Opinião

Juiz das garantias: um avanço civilizatório

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8 de agosto de 2023, 10h17

Nos últimos anos, sobretudo por conta dos desacertos e abusos cometidos na operação "lava jato", o sistema de justiça criminal sofreu um abalo em termos de credibilidade. Como já ressaltou o ministro Gilmar Mendes, com sua habitual contundência, a adoção do juiz das garantias pode representar um novo começo.

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O desembargador Paulo Gustavo Fontes, do TRF-3

Cheguei a abordar o tema na entrevista que dei ao site Consultor Jurídico logo após o advento da alteração legislativa. A ideia do juiz das garantias não é nova e em alguns aspectos remonta ao "juiz de instrução", tão comum na Europa, em países como França, Espanha e Portugal. O juiz de instrução afirma-se na França com o Código Criminal de Napoleão, de 1808, que estabeleceu a rígida separação entre "acusação, instrução e julgamento": o juiz de instrução investiga, mas não julga, remetendo as provas obtidas para outros juízes que de fato decidirão o caso.

O cerne do sistema do juiz de instrução baseia-se na ideia de que, por ter dirigido a investigação, por vezes decretando medidas gravosas aos réus, esse magistrado não teria imparcialidade para julgar o caso. A Corte Europeia de Direitos Humanos, sediada em Estrasburgo, tem constantemente referendado esse modelo, como nos casos Piersack c. Belgique, de 1982 e Adamkiewicz c. Pologne, de 2010, entre outros.

O nosso juiz das garantias, introduzido pela Lei 13.964/19, com sua implementação suspensa por uma decisão liminar do STF, não fará investigação, que continuará a cargo da polícia e do Ministério Público. Mas será o responsável por deferir durante a investigação medidas como a prisão preventiva e a quebra do sigilo telefônico ou bancário. Como seus homólogos europeus, depois disso ele enviará o caso para o "juiz do processo".

Esse modelo é considerado hoje mais avançado que o do juiz de instrução e pode ser comparado com mais precisão com o GIP italiano (giudice per le indagine preliminari) e o JLD francês (juge des libertés et de la détention). Mas o espírito continua o mesmo: nenhum desses juízes que atuam na fase de investigação pode depois fazer parte do julgamento do caso.

As associações de magistrados tenderam a ficar contra a alteração legislativa, como se ela contivesse uma "reprovação" geral à atividade dos juízes até então. É um erro pensar assim. Ainda que motivada pelos lamentáveis acontecimentos recentes, a introdução entre nós do juiz das garantias é um avanço benfazejo, testado e aprovado em outros rincões.

Existe ainda uma preocupação quanto à sua implementação nas comarcas que só contam com um magistrado. A solução não nos parece difícil, sobretudo com o processo eletrônico. O juiz poderá ser "juiz das garantias" do colega da comarca vizinha e vice-versa. Também é importante destacar que a adoção do modelo não implicará em contratação de novos juízes ou aumento de despesas.

Só nos resta, pois, esperar que o Supremo Tribunal Federal, "firme, vigilante e resiliente", nas palavras da ministra Rosa Weber, referende a mudança no próximo dia 9/8.

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