E, a lei nº 14.133/2021 (lei de licitações), em seus artigos 151 a 154, fomenta o seu uso, embora sem estabelecer valores.

Em âmbito nacional, tramita o PL 206/2018 no Senado — PL 2.421/2021, apensado ao PL 9.883/2018 —, que está em revisão pela Câmara, e que prevê o uso do DB para dirimir conflitos em contratos continuados da administração direta e indireta da União.

Segundo o The Dispute Resolution Board Foundation, em casos em que há a atuação do DB, a solução ocorre em menos de 90 dias, apenas 2% dos litígios são insuperáveis e seguem para ser dirimidos na arbitragem ou junto à jurisdição estatal e dos referidos casos, 98% das decisões emanadas pelos árbitros ou pelo juiz de direito mantém a decisão do board. Por fim, o custo de manutenção de um DB giram entre 0,05% e 0,15% do orçamento do projeto objeto do contrato, ou seja, é diminuto.

O seu uso nos setores da construção, da infraestrutura e em todo o gênero de obras complexas, já está consolidado há muito, e, câmaras de arbitragem tal como a CAM-CCBC e a Ciesp, já apresentam regulamento de DB desde 2010. A Cames, desde 2020. Tais previsões vêm sendo exigidas inclusive pelos fundos de investimentos e seguradoras.

As questões a serem dirimidas são de prova e não de direito e as diretrizes do DB podem gerar a dispensa da produção de prova pericial, caso o litígio siga para arbitragem ou para o poder judiciário. O artigo 472 do CPC é claro ao indicar que o juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes. E, nesse contexto, aplica-se o DB.

O Superior Tribunal de Justiça reconhece e protege o instituto do DB e, em célebre julgado, dispõe que é “absolutamente possível que as partes (…) ajustem, no próprio contrato, a delegação da solução de tais conflitos a um terceiro ou a um comitê criado para tal escopo e, também com esteio no princípio da autonomia de vontades, disponham sobre o caráter de tal decisão, se meramente consultiva; se destinada a resolver a contenda imediatamente, sem prejuízo de a questão ser levada posteriormente à arbitragem ou à Justiça Pública, ou se vinculativa e definitiva” (STJ, REsp 1569422/RJ).

Do mesmo modo, o enunciado 131 da 2ª Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, feita pelo Centro de Estudos Judiciários, vinculado ao Conselho da Justiça Federal, disciplina que “as decisões promovidas por Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards) que sejam vinculantes têm natureza contratual e refletem a vontade das partes que optaram por essa forma de resolução de conflitos, pelo que devem ser cumpridas obrigatória e imediatamente, sem prejuízo de eventual questionamento fundamentado em ação judicial ou procedimento arbitral”.

Assim, o país que é orgulhosamente responsável por alimentar a humanidade e que é exemplo de um agro tecnológico, popular, de vanguarda e de economia verde altamente produtiva, também passa a ser exemplo de disposição de instrumentos legais necessários para dar aos investidores segurança jurídica pautada em eficientes, qualificados e céleres meios de solução de controvérsias, tendo não só a arbitragem, mas também o dispute board, como valores centrais.

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