Direito da Insolvência

Contribuição da especialização das varas de falências e recuperações judiciais

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14 de agosto de 2023, 14h22

Os processos de insolvência são naturalmente complexos. Seja pelo grande número de partes interessadas, seja pelas diversas etapas processuais existentes, as quais demandam não apenas decisões como também intenso trabalho dos cartórios judiciais. Para enfrentamento dessas dificuldades, verifica-se a crescente especialização de varas judiciais na área da insolvência.

A doutrina identifica que a especialização é medida adequada para permitir o melhor tratamento de conflitos cada vez mais complexos e volumosos que o Poder Judiciário recebe, sobretudo quando a resolução destes últimos exige conhecimentos específicos e especializados por parte dos operadores do direito. Constata que a dedicação exclusiva a uma matéria resulta em contínua capacitação, qualificando a decisão a ser proferida por parte dos magistrados [1].

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Outro benefício identificado, pela doutrina, encontra-se na promoção de maior uniformidade de decisões, em razão da redução do número de julgadores e do seu conhecimento aprofundado, o que contribui para maior segurança jurídica [2]. Entende, ainda, que essa situação fomenta a prevenção de futuros litígios, diante da maior clareza quanto ao posicionamento da jurisprudência [3].

Além disso, a especialização também permite organização mais racional da estrutura de cartório judicial., em razão da concentração de esforços em ritos específicos. A concentração da atuação de uma vara judicial em um rito específico proporciona natural capacitação dos servidores e melhor organização dos processos de trabalho interno da unidade, contribuindo para maior produtividade e eficiência da atuação jurisdicional como um todo [4].

Recentes pesquisas empíricas corroboram constatações apontadas acima.

O estudo realizado pelo Conselho Nacional da Justiça (CNJ), "Formas Alternativas de Gestão Processual: a especialização de varas e a unificação de serventia", entre janeiro de 2013 a julho de 2017, ainda que não focado na matéria empresarial ou de insolvência, constatou a redução no congestionamento das varas e impacto positivo na qualidade das decisões [5], com redução da sua taxa de reforma [6]. Em outra pesquisa realizada pelo CNJ em 2019, apurou-se que as varas especializadas contribuem para melhor capacitação, qualificação e compreensão do tema jurídico, assim como para a gestão da vara [7].

Estudo recente realizado nas varas empresariais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluiu que elas importaram em maior celeridade, com redução de até 37% do tempo de tramitação do processo [8], e também em decisões de melhor qualidade, trazendo maior previsibilidade aos julgamentos [9].

Estudo específico na área da insolvência, apurando o tempo do processo até deliberação efetiva sobre o plano de recuperação judicial, constatou ganho de celeridade nos processos que tramitam em varas especializadas em relação às varas comuns, apurando o tempo de 384 dias e 553 dias, respectivamente [10]

Constata-se, portanto, da breve análise efetuada, que a especialização de varas judiciais na área de insolvência é  uma importante ferramenta de gestão dos processos e das unidades judiciais, sobretudo diante da complexidade do tema, contribuindo para melhor e mais eficiente prestação jurisdicional.

 


[1] "É notório que, nos dias de hoje, o Poder Judiciário vem sendo chamado a resolver problemas cada vez mais intrincados, sob o prisma técnico e político.  (…) O elevado número de processos e a variedade de matérias submetidas aos juízes vêm exigindo dos órgãos judiciais, por um lado, uma formação cultural e multidisciplinar, mas, por outro, também, elevado nível de profissionalização e de especialização, para fazer frente, em tempo condizente com a expectativa da sociedade contemporânea e com a especificidade relacionada aos casos, ao volume de decisões a serem proferidas. A realidade vem impondo, por conseguinte, a especialização dos órgãos judiciais, para que estes possam estar estruturados e preparados para a respectiva matéria. A clássica divisão entre juízos cíveis e criminais vem dando lugar a órgãos especializados em Direito do Trabalho, Militar, Eleitoral, Previdenciário e Sociais, de Execuções Fiscais, de Propriedade Industrial, de Família, de Órfãos e Sucessões, de Empresas, de Direito Desportivo, Tributário e Financeiro, de Fazenda Pública". (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. O juiz competente e a especialização judicial no Código-Modelo de Processos Coletivos. Revista de Processo, São Paulo, v. 31, nº 133, p. 267, mar. 2006).

[2] "Invoca-se para a especialização dos tribunais sobretudo o mérito de ela potencializar a eficiência da intervenção jurisdicional nos seguintes aspectos: 1) assume-se como uma forma de desviar os casos dos tribunais comuns que se encontrem bloqueados com uma litigância de cariz rotineiro e massificado; 2) constitui-se como um meio de reunião de um conjunto de juízes especialmente treinados na resolução de determinados litígios e assuntos jurídicos, como tal disponíveis para o aprofundamento de assuntos de maior complexidade nesse domínio especializado; 3) promove a uniformidade das decisões sobre determinadas matérias jurídicas associadas ao universo especializado uma vez que reduz o universo dos decisores; 4) incentiva a produtividade judicial ao admitir a parificação das decisões e a rotinização das práticas decisionais; 5) incentiva a concepção de procedimentos pensados (racionalizados) para os diversos tipos de casos da jurisdição especializada; e 6) pode evitar o aparecimento de futuros litígios por via da existência de uma jurisprudência mais uniforme" (MATOS, José Igreja; LOPES, José Mouraz; MENDES, Luís Azevedo; COELHO, Nuno. Manual de gestão judicial cit., p. 148-149).

[3] "[…] Mais do que isso, porém, esse movimento do Direito Empresarial fortaleceu o ambiente de negócios e o desenvolvimento nacional. A especialização, com o aprimoramento técnico e a maior agilidade processual, foi  e continua a ser  fator determinante para a melhoria do ambiente de negócios e diminuição do chamado 'custo Brasil'. O Judiciário paulista está fazendo a sua parte, fomentando a segurança jurídica do sistema e revertendo a indevida tendência de enxergar as relações empresariais pelas lentes do Direito do Consumidor. Permite-se aos agentes econômicos conhecerem de antemão as normas que regem sua atividade, melhorando o cálculo dos riscos e custos envolvidos. A previsibilidade e a certeza de que os contratos serão respeitados estimulam os investimentos e a movimentação da economia". (FORGIONI, Paula A.; CIAMPOLINI, Cesar. A importância da especialização judicial para a atração de investimentos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021mar-10/forgioni-ciampolini-especializacao-judicial-atracao-investimentos. Acesso em: 21 mar. 2021).

[4] "Contudo, compreender que alguns processos podem ser estruturalmente mais difíceis de dar andamento pelas serventias judicias e pelos operadores do Direito auxilia o Poder Judiciário para que possa oferecer soluções também estruturais para seu melhor andamento. Esse conceito evidencia que os processos possuem diversos graus de complexidade (pelas partes/matérias/necessidade de prova técnica), de modo que, naturalmente, essas particularidades devem ser conhecidas para que possam ser adequadamente tratadas, permitindo que tramitem de forma mais célere possível". (DIAS, Maria Rita Rebello Pinho. Novas Perspectivas de Gerenciamento Judiciário. Ed. Contracorrente. fl. 375/376).

[5] Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ). Produto 2  Formas alternativas de gestão processual: a especialização de varas e a unificação de serventias. cit, p. 126.

[6] Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ). Produto 2  Formas alternativas de gestão processual: a especialização de varas e a unificação de serventias cit., p. 120.

[9] NANI, Ana Paula Ribeiro. As Varas Empresariais do Tribunal de Justiça de São Paulo. Fundação Getúlio Vargas  Escola de Direito de São Paulo. Os impactos no tempo médio processual, na qualidade das decisões e na previsibilidade dos  julgamentos em matéria empresarial, fl. 248).

[10] "Pela mesma pesquisa do Observatório, após a análise do tempo de suspensão entre AGCs, restou concluído que o tempo mediano até a deliberação definitiva sobre o plano de recuperação judicial é de 506 dias. Trazendo tal questão na especificidade das varas, foi apurado que o tempo mediano nas varas comuns é maior do que a mediana geral, representando o valor de 553 dias. Já nas varas especializadas, o prazo mediano apurado foi de 384 dias". (FERREIRA, Ana Carolina Passos, DAMBISKI CECI, Mateus, DANTAS, Rodrigo D’Orio, ADOGLIO, Tatiana Marques. In, SACRAMONE, Marcelo Barbosa, NUNES Marcelo Guedes, DANTAS, Rodrigo D’Orio, Recuperação Judicial e Falências  Evidências Empíricas.  Mediação na Recuperação Judicial. Ed. Foco. fl. 96).

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