Opinião

Desistência da ação de execução e honorários de sucumbência dos embargos

Autores

  • Luiz Henrique Cezare

    é especialista em direito processual civil pela Coordenadoria Geral de Especialização da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Cogeae-PUC/SP) especialista em Direito Civil pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP) advogado e professor de Direito Processual Civil e Direito Civil em cursos de graduação em Direito.

  • Luiz Roberto Hijo Sampietro

    é doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP) especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD) bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT) advogado professor de Processo Civil no Núcleo de Direito à saúde da ESA/OAB-SP e em cursos de pós-graduação lato sensu.

14 de agosto de 2023, 20h36

Segundo o princípio da causalidade, caberá à parte que deu causa à demanda arcar com o ônus sucumbencial. Nas palavras da doutrina especializada de Rogério Licastro Torres de Mello: "A teor do princípio da causalidade, os custos inerentes à deflagração e ao desenvolvimento de um processo devem ser suportados por aquele que deu causa à ação. […] Há, por assim dizer, uma relação de causalidade entre a derrota e honorários sucumbenciais. O princípio da causalidade, ao contrário do que sucede com o princípio da sucumbência, serve de paradigma para fins de estipulação de honorários sucumbenciais em virtude não do insucesso da pretensão (o que é característico do princípio da sucumbência), porém da circunstância de uma das partes da ação haver dado causa ao ajuizamento desta" [1].

A aplicação deste princípio ganha relevância prática quando analisada sobre o destino dos embargos à execução apresentados pelo devedor mesmo diante da desistência do credor requerida no processo de execução. Vale dizer: se o credor desistir da execução, antes da citação do devedor, e este apresentar embargos à execução, o credor deverá pagar honorários de sucumbência? A resposta a esse questionamento foge da simplicidade e intuitividade trazidas pelo caput do artigo 200 do CPC, responsável por estabelecer que os negócios jurídicos processuais unilaterais surtem efeitos imediatos, uma vez que o parágrafo único do mesmo dispositivo salienta que a "desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial" [2]. Diante da mencionada excepcionalidade, será que o exequente deve pagar honorários sucumbenciais em embargos opostos à execução da qual o exequente previamente desistiu?  

Os embargos à execução possuem natureza de ação autônoma [3]. Porém, essa autonomia não é absoluta, havendo inegável relação de dependência com a ação executiva que lhe precede [4]. Dito em outras palavras: o cabimento dos embargos à execução só se justifica se houver, de fato, uma ação executiva em curso.

Por essa razão, na hipótese de o credor protocolar um pedido de desistência na ação executiva e, posteriormente, o devedor apresentar embargos à execução, ao juiz caberá declarar a extinção dos embargos, dada a inexistência de pressuposto de constituição válida provocado pela desistência da ação executiva. Os embargos, portanto, ficam prejudicados.

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.682.215/MG, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, fixou o seguinte entendimento: "Na hipótese, antes da citação dos devedores, o credor postulou a desistência da demanda executiva. Assim, os embargos opostos carecem de pressuposto da existência ou de constituição válida, visto que, repita-se, a desistência apresentada antes da citação, faz com que o processo principal (execução) seja extinto precocemente e a demanda incidental (embargos) fique prejudicada" [5] [6].

Referido acórdão, inclusive, prestigia a proteção do exequente em caso de demora na apreciação do pedido de desistência. Em outras palavras: se a petição de desistência não tiver sido apreciada e a citação do executado ocorrer, com a consequente apresentação dos embargos, o exequente não poderá ser prejudicado por essa demora. Nesse sentido consignou o relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: "[…] o credor não pode ser punido pela ausência de apreciação do pedido de desistência antes da efetiva citação dos executados".

Aliás, a proteção da parte pelos efeitos da demora dos serviços judiciários está prevista no artigo 240, §3º, do CPC, segundo o qual: "A parte não poderá ser prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao judiciário".

Portanto, se é verdade que os embargos à execução devem ser extintos, por ausência de pressupostos de constituição válida, pela desistência manifestada previamente na ação executiva, é igualmente verdade que a oposição dos embargos não foi causada pelo credor e, por isso, este não pode ser condenado ao pagamento de honorários de sucumbência. Esse é o entendimento exarado pelo STJ: "[o] credor não responde pelo pagamento de honorários sucumbenciais se manifestar a desistência da execução antes da citação e da apresentação dos embargos e se não houver prévia constituição de advogado nos autos" [7].

No âmbito das execuções fiscais este tema já foi objeto da súmula 153/STJ, que impõe a condenação de sucumbência ao exequente que desiste da ação de execução após o oferecimento dos embargos. Vejamos o teor do entendimento sumulado: "A desistência da execução fiscal, após o oferecimento dos embargos não exime o exequente dos encargos da sucumbência". A contrario sensu, segundo referida súmula, se a desistência da execução fiscal for anterior ao oferecimento dos embargos, o exequente não seria condenado no pagamento da sucumbência.

A partir das considerações acima expostas, é possível concluir que, segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça: 1) os embargos à execução opostos após o pedido de desistência devem ser extintos, dada a ausência de ação executiva precedente (ação principal) que justifique a oposição dos embargos (ação incidental); 2) pelo princípio da causalidade, o credor não deve ser condenado no pagamento de honorários de sucumbência quando da extinção dos embargos, uma vez que não deu causa à oposição dos embargos pela desistência manifestada na ação executiva.

 

 

[1] MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Honrários advocatícios [livro eletrônico]: sucumbenciais e por arbitramento. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 1410.

[2] Fredie Didier Jr. lembra que o controle judicial da autonomia privada no processo civil não desconfigura o negócio jurídico: "Todo efeito jurídico é, obviamente, consequência da incidência de uma norma sobre um fato jurídico; ora a lei confere à autonomia privada mais liberdade para a produção de eficácia jurídica, ora essa liberdade é mais restrita". (DIDIER JR., Fredie. Negócios jurídicos processuais atípicos no Código de Processo Civil de 2015. Revista Brasileira da Advocacia, v. 1, abr.-jun./2016, versão eletrônica).

[3] "Os embargos de executado (ou de devedor ou, ainda, embargos à execução) são ação de conhecimento, geradora de processo incidental e autônomo, mediante a qual, como a eventual suspensão da execução, o executado impugna a pretensão creditícia do exequente e a validade do processo executivo". WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. vol. 3. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 531.

[4] "Embora os embargos do devedor constituam ação autônoma, não se pode considerá-los completamente independentes, já que são o meio de defesa do executado". AgInt no AREsp nº 365.126/PR, relator ministro Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma do STJ, julgado em 27/6/2017.

[5] REsp nº 1.682.215/MG, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma do STJ, julgado em 06.04.2021.

[6] A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça já decidiu que atrai a aplicação do princípio da causalidade o credor que desiste da ação de execução após o devedor constituir advogado e indicar bens à penhora, vejamos: “[c]onsoante o princípio da causalidade, os honorários advocatícios são devidos quando o credor desiste da ação de execução após o executado constituir advogado e indicar bens à penhora, independentemente da oposição ou não de embargos do devedor à execução.” (AgInt no REsp 1.849.703/CE, relator ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 30/3/2020).

[7] REsp nº 1.682.215/MG, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma do STJ, julgado em 06.04.2021.

Autores

  • é especialista em direito processual civil pela Coordenadoria Geral de Especialização da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Cogeae-PUC/SP), especialista em Direito Civil pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP), advogado e professor de Direito Processual Civil e Direito Civil em cursos de graduação em Direito.

  • é doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD), bacharel em direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT), advogado e professor de Processo Civil no Núcleo de Direito à Saúde da ESA/OAB-SP e em cursos de pós-graduação lato sensu.

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