Embargos Culturais

Roberto Rosas, súmulas, teses e precedentes

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

13 de agosto de 2023, 8h00

Publicado pela primeira vez em 1978, o "Direito Sumular", de Roberto Rosas, é provavelmente nosso texto fundador de uma disciplina e de uma metodologia. À época (vigia a Constituição de 1969, ou Emenda Constitucional nº 1, como querem outros) não havia entre nós um limite preciso entre o que se entendia por jurisprudência ou por precedente. A invocação de um julgado era muito mais uma ferramenta de persuasão do que, necessariamente, uma técnica para a solução possível de determinado problema.

No contexto do Recurso Extraordinário nº 54.190, Victor Nunes Leal havia definido a finalidade, a interpretação e o sentido da aplicação de uma súmula. É provavelmente seu maior legado para o direito brasileiro. Remeto o leitor para a coleção "Memória Jurisprudencial", no volume sobre o jurista de Carangola, trabalho minucioso e definitivo, de autoria de Fernando Menezes de Almeida. Penso que o papel que Nunes Leal exercera junto à política judiciária, implementando uma metodologia de trabalho, possui equivalente na doutrina, ao estudarmos a obra de Roberto Rosas.

Spacca
Advogado atuante e militante (formado no Rio de Janeiro, e desde os anos 1960 em Brasília), profundo conhecedor do funcionamento do Foro, em todas suas dimensões, do piso (como desdenhosamente alguns dizem hoje) ao Pretório Excelso, ex-ministro do TSE, Roberto Rosas intuiu, há mais de 40 anos, o papel fundamental da decisão judicial na construção de soluções supervenientes. Biógrafo de Pedro Lessa, a quem reputou de o "Marshall brasileiro", Roberto Rosas é um realista. E é um realista que é mais realista do que muitos realistas. Sabe que o direito é, na verdade, o que o Tribunal define o que o direito seja. Essa intuição pode explicar seu enorme sucesso na advocacia, na magistratura e na docência.

Em homenagem a esse importantíssimo jurista o ministro Gilmar Mendes e o consultor legislativo do Senado e professor do IDP, Victor Marcel Pinheiro (que também estudou na Alemanha), coordenaram e publicaram pela GZ Editora um conjunto de estudos em homenagem a Roberto Rosas (Súmulas, Teses e Precedentes).

A obra enfatiza as contribuições de Rosas para o estudo dos precedentes. Essa trajetória iniciava-se com a tese de doutoramento do homenageado, "Do dirigismo jurisprudencial", defendida em 1968, junto à Universidade de Brasília. Vicente Ráo, Nelson Carneiro e Pereira Lira aprovaram a tese com o máximo louvor. A tese era (e ainda é) superlativamente inovadora, inclusive com a exploração da importância de votos vencidos "como instrumentos de futuras mudanças de interpretação e de reforma legislativa". Dez anos depois publicou seu livro inovador, acima mencionado.

Como explicam os coordenadores da obra, o livro é dividido em três partes. Explora-se a incorporação de uma cultura de respeito aos precedentes no direito brasileiro, explica-se a conformação processual dos precedentes e, ao fim, problematiza-se o papel dos leading cases dos tribunais superiores à luz dos precedentes.

Há artigos de nossos mais expressivos juristas. André Ramos Tavares, por exemplo, cuidou do dever de fundamentação e a "ratio decidendi"”. Flávio Galdino (que eu conhecia do clássico "Direitos não dão em árvores", hoje esgotado) escreveu sobre os precedentes na era da aceleração. André Rufino do Vale (autor, entre outros, de "Estrutura das Normas de Direitos Fundamentais", um dos mais iluminados constitucionalistas da nova geração) dissertou sobre as práticas de deliberação do STF e seu impacto na formação de precedentes. Paulo Mendes (meu eterno professor de precedentes) junto com Tiago do Vale (ativíssimo na PGFN) escreveram sobre a repercussão geral no recurso extraordinário e a fixação de teses pelo STF.

O livro é muita jurisprudência por metro quadrado. A contribuição de Heleno Tôrres (a repercussão geral no sistema brasileiro de precedentes) certamente é um divisor de águas na compreensão desse importante instituto. Paulo Gonet Branco (que ganhou o prêmio Jabuti em 2008 com o ministro Gilmar, e que como vice-procurador Geral Eleitoral é firme defensor de valores democráticos) trata, em quatro mãos com Pedro Henrique Gonet Branco, sobre o tema do controle de constitucionalidade concentrado de súmulas de jurisprudência. Exploram o sentido das "máximas de julgamento" como força vinculante, em algumas hipóteses.

Ingo Sarlet (em parceria com Tiago Fensterseifer) explica-nos o sentido de estado de coisas inconstitucional, no contexto do direito ambiental. Na visão de nosso grande especialista em direitos fundamentais, o reconhecimento de um estado de emergência climática, parece-me, conta com implicações jurídicas que excluem a plena discricionariedade dos órgãos estatais.

Recomendo também, como síntese do aspecto inovador do livro, o excerto de José Roberto Castro Neves (que vem publicando livros importantíssimos que relacionam direito e cultura), com o intrigante título "O caso dos tomates e a verdadeira força dos precedentes". Texto imperdível.  

"Súmulas, teses e precedentes, estudos em homenagem a Roberto Rosas" é ilustração oportuna do artigo 926 do Código de Processo Civil. Ao mesmo tempo, o livro é uma "Festschrift" memorável que revela e comprova o respeito da comunidade jurídica pela obra de um jurista completo.

Autores

  • é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC-SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. É sócio do escritório Hage, Navarro & Godoy.

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