Prática Trabalhista

Reclamação como instrumento estratégico da advocacia trabalhista

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

24 de agosto de 2023, 8h00

Nos últimos tempos, algumas decisões decretadas na Justiça do Trabalho têm sido cassadas pelo STF, em sede de reclamação constitucional, de modo que esse instrumento processual vem ganhando cada vez mais destaque e relevância no universo jurídico.

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A propósito, o Supremo Tribunal Federal ao decidir sobre temas trabalhistas, emitiu um juízo de valor sobre matérias de grande destaque, tais como terceirização, contrato de parceria em salões de beleza, atualização de débitos trabalhistas, transportador rodoviário de cargas, fim da contribuição sindical obrigatória, prevalência do negociado sobre o legislado, tabelamento de indenizações por danos morais, dentre outros.

Dito isso, muitas dúvidas e questionamentos surgem a respeito deste novo instituto, tais como: qual a previsão legal para a utilização da reclamação constitucional? Quais seriam as hipóteses de cabimento? E, ainda, quais os efeitos que decisão produzirá para as partes envolvidas?

Por certo, a temática é palpitante, tanto que o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, desta ConJur [1], razão pela qual agradecemos o contato.

De início, compete salientar que em razão da complexidade do estudo da reclamação constitucional e, para uma melhor compreensão do referido instrumento, é preciso um debruçar cauteloso sobre a questão, afinal, a própria exploração da natureza jurídica desta medida judicial já se revela como uma tarefa desafiadora.

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Com efeito, do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição possibilita o manejo desta reclamação constitucional em seus artigos 102, I, alínea "l"[2], 105, inciso, I, alínea "f" [3] e 111-A, § 3º [4], cujo procedimento é disciplinado pelo artigo 988 e seguintes do Código de Processo Civil (CPC) ao regulamentar a temática [5].

Ademais, a Lei nº 11.417, de 19.12.2006 [6], traz em seu artigo 7º a possibilidade de utilização deste mecanismo no caso de decisão judicial ou ato administrativo que contrarie enunciado de súmula vinculante do STF.

Ora, ao analisar os referidos dispositivos legais, verifica-se que a reclamação constitucional tem por fim precípuo preservar a competência e sobretudo a autoridade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e também pelos tribunais superiores.

Dito isso, certo é que a doutrina diverge no sentido de a reclamação constitucional ser um incidente processual ou uma ação autônoma. Afinal, se é verdade que a reclamação constitucional não visa compor um conflito de interesses, e, por isso poderia ser caracterizado um incidente processual, de igual modo para que seja considerada a sua validade, a petição inicial deverá obedecer aos requisitos esculpidos no artigo 319 do Código de Processo Civil [7].

Nesse prumo, impende destacar que a reclamação constitucional se diferencia dos recursos tradicionalmente utilizados, pois ao invés deste instrumento impugnar decisões processuais, ele instaura um novo processo, operando de forma autônoma e independente das vias recursais.

Sobre o assunto, oportunos são os ensinamentos do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Cláudio Brandão [8]:

"A análise das diversas fases pelas quais passou a reclamação, em sua evolução histórico normativa, deixa claro que o CPC lhe atribuiu uma roupagem inteiramente nova, marcada pela significativa ampliação do seu alcance, situações em que é admitida e função que desempenha no sistema jurídico.
As normas que disciplinam o seu cabimento e procedimento são inteiramente aplicáveis ao processo do trabalho, seja a partir da previsão contida na Constituição (art. 111-A, § 3º), seja no CPC (art. 988), este último por incidência direta da autorização concedida pelo art. 15 do CPC e também pela expressa referência no art. 3º, XXVII, da IN nº 39/2016 do TST.
A sua concepção decorre do papel desempenhado pelos denominados 'tribunais de superposição' (STF e tribunais superiores) no ordenamento jurídico, entre os quais se situa o TST, destinado este último à guarda do direito infraconstitucional em matéria trabalhista".

Feita essa prévia e necessária contextualização teórica, na prática, muitos são os casos em que o STF vem se posicionando contrariamente às decisões da Justiça do Trabalho, em particular em casos de liames empregatícios, conflitos esses que vêm gerando ruídos institucionais.

Exemplo disso é recente decisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes, ao cassar uma decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª Região que havia reconhecido o vínculo empregatício entre um motorista e uma plataforma de serviços [9].

Em outra ocasião, o Supremo Tribunal reconheceu a legalidade da contratação por meio da "pejotização", por considerar lícita a terceirização de toda e qualquer atividade meio ou fim [10]. Na ocasião, prevaleceu a posição divergente do ministro Dias Toffoli, cujo voto asseverou:

"Há, ainda, precedentes do STF nos quais o julgado na ADPF nº 324 e a tese do Tema nº 725 da RG justificaram a procedência da reclamação para afirmar a licitude do fenômeno da contratação de pessoa jurídica unipessoal para a prestação de serviço a empresa tomadora de serviço, destacando-se não apenas a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização do trabalho assentada nos precedentes obrigatórios, mas também a ausência de condição de vulnerabilidade na opção pelo contrato firmado na relação jurídica estabelecida que justifique a proteção estatal por meio do Poder Judiciário".

Noutro giro, a Suprema Corte também cassou a decisão da Justiça do Trabalho que declarou a relação de emprego de uma advogada que havia sido contratada como autônoma por um escritório de advocacia [11], pois, de acordo com o ministro Luis Roberto Barroso, a decisão estaria em descompasso com a jurisprudência do Supremo.

Nesse atual e novo cenário de decisões pelo STF, não há dúvidas da relevância prática da reclamação constitucional, em particular por se tratar de um instrumento eficaz para garantir o cumprimento dos precedentes judiciais vinculativos, promovendo a almejada uniformização jurisprudencial. Ora, é sabido que a jurisprudência desempenha um papel fundamental para o sistema legal democrático, e, por isso, o referido instituto visa preservar a competência e autoridade das cortes superiores, de forma que por meio deste mecanismo específico isto se torna factível.

Neste diapasão, é possível ainda que, por meio deste instrumento, seja possível revisitar temas decididos em controle de constitucionalidade, o que contribuiria para o aprimoramento contínuo da jurisprudência.

Entrementes, vale destacar que a reclamação constitucional não terá cabimento quando envolver casos com coisa julgada e/ou contra sentenças transitadas em julgado, lembrando que o instrumento pautado nas hipóteses tradicionais de preservação de competência do STF, no âmbito de controle concentrado (ADI, ADC, ADPF) ou de Súmula Vinculante da Suprema Corte, não está sujeita ao esgotamento das vias ordinárias.

Frise-se, por oportuno, que a legislação não estabelece um prazo específico para a apresentação da reclamação constitucional, sendo ela admitida até que haja o trânsito em julgado do ato contestado, nos termos do artigo 988, §5º, inciso I, do CPC e da Súmula 734 do STF [12].

Outrossim, é forçoso lembrar que, em regra, primeiro se impõe a impugnação das decisões por meio via recursal, de modo que, esgotadas as instâncias ordinárias, será possível o manejo da reclamação constitucional. Aliás, prevalece no STF o entendimento pelo esgotamento definitivo das instâncias ordinárias nos casos de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida [13], não obstante existir decisões em sentido contrário [14].

De igual modo, é fundamental que a reclamação constitucional traga a exata correlação entre o ato reclamado e a decisão indicada como violada, qual seja, a decisão-paradigma, sendo importante lembrar que a Suprema Corte tem negado seguimento quando não existe aderência estrita entre o objeto do ato reclamado e o conteúdo da decisão paradigma.

Quanto ao julgamento da reclamação constitucional, vale dizer que a decisão proferida irá produzir os efeitos da coisa julgada, e, portanto, não será possível a propositura de uma nova ação, com objeto idêntico. Nos termos do artigo 992 do Código de Processo Civil, "Julgando procedente a reclamação, o tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à solução da controvérsia".

Já em relação a natureza das decisões, estas poderão ser: a) Constitutiva, que acontece no caso de anulação ou cassação do ato ou decisão, como nas situações de usurpação de competência ou desconstituição de decisão proferida contrariamente à súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal ou precedente de cumprimento obrigatório; b) Mandamental, na qual é gerada a necessidade de cumprimento específico da ordem do julgador e c) Declaratória, vez que, se o julgamento for improcedente, corresponderá à declaração de negatividade da pretensão deduzida pelo autor.

Mais a mais, o julgamento, via de regra, ocorrerá pela decisão unipessoal do(a) relator(a) ou por órgão colegiado, sendo que a decisão comporta recurso de embargos de declaração, se cabíveis, ou agravo regimental a ser julgado pela Turma do STF.

Em arremate, a reclamação constitucional além de ser perfeitamente aplicável ao Processo do Trabalho, tem sido recorrentemente como um instrumento estratégico da advocacia trabalhista, razão pela qual se faz necessário o seu estudo aprofundado, pois além da sua relevância prática, é importante que não haja o desvirtuamento da sua finalidade.

 


[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente: (…). l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

[3] Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – processar e julgar, originariamente: (…). f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

[4] Art. 111-A. O Tribunal Superior do Trabalho compõe-se de vinte e sete ministros, escolhidos dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: (…). § 3º. Compete ao Tribunal Superior do Trabalho processar e julgar, originariamente, a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.

[8] Reclamação constitucional no processo do trabalho – São Paulo: LTr Editora, 2017. Página 112.

[12] SÚMULA 734 – Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal.

[13] PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO PROPOSTA PARA GARANTIR A OBSERVÂNCIA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CPC/2015, ART. 988, § 5º, II. INTERPRETAÇÃO TELEO LÓGICA. 1. Em se tratando de reclamação para o STF, a interpretação do art. 988, § 5º, II, do CPC/2015 deve ser fundamentalmente teleológica, e não estritamente literal. O esgotamento da instância ordinária, em tais casos, significa o percurso de todo o íter recursal cabível antes do acesso à Suprema Corte. Ou seja, se a decisão reclamada ainda comportar reforma por via de recurso a algum tribunal, inclusive a tribunal superior, não se permitirá acesso à Suprema Corte por via de reclamação. 2. Agravo regimental não provido. (STF. RCL 24.686, relator ministro Teori Zavascki, Segunda Tur­ma, julgado em 25.10.2016).

[14] RCL 33.102: "Não há necessidade de esgotamento da instância ordinária nos casos em que se aponta como paradigma de controle (I) decisão proferida no âmbito do controle concentrado ou (II) Súmula Vinculante, conforme se extrai do art. 988, § 5º, II, do CPC". (Min. Alexandre de Moraes; DJE 5.8.2022).

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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