Reflexões Trabalhistas

Não é papel do MPT fiscalizar procedimentos eleitorais sindicais

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho consultor jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos entre eles Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

25 de agosto de 2023, 8h00

Esse entendimento ministerial foi aprovado na 34ª Reunião Nacional da Conalis (Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical), em 22 e 23 de junho de 2022, tendo como base o princípio da autonomia privada coletiva, resultando na publicação da Orientação nº 19 da Conalis/MPT, com a seguinte ementa:

"ELEIÇÕES SINDICAIS. FISCALIZAÇÃO. AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.
I – Em matéria de eleições sindicais, cabe aos próprios interessados, direta ou indiretamente, a fiscalização do procedimento eleitoral, não competindo ao Ministério Público do Trabalho o papel de órgão fiscalizador, pelo que não foram recepcionados, pela Constituição Federal de 1988 (artigo 8º), dispositivos normativos que induzem interferência, ingerência ou intervenção nas atividades sindicais, a exemplo do artigo 524, parágrafo terceiro, da CLT.
II – O Ministério Público do Trabalho, excepcionalmente, poderá, à vista do caso concreto, proceder ao acompanhamento das eleições sindicais, primordialmente nas hipóteses em que se observe a gravidade da situação ou diante da atuação do Parquet em face de ato ou conduta antissindical ou violação dos princípios de liberdade sindical, nos termos das Convenções 87 e 98 da OIT, a exemplo de ação judicial com pedido de anulação de eleição sindical fraudulenta, sem prejuízo da atuação como custos legis, mediador ou árbitro."

Fundamenta o órgão ministerial que a democracia sindical interna é um dos pilares das liberdades sindicais individuais e coletivas, devendo ser exercida, praticada e aprimorada pelos próprios atores sociais.

Além, das hipóteses de conflitos intrassindicais envolvendo grupos ou chapas adversárias em eleições sindicais, nas quais o Ministério Público do Trabalho comumente tem sido instado por uma ou mais partes adversárias em eleições sindicais a intervir ou interferir em determinados pleitos eleitorais, sendo que, consoante a Orientação nº 18 da Conalis/MPT, não cabe, a princípio, ao órgão do Estado atuar como agente indutor da solução do conflito, quando a questão envolver mera contraposição de interesses de grupos ou chapas, uma vez que a liberdade sindical implica o direito de os trabalhadores e empregadores escolherem livremente seus representantes, conforme os princípios de democracia sindical interna e da autonomia privada coletiva.

O cerne dessa questão diz respeito à liberdade coletiva de administração conferida aos sindicatos pela Constituição de 1988 em seu artigo 8º, que garante às organizações sindicais o direito de elaborar seus estatutos e regimentos internos e, com base neles, eleger livremente seus representantes e organizar sua administração, sem intervenção do Poder Público.

Nesta linha, os atos eleitorais nos sindicatos são questões interna corporis, os quais devem ser praticados de forma regular e legal, de acordo com as disposições contidas nos Estatutos Sociais e demais regulamentos das entidades sindicais, democraticamente, mas sem interferência dos órgãos do Estado.

Na forma do artigo 8º e inciso I da Constituição: "É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: … I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical".

O alcance destes dispositivos constitucionais é amplo, pois ao mesmo tempo em que asseguram a liberdade de associação sindical, proíbem e vedam ao Estado interferir e intervir na organização sindical. Os sindicatos, agora, diferentemente do que ocorria nos moldes da CLT, antes de 1988, têm autonomia para se organizarem e fazerem sua administração interna sem interferência do Estado, incluindo a elaboração dos Estatutos e Regulamentos internos, como ocorre com qualquer outra associação civil.

Assim, no modelo constitucional atual do Brasil compreende-se na autonomia sindical a liberdade de, através das assembleias gerais, os sindicatos redigirem seus estatutos e fixarem as cotizações, o programa de ação, a definição dos quadros administrativos e de disciplinarem o processo eleitoral.

Nesse sentido é a ementa seguinte, de entendimento no C. TST:

"EMENTA: AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA PREJUDICADA. ESTATUTO SINDICAL. REGIMENTO ELEITORAL. PROCESSO ELEITORAL. VEDAÇÃO À INTERFERÊNCIA ESTATAL. GARANTIA À AUTONOMIA SINDICAL. ARTIGO 8º, I, DA CF. ÓBICE DA SÚMULA 126 DO TST. Não ficou demonstrado o desacerto da decisão monocrática que negou provimento ao agravo de instrumento. Esclarecimentos sobre a inexistência, no acórdão regional, de elementos fáticos que demonstrem o descumprimento das regras atinentes ao processo de alteração estatutária, bem como ao processo eleitoral. Incide, in casu, a garantia da autonomia sindical prevista no artigo 8º, I, da Constituição Federal que assegura às entidades sindicais a liberdade de criação, regulação e autogestão, vedando expressamente ao Poder Público interferir e intervir na organização sindical. Agravo não provido, sem incidência de multa". (Ag-AIRR-436-67.2019.5.10.0008, 6ª Turma, relator ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 18/03/2022).

Portanto, as questões envolvendo meras contraposições de interesses de grupos ou chapas em processos eleitorais sindicais devem ser resolvidas no âmbito interno pelos próprios atores sociais, devendo, para tanto, criar órgãos para essa função, restando a intervenção estatal apenas quando o caso apresentar robusta comprovação de violação à ordem jurídica.

Autores

  • é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos, entre eles, Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho.

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