Desistência da ação de execução e honorários de sucumbência dos embargos
14 de agosto de 2023, 20h36
Segundo o princípio da causalidade, caberá à parte que deu causa à demanda arcar com o ônus sucumbencial. Nas palavras da doutrina especializada de Rogério Licastro Torres de Mello: "A teor do princípio da causalidade, os custos inerentes à deflagração e ao desenvolvimento de um processo devem ser suportados por aquele que deu causa à ação. […] Há, por assim dizer, uma relação de causalidade entre a derrota e honorários sucumbenciais. O princípio da causalidade, ao contrário do que sucede com o princípio da sucumbência, serve de paradigma para fins de estipulação de honorários sucumbenciais em virtude não do insucesso da pretensão (o que é característico do princípio da sucumbência), porém da circunstância de uma das partes da ação haver dado causa ao ajuizamento desta" [1].
A aplicação deste princípio ganha relevância prática quando analisada sobre o destino dos embargos à execução apresentados pelo devedor mesmo diante da desistência do credor requerida no processo de execução. Vale dizer: se o credor desistir da execução, antes da citação do devedor, e este apresentar embargos à execução, o credor deverá pagar honorários de sucumbência? A resposta a esse questionamento foge da simplicidade e intuitividade trazidas pelo caput do artigo 200 do CPC, responsável por estabelecer que os negócios jurídicos processuais unilaterais surtem efeitos imediatos, uma vez que o parágrafo único do mesmo dispositivo salienta que a "desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial" [2]. Diante da mencionada excepcionalidade, será que o exequente deve pagar honorários sucumbenciais em embargos opostos à execução da qual o exequente previamente desistiu?
Os embargos à execução possuem natureza de ação autônoma [3]. Porém, essa autonomia não é absoluta, havendo inegável relação de dependência com a ação executiva que lhe precede [4]. Dito em outras palavras: o cabimento dos embargos à execução só se justifica se houver, de fato, uma ação executiva em curso.
Por essa razão, na hipótese de o credor protocolar um pedido de desistência na ação executiva e, posteriormente, o devedor apresentar embargos à execução, ao juiz caberá declarar a extinção dos embargos, dada a inexistência de pressuposto de constituição válida provocado pela desistência da ação executiva. Os embargos, portanto, ficam prejudicados.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.682.215/MG, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, fixou o seguinte entendimento: "Na hipótese, antes da citação dos devedores, o credor postulou a desistência da demanda executiva. Assim, os embargos opostos carecem de pressuposto da existência ou de constituição válida, visto que, repita-se, a desistência apresentada antes da citação, faz com que o processo principal (execução) seja extinto precocemente e a demanda incidental (embargos) fique prejudicada" [5] [6].
Referido acórdão, inclusive, prestigia a proteção do exequente em caso de demora na apreciação do pedido de desistência. Em outras palavras: se a petição de desistência não tiver sido apreciada e a citação do executado ocorrer, com a consequente apresentação dos embargos, o exequente não poderá ser prejudicado por essa demora. Nesse sentido consignou o relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: "[…] o credor não pode ser punido pela ausência de apreciação do pedido de desistência antes da efetiva citação dos executados".
Aliás, a proteção da parte pelos efeitos da demora dos serviços judiciários está prevista no artigo 240, §3º, do CPC, segundo o qual: "A parte não poderá ser prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao judiciário".
Portanto, se é verdade que os embargos à execução devem ser extintos, por ausência de pressupostos de constituição válida, pela desistência manifestada previamente na ação executiva, é igualmente verdade que a oposição dos embargos não foi causada pelo credor e, por isso, este não pode ser condenado ao pagamento de honorários de sucumbência. Esse é o entendimento exarado pelo STJ: "[o] credor não responde pelo pagamento de honorários sucumbenciais se manifestar a desistência da execução antes da citação e da apresentação dos embargos e se não houver prévia constituição de advogado nos autos" [7].
No âmbito das execuções fiscais este tema já foi objeto da súmula 153/STJ, que impõe a condenação de sucumbência ao exequente que desiste da ação de execução após o oferecimento dos embargos. Vejamos o teor do entendimento sumulado: "A desistência da execução fiscal, após o oferecimento dos embargos não exime o exequente dos encargos da sucumbência". A contrario sensu, segundo referida súmula, se a desistência da execução fiscal for anterior ao oferecimento dos embargos, o exequente não seria condenado no pagamento da sucumbência.
A partir das considerações acima expostas, é possível concluir que, segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça: 1) os embargos à execução opostos após o pedido de desistência devem ser extintos, dada a ausência de ação executiva precedente (ação principal) que justifique a oposição dos embargos (ação incidental); 2) pelo princípio da causalidade, o credor não deve ser condenado no pagamento de honorários de sucumbência quando da extinção dos embargos, uma vez que não deu causa à oposição dos embargos pela desistência manifestada na ação executiva.
[1] MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Honrários advocatícios [livro eletrônico]: sucumbenciais e por arbitramento. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 1410.
[2] Fredie Didier Jr. lembra que o controle judicial da autonomia privada no processo civil não desconfigura o negócio jurídico: "Todo efeito jurídico é, obviamente, consequência da incidência de uma norma sobre um fato jurídico; ora a lei confere à autonomia privada mais liberdade para a produção de eficácia jurídica, ora essa liberdade é mais restrita". (DIDIER JR., Fredie. Negócios jurídicos processuais atípicos no Código de Processo Civil de 2015. Revista Brasileira da Advocacia, v. 1, abr.-jun./2016, versão eletrônica).
[3] "Os embargos de executado (ou de devedor ou, ainda, embargos à execução) são ação de conhecimento, geradora de processo incidental e autônomo, mediante a qual, como a eventual suspensão da execução, o executado impugna a pretensão creditícia do exequente e a validade do processo executivo". WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. vol. 3. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 531.
[4] "Embora os embargos do devedor constituam ação autônoma, não se pode considerá-los completamente independentes, já que são o meio de defesa do executado". AgInt no AREsp nº 365.126/PR, relator ministro Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma do STJ, julgado em 27/6/2017.
[5] REsp nº 1.682.215/MG, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma do STJ, julgado em 06.04.2021.
[6] A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça já decidiu que atrai a aplicação do princípio da causalidade o credor que desiste da ação de execução após o devedor constituir advogado e indicar bens à penhora, vejamos: “[c]onsoante o princípio da causalidade, os honorários advocatícios são devidos quando o credor desiste da ação de execução após o executado constituir advogado e indicar bens à penhora, independentemente da oposição ou não de embargos do devedor à execução.” (AgInt no REsp 1.849.703/CE, relator ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 30/3/2020).
[7] REsp nº 1.682.215/MG, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma do STJ, julgado em 06.04.2021.
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