Opinião

Caso Americanas, a legislação penal e a oportunidade de uma CPI

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18 de agosto de 2023, 17h20

Muito embora o poder de investigação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) seja notório, não faltam vozes a tecer críticas a esse respeito. E, isso, mesmo sendo amostra de injustiça, e, em regra, colocação equivocada, é de se reconhecer que, não raro, comissões desse jaez não chegam a muitos dos propósitos inicialmente esperados.

Muitas CPIs hoje são vistas Brasil afora. Uma, no entanto, chama a atenção. Diz ela respeito ao que ficou conhecido como o "Caso Americanas". Nele, como é de todos sabido, avaliam-se os desdobramentos de um dos maiores escândalos no mercado varejista nacional. O prejuízo sentido, segundo estimativas, ronda a casa dos R$ 40 bilhões. Muito embora o impacto econômico, e tantos possíveis efeitos colaterais, já venham a autorizar semelhante investigação, talvez pudesse se esperar passos a mais a serem dados.

Spacca
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Trata-se, sim, de uma eventual, boa e interessante oportunidade para um aperfeiçoamento da legislação penal. Explica-se.

O Direito Penal é, normalmente, estruturado em termos de proteções específicas a determinados bens jurídicos. Por essa razão se tutela o patrimônio, a ordem econômica, o mercado de capitais ou o Sistema Financeiro Nacional, apenas para se fixar em alguma sorte de bens. Não obstante, muitas vezes a realidade evidencia, a olhos vistos, que o espectro de proteção penal se mostra ou ineficaz ou aquém das expectativas sociais. E, nesse passo, tem-se a necessidade de mudança legislativa.

A tentação do acerto, sem dúvida, pode levar a equívocos. Quando, por exemplo, se verificou o sequestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro de 2000, em que pese os eventos trágicos que se seguiram, chegou-se a sugerir a criação de tipos específicos de crimes praticados contra coletivos. De outro lado, quando deu o famigerado assalto ao Banco Central de Fortaleza, em 2005, em que houve o furto de cerca de R$ 164 milhões, não faltaram críticas às penas dos crimes patrimoniais do Código Penal. Ainda, quando houve a desfortuna do caso do menino João Hélio, em 2007, no Rio, também frutificaram ideias de endurecimento penal. Há, no entanto, de se estabelecer distinção entre os fatos.

Mero enrijecimento das sanções, em primeiro lugar, não explicita uma política criminal consciente, senão uma simples política penal, no sentido de simples alteração de penas. E, como a ciência penal já cansou, tantas vezes, de frisar, nesse caso seus efeitos ficam, não raro, muito mais no âmbito do simbólico. Diferentemente, seria a situação de um aperfeiçoamento da construção penal, visando a problemática não com olhos no passado, mas preocupando-se com o futuro. Aqui sim, de se falar em alteração de política criminal. E, mais. Tendo como exemplo outras tantas legislações e experiências estrangeiras.

Em verdade, e imaginando-se que grandes escândalos econômicos, não raro, promovem e ajudam a evolução da construção penal como um todo, talvez uma das mais significativas possíveis contribuições de uma CPI  como a do "Caso Americanas"  fosse a apresentação, discussão e eventual aprovação de novos crimes a serem vistos em órbita corporativa.

Em que pese o fato de, aparentemente, terem, sim, se dado fatos penalmente reprováveis, seria relevante a elaboração de um tipo penal específico, adequado a gravidade da conduta. E, nesse sentido, a realidade comparada de outros países já dispõe de estruturas típicas muito mais adequadas que as verificadas no Brasil. A verdade é que os crimes patrimoniais tiveram um papel decisivo na discussão penal do século 19. Muitos crimes econômicos, no século 20. Mas o século 21 precisa se atualizar em termos de uma criminalidade corporativa que poderia se verificar em termos de infidelidade patrimonial ou algo como uma gestão, fraudulenta ou temerária, de companhia de capital aberto, à exemplo do que se verifica no âmbito das instituições financeiras. E, sobre isso, é de se constatar a presença de um indesejável vácuo legislativo nacional. Necessárias são, ao menos, discussões nesse sentido.

A questão tampouco se apresenta de forma oportunista. Mostra-se, sim, oportuna, para legitimar todo um trabalho legislativo que se desdobrou por meses. É necessária, para o início de uma discussão e atualização do cenário penal nacional. E é, enfim, conveniente, para que, em eventuais novas incursões criminosas, disponha, o ordenamento jurídico nacional, de suficiente arsenal para as respostas que se impõe. Com a palavras, o Congresso Nacional.

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