Alimentar ou não alimentar

STJ reinicia discussão sobre penhora de salário para pagar honorários de advogado

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16 de agosto de 2023, 20h38

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça começou a dar contornos finais à possibilidade de penhorar verbas remuneratórias das pessoas que devem honorários de sucumbência a advogados, de maneira a quitar essas obrigações.

O tema é extremamente controvertido, foi decidido por 7 votos a 6 pela própria Corte Especial em 2020, tem admitido ressalvas e ainda não foi pacificado. Devido ao impacto do julgamento, o Conselho Federal da OAB atua como amicus curiae (amigo da corte) no processo.

Lucas Pricken/STJ
Voto do ministro Cueva propôs reafirmar tese vencedora na Corte Especial em 2020
Lucas Pricken/STJ

Para resolver a questão, a Corte Especial agora começou a apreciação do assunto sob o rito dos recursos repetitivos, para a construção de um precedente qualificado. O objetivo é estabelecer uma tese sobre o tema, que vai vincular as decisões das instâncias ordinárias sobre o assunto.

Nesta quarta-feira (16/8), apenas dois ministros votaram. Relator da matéria, Ricardo Villas Bôas Cueva entendeu que a penhora dessas verbas é inviável e Humberto Martins abriu a divergência. O julgamento foi interrompido por pedido do ministro Luis Felipe Salomão.

O que está em julgamento?
Verbas remuneratórias como vencimentos, salários, remunerações e aposentadoria, destinadas ao sustento da família, e quantias de até 40 salários mínimos depositadas em caderneta de poupança são, em regra, impenhoráveis.

É o que diz o artigo 833, incisos IV e X, do Código de Processo Civil. O parágrafo 2º abre uma exceção: essas verbas deixam de ser impenhoráveis se a hipótese for de pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem.

O ponto nodal enfrentado agora pelo STJ é se honorários de sucumbência, devidos pela parte perdedora de uma ação aos advogados da parte vencedora, podem ser qualificados como prestação alimentícia. Se sim, abre-se a possibilidade da penhora do salário do devedor. Se a resposta for não, a medida está vetada, conforme decidiu a Corte Especial em 2020.

Lucas Pricken/STJ
Ministro Humberto Martins divergiu do relator, mas ainda não leu o voto
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Prestação alimentícia
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva votou no sentido de confirmar a impenhorabilidade do salário na hipótese de seu uso para pagamento de honorários advocatícios.

Para isso, o voto fez uma distinção sutil, mas crucial, na definição da verba honorária. A ideia é que honorários, apesar de terem natureza alimentar, não se confundem com prestação de alimentos.

A prestação de alimentos é periódica e tem caráter ético-cultural, normalmente lastreado na solidariedade familiar, em que um membro custeia a sobrevivência de outro, embora também possa ser decorrente de condenação por ato ilícito.

Assim, uma verba tem natureza alimentar quando se destina à subsistência de quem a recebe e de sua família. Mas só é prestação alimentícia quando é devida por quem tem a obrigação de prestar alimentos, sejam indenizatórios ou voluntários.

Na visão do ministro Cueva, a regra ainda comporta uma exceção: será possível penhorar as verbas alimentares para pagar honorários advocatícios sempre que a medida preservar um valor capaz de garantir a sobrevivência do devedor e de sua família.

Eis a tese sugerida por Cueva:

"A verba honorária sucumbencial, a despeito de sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil (penhora para pagamento de prestação alimentícia)".

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Ministro Luis Felipe Salomão pediu vista
do julgamento nesta quarta-feira (16/8)
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Veja bem
Pediu vista o ministro Luis Felipe Salomão, que em 2020 defendeu que os dispositivos que tratam da impenhorabilidade de salário não se aplicam à hipótese de penhora de prestação alimentícia "independentemente de sua origem".

Essa foi a compreensão adiantada pelo ministro Humberto Martins, que abriu a divergência, mas não leu o voto. Ele propôs a seguinte tese:

"A verba honorária sucumbencial, em razão de sua natureza alimentar, amolda-se à exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil (penhora para pagamento de prestação alimentícia)".

O ministro Raul Araújo não votou ainda, mas também adiantou a tese que pretende propor, de maneira a subsidiar a análise dos colegas:

"Os honorários advocatícios, diante de sua natureza reconhecidamente alimentar, enquadram-se no conceito de prestação alimentícia, podendo o julgador, sopesando as circunstâncias de cada caso concreto e observando a proporcionalidade e razoabilidade, afastar a regra de impenhorabilidade das verbas remuneratórias e das quantias depositadas em caderneta de poupança, na forma prevista do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC".

Por fim, o ministro Herman Benjamin ponderou que a fixação da tese precisa ser feita com toda cautela, uma vez que ela pode levar ao que definiu como aberração: que os maiores escritórios de advocacia do mundo, apesar de seu poderio financeiro, adotem tais honorários como prestação alimentícia.

"O legislador pode muito, mas não pode tudo. Acima de todos está a Constituição. E nós temos de interpretar a lei e, se for o caso, afastá-la quando o legislador se afastar daquilo que é considerado como pilar estruturante do Estado social de Direito que temos no país", afirmou Benjamin.

REsp 1.954.380
REsp 1.954.382

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