Contas à Vista

Como estará o Brasil em 2027, conforme o PPA do próximo quadriênio?

Autor

  • Élida Graziane Pinto

    é livre-docente em Direito Financeiro (USP) doutora em Direito Administrativo (UFMG) com estudos pós-doutorais em administração (FGV-RJ) procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo e professora (FGV-SP).

22 de agosto de 2023, 8h00

Agosto vê seus últimos dias caminharem para uma espécie de encruzilhada de regras fiscais, as quais ainda se encontram no plano de complexas e superpostas disputas legislativas. Em meio a tal cenário turvo, espera-se que a sociedade projete, por meio dos seus representantes democraticamente eleitos, o arranjo programático como espera que o país se desenvolva e chegue até 2027.

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A mais evidente agenda em aberto passa pela aprovação no Congresso do que o artigo 6º da Emenda nº 126/2022 exigiu a título de "projeto de lei complementar com o objetivo de instituir regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico", para fins de revogação do teto dado pela EC nº 95/2016.

Supostamente [1] o desiderato constitucional de um "regime fiscal sustentável" foi cumprido pelo Executivo no bojo do Projeto de Lei Complementar 93/2023, o qual foi encaminhado ao Congresso em abril, de forma quase concomitante ao envio do projeto de lei de diretrizes orçamentárias da União para 2024.

Desde então, quatro meses se passaram, sem que o PLP 93/2023 ou o PLDO/2024 fossem definitivamente aprovados até o presente momento. Como a sanção do "regime fiscal sustentável" condiciona a revogação do teto (artigo 9º da Emenda 126/2022), o relativo atraso na tramitação do primeiro pragmaticamente compromete a efetiva possibilidade de maturação do segundo. Aliás, esse é precisamente o resultado almejado por algumas das lideranças do Congresso Nacional, no tensionamento que travam com o Executivo em busca de reforma ministerial e de liberação das emendas parlamentares.

Eis o contexto em que se avizinha a altamente provável conjunção de debates dos projetos das três leis do ciclo orçamentário a partir do dia 31 deste mês: o orçamento e as diretrizes orçamentárias do próximo exercício financeiro tramitarão em conjunto com a reflexão sobre o médio prazo contida no plano plurianual federal relativo ao quadriênio 2024-2027.

A isso se somam a reforma tributária sobre bens e serviços e uma aventada proposta de emenda à Constituição que visaria tanto rever os pisos em saúde e educação, quanto mudar a natureza jurídica dos precatórios.

Como as urgências são ambiente favorável para a gestação de capturas, fato é que serão acumuladas inúmeras e extremamente relevantes propostas de regras fiscais, a serem deliberadas no atacado de um segundo semestre relativamente curto e já contaminado pela iminência das eleições municipais de 2024.

Nesse caldeirão de interesses e pressões, serão cozinhados nossos projetos de futuro comum, os quais muito provavelmente restarão amorfos de tão diluídos pelo calor e premência do curtíssimo prazo.

Pensar em 2027 a partir desse ponto de vista parece, portanto, quimera ou exercício meramente hipotético. Afinal, sonhar o futuro é coisa de gente pouco pragmática e quixotesca. É deveras melancólico, aliás, resgatar o que havíamos projetado alcançar até o final deste 2023, no âmbito da Lei nº 13.971, de 27 de dezembro de 2019, como diretrizes inscritas no artigo 3º do PPA 2020-2023:

"I – o aprimoramento da governança, da modernização do Estado e da gestão pública federal, com eficiência administrativa, transparência da ação estatal, digitalização de serviços governamentais e promoção da produtividade da estrutura administrativa do Estado;

II – a busca contínua pelo aprimoramento da qualidade do gasto público, por meio da adoção de indicadores e metas que possibilitem a mensuração da eficácia das políticas públicas;

III – a articulação e a coordenação com os entes federativos, com vistas à redução das desigualdades regionais, combinados:

a) processos de relacionamento formal, por meio da celebração de contratos ou convênios, que envolvam a transferência de recursos e responsabilidades; e
b) mecanismos de monitoramento e avaliação;

IV – a eficiência da ação do setor público, com a valorização da ciência e tecnologia e redução da ingerência do Estado na economia;

V – a garantia do equilíbrio das contas públicas, com vistas a reinserir o Brasil entre os países com grau de investimento;

VI – a intensificação do combate à corrupção, à violência e ao crime organizado;

VII – (VETADO);

VIII – a promoção e defesa dos direitos humanos, com foco no amparo à família;

IX – o combate à fome, à miséria e às desigualdades sociais;

X – a dedicação prioritária à qualidade da educação básica, especialmente a educação infantil, e à preparação para o mercado de trabalho;

XI – a ampliação da cobertura e da resolutividade da atenção primária à saúde, com prioridade na prevenção, e o fortalecimento da integração entre os serviços de saúde;

XII – a ênfase na geração de oportunidades e de estímulos à inserção no mercado de trabalho, com especial atenção ao primeiro emprego;

XIII – a promoção da melhoria da qualidade ambiental, da conservação e do uso sustentável de recursos naturais, considerados os custos e os benefícios ambientais;

XIV – o fomento à pesquisa científica e tecnológica, com foco no atendimento à saúde, inclusive para prevenção e tratamento de doenças raras;

XV – a ampliação do investimento privado em infraestrutura, orientado pela associação entre planejamento de longo prazo e redução da insegurança jurídica;

XVI – a ampliação e a orientação do investimento público, com ênfase no provimento de infraestrutura e na sua manutenção;

XVII – o desenvolvimento das capacidades e das condições necessárias à promoção da soberania e dos interesses nacionais, consideradas as vertentes de defesa nacional, as relações exteriores e a segurança institucional;

XVIII – a ênfase no desenvolvimento urbano sustentável, com a utilização do conceito de cidades inteligentes e o fomento aos negócios de impacto social e ambiental;

XIX – a simplificação e a progressividade do sistema tributário, a melhoria do ambiente de negócios, o estímulo à concorrência e a maior abertura da economia nacional ao comércio exterior, priorizando o apoio às micro e pequenas empresas e promovendo a proteção da indústria nacional em grau equivalente àquele praticado pelos países mais industrializados; e

XX – o estímulo ao empreendedorismo, por meio da facilitação ao crédito para o setor produtivo, da concessão de incentivos e benefícios fiscais e da redução de entraves burocráticos."

É preciso olhar criticamente para o ciclo quadrienal que se encerra para que seja possível diagnosticar seus equívocos e fragilidades em retrospectiva, de modo a melhor projetar os rumos do próximo plano plurianual. A avaliação dos programas e dos resultados das políticas públicas é exigência sistêmica imposta ao controle interno no âmbito do artigo 74, incisos I e II da Constituição.

Nada seria mais importante para nosso país neste momento do que aprender com os erros que acumulamos para que pudéssemos seguir adiante, de modo mais reflexivo e consistente. Todavia o cenário em curso revela uma forte tendência inercial de repetição do trato meramente protocolar do ciclo orçamentário.

De minha parte, apenas desejo para 2027 que o sentido teleológico do inciso VII ("a persecução das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas;") — o qual fora vetado [2] no artigo 3º da Lei nº 13.971/2019 — pudesse ser resgatado e plenamente implementado rumo à efetividade da Agenda 2030.

Se efetivamente estivéssemos em busca de um "regime fiscal sustentável" em suas dimensões ambiental, social e econômica, o plano plurianual de 2024 a 2027 seria o grande fio condutor das nossas múltiplas regras fiscais. Até porque saber aonde se quer chegar é decisivo para se conceber o caminho a percorrer…

Se o PPA não fosse só uma utopia ou mera formalidade constitucional, todas as regras fiscais brasileiras seriam orientadas — tanto quanto possível — para o alcance progressivo e equitativo dos objetivos do desenvolvimento sustentável. Vale lembrar que eles foram sedimentados internacionalmente, em grande medida, como parâmetros mínimos de coexistência digna e ambientalmente equilibrada.

Ao invés de sonho tolo, buscar tal norte reflexivo seria um consistente exercício de coerência programática, considerando que o Brasil sediará a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), em novembro de 2025, em Belém, no Pará. Enfim, a pergunta que precisamos fazer enfaticamente neste próximo PPA é: como almejamos que o Brasil esteja em 2027?

 


[1] Ao nosso sentir, o PLP 93/2023 não cumpriu o ditame constitucional que pugna por um regime fiscal que equacione sustentabilidade ambiental, equilíbrio das contas públicas, fomento ao desenvolvimento socioeconômico e enfrentamento da desigualdade.

[2] Mediante a Mensagem nº 743, de 27 de dezembro de 2019, tal dispositivo foi vetado mediante a seguinte justificativa vazia: "O dispositivo, ao inserir como diretriz do PPA 2020-2023 a persecução das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, sem desconsiderar a importância diplomática e política dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, acaba por dar-lhe, mesmo contrário a sua natureza puramente recomendatória, um grau de cogência e obrigatoriedade jurídica, em detrimento do procedimento dualista de internalização de atos internacionais, o que viola a previsão dos arts. 49, inciso I, e art. 84, inciso VIII, da Constituição Federal"

Autores

  • é livre-docente em Direito Financeiro (USP), doutora em Direito Administrativo (UFMG), com estudos pós-doutorais em administração (FGV-RJ), procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo e professora (FGV-SP).

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