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Respeito, igualdade e inclusão: as lições de agosto de 2023

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23 de agosto de 2023, 8h00

O mês de agosto presenteou o Rio de Janeiro com eventos inesquecíveis, da maior importância para a conscientização dos desafios que a nossa sociedade ainda enfrenta e que tive a alegria de poder participar.

No dia 11 de agosto, quando se celebra o Dia do Advogado, o Cartório do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, sob o comando da tabeliã Fernanda Leitão, pioneira na celebração de uniões estáveis entre casais homossexuais no Brasil, organizou o evento "Sustentabilidade Ambiental e o Futuro da Humanidade", para discussão da pauta ESG [1].

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Tendo o ministro Luiz Fux como convidado especial, o evento foi aberto pela atriz Regina Casé e contou com a participação de Djamila Ribeiro, Nicola Miccione. Bela Gil, Edu Lyra e Alfredo Soares que, sob a mediação de Giuliana Morrone, dividiram suas experiências e desafios, em uma verdadeira aula de como a agenda ESG pode ser um motor de desenvolvimento e empreendedorismo, com a geração de riqueza e inclusão social. Nada disso seria possível, porém, sem a força, vitalidade e talento da incansável Michelle Novaes, tabeliã substituta e CEO do Cartório, uma realizadora de sonhos de inclusão, igualdade e respeito.

Escapa aos limites dessa coluna uma maior digressão sobre as discussões, mas não escapa a constatação que empreendedorismo e inclusão são fundamentais para o desenvolvimento econômico. Nossa Constituição consagra a liberdade de empreender como direito e garantia individual e seu exercício livre de amarras é fundamental para a geração de riqueza e, consequentemente, da arrecadação de tributos.

A chaga do racismo, ainda viva em uma sociedade em que a escravidão foi a mais longeva do mundo foi o mote do segundo evento inesquecível de agosto de 2023.

No sábado 12 de agosto, tivemos a alegria e honra de inaugurar uma exposição celebrando o centenário do primeiro campeonato de futebol conquistado pelo Club de Regatas Vasco da Gama, onde entregamos a comenda Pai Santana para personalidades pretas do estado do Rio de Janeiro e a familiares dos atletas campeões de 1923 [2].

O título de campeão carioca de 1923 é único porque foi o primeiro conquistado por uma equipe de atletas oriundos das classes populares da cidade do Rio de Janeiro, formada em sua maior parte por pretos, mulatos, operários e analfabetos: os Camisas Negras. Nos primórdios, o futebol carioca era um esporte das elites da Zona Sul e da Tijuca e, embora atletas de camadas pobres jogassem nas agremiações suburbanas, apenas em 1923 foi que uma equipe com essas caraterísticas se sagrou campeã pela primeira vez [3].

O título gerou uma forte reação dos clubes de elite que, ameaçados pela força desportiva dos camisas negras, formam uma nova liga e exigiram, como condição para o Vasco participar, a retirada de 12 atletas considerados incapazes de participar do torneio de 1924 por serem analfabetos e, evidentemente, pretos e pobres. A discriminação não foi tolerada e o então presidente do Vasco, José Augusto Prestes, redige a carta que virá a ser conhecida como a Resposta Histórica  lei áurea do futebol , onde se recusa a retirar os atletas do plantel e, seguindo na liga antiga, esvaziada pela elite, vence o campeonato de 1924.

No ano de 1925, o Vasco é convidado a se filiar a liga da elite. Não por arrependimento dos competidores, mas sim porque o Vasco era o time que levava mais torcedores aos estádios e, por isso, gerava lucros. O retorno do Vasco e de seus camisas negras foi pelo reconhecimento que o campeonato de 1924 sem o Vasco teve uma enorme discrepância de receita em relação ao de 1923.

Essa constatação centenária confirma o que já se disse antes, a inclusão social amplia o mercado consumidor, gera demanda, traz lucros e, naturalmente, permite uma melhor distribuição de riqueza e incremento da arrecadação tributária.

Agora chegamos ao evento de agosto que tratou propriamente do direito tributário. O 7º Congresso Internacional de Direito Tributário da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), instituição que em 2024 comemorará 75 anos, nascedouro intelectual do Código Tributário Nacional, da qual tenho honra e alegria de participar da diretoria, ao lado dos colegas Heleno Torres, Gustavo Brigagão, André Oliveira, Marcos Catão, Carlos Henrique Bechara e Carlos Adolfo Duarte, membros da comissão organizadora que realizaram um evento impecável e inesquecível [4].

O Congresso da ABDF de 2023 teve como destaque a maciça e fundamental participação de mulheres tributaristas, lideradas pela diretora e também organizadora do congresso Danielle Brigagão, incansável e talentosa realizadora de eventos, agregadora de pessoas e construtora de momentos inesquecíveis.

Os três dias de congresso  que tinha como tema "Segurança Jurídica, litigiosidade e competitividade"  reuniram mil participantes que tiveram a oportunidade de assistir e participar de debates primorosos sobre diversos temas tributários que hoje são pauta permanente de nosso país.

A dura crítica do homenageado ministro Luiz Fux à atual forma de atuação da União junto aos tribunais superiores no contencioso tributário: "Há uma tendência de transformar o Judiciário em fonte arrecadatória", calou fundo em todos os participantes [5]. É desolador constatar o rolo compressor de decisões contrárias às pretensões dos contribuintes que foram tomadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Lembro-me da famosa frase do então ministro Delfim Netto que recomendava a edição de leis fiscais inconstitucionais afirmando, com desfaçatez, que o percentual de contribuintes que ingressariam em juízo para contestar, aliado ao longuíssimo prazo de repetição do indébito, permitiriam ao governo arrecadar e lucrar com o desrespeito à constituição.

O mesmo sucede agora com a técnica da modulação contra o contribuinte e pró-fisco. Segundo recente pesquisa divulgada por site especializado, mais de 90% das decisões do STF foram moduladas em sentido contrário aos contribuintes. Ou seja, edita-se uma lei inconstitucional, mas seus vícios só se reconhecem para o futuro, restando incólume o passado de violação à constituição. Isso não pode ser tolerado pelos contribuintes submetidos a tão aviltante confisco.

A decisão que invalidou automaticamente a eficácia da coisa julgada nas questões relativas à CSLL com eficácia retroativa, sem respeito às mínimas garantias dos contribuintes que confiaram na justiça, mas, mesmo assim, tiveram contra si lançados autos de infração diretamente, sem sequer a propositura das ações cabíveis para rescisão da coisa julgada, foi muito discutida em diversas palestras do congresso. Aliás, foi essa decisão e a firme posição divergente do ministro Fux, que deram a ideia do tema e do homenageado do congresso, como nos relatou o presidente de honra da ABDF Gustavo Brigagão.

Não se discute a necessidade de assegurar isonomia entre particulares, submetendo-os às mesmas incidências fiscais depois que o Supremo Tribunal Federal dá a última palavra com efeitos erga omnes. Mas se devem ser uniformes e gerais os efeitos para sujeitá-los ao tributo, o mesmo deveria ocorrer para exonerá-los de cobranças inconstitucionais. Caso contrário, a balança de princípios a que se referiu muito percucientemente o ministro Gurgel de Faria do Superior Tribunal de Justiça estará indelevelmente desequilibrada.

Acresce que a automaticidade desses efeitos é algo novo no direito constitucional brasileiro. Como bem alertou o professor Humberto Ávila, do alto de seu profundo conhecimento das garantias constitucionais, haurido nas mais renomadas escolas alemãs, ao se conferir a decisões do STF status de leis revogadoras da coisa julgada, há que se saber com precisão e clareza qual o teor do comando e a extensão dos seus efeitos, sob pena de se instaurar ou o caos ou uma ditadura de decisões tributárias de um Judiciário usurpador de competências do Legislativo.

E é nesse ambiente de alta litigiosidade e insegurança, que a Câmara dos Deputados aprovou de forma açodada uma reforma tributária anunciada como panaceia para todos os males e que, a cada dia que passa, como bem apontado em painel composto por secretários e ex-secretários de fazenda e da receita federal, se revela um apanhado de normas que não entregará a promessa de uma verdadeira tributação não-cumulativa.

Aliás, a conclusão a que se chegou é que no mundo da revolução digital, o modelo de um IVA, típico da sociedade industrial, pode ter se tornado, no todo ou em parte, só o futuro dirá, algo obsoleto. Acresce, que a experiência está a revelar a altíssima complexidade de sua implementação no Brasil, país continental, geograficamente intercalado por planícies e planaltos, de difícil integração e com distintas vocações, que exigem soluções diferenciadas e criativas, apresentadas e discutidas com maior transparência e sem arrogância.

A reforma ainda criou um quarto poder  o Conselho Federativo  que, como todos sabem, será objeto de desejo dos poderosos para acomodar todos os apaniguados, desequilibrará o pacto federativo, como bem apontado por Robson Maia no congresso da ABDF diante de um vazio de regulamento para suas decisões, e, ainda, consumirá recursos dos contribuintes. Alguém duvida da opulência da sede que será rapidamente construída em Brasília?

A única certeza é que o texto, tal como aprovado, será alvo de contestação por parte de todos os setores afetados, trazendo maiores ônus, criando insegurança e o caos do convívio paralelo de dois regimes por dez anos, que obrigará a realização de pesados investimentos na implantação de sistemas informáticos pelas empresas para se adequarem a apuração tributária de dois sistemas paralelos.

O Senado tem a responsabilidade de refletir e corrigir os rumos, buscar alternativas e soluções de consenso, para que o caminho até agora percorrido não tenha sido em vão.

Simultaneamente, pode e deve o Senado, como anunciado no evento pela ministra Regina Helena Costa, do STJ, apreciar uma série de projetos de lei apresentados ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, pela comissão por ela presidida, que contou com a participação de diversos juristas, coordenados pelo professor Marcos Livio.

Os projetos remodelam e tornam mais efetivo e célere o contencioso administrativo e judicial tributário [6]. Essa será, sem sombra de dúvidas, a melhor reforma tributária que o parlamento poderá entregar aos contribuintes.

Foram muitas as lições de agosto de 2023. Aprendemos que um país mais justo e equilibrado se faz com respeito e reconhecimento das diferenças. Só assim se pode buscar a inclusão social e se obter a tão sonhada igualdade. Esse é um sonho que podemos tornar realidade.

E para finalizar nossos parabéns pelos 125 anos do Clube de Regatas Vasco da Gama completados na segunda-feira 21 de agosto. O time da inclusão social celebra com todo o Brasil sua história de lutas e glórias. Casaca!

 

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