Justiça Tributária

Crítica construtiva sobre o supérfluo Imposto Seletivo da PEC 45-A

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

7 de agosto de 2023, 8h00

Ao contrário da maledicência que se escuta aqui e acolá, de que os advogados tributaristas são contra a reforma tributária porque perderão honorários em face da "simplificação" que está sendo proposta, apresento mais um texto com críticas construtivas visando aperfeiçoar o que se debate atualmente no Senado, a PEC 45-A, já aprovada na Câmara dos Deputados.

Nela é prevista a criação de dois impostos e duas contribuições sobre o consumo. Deixarei para outra oportunidade a análise da estapafúrdia contribuição que os Estados poderão cobrar (artigo 20, PEC) e centro a atenção nos demais: o Imposto Seletivo (IS), em correlação com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Spacca
O IS consta no artigo 153, VIII, da PEC, atribuindo competência à União para instituí-lo sobre "produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei". A ideia, declarada pelos autores da PEC, é que tal imposto venha a substituir o atual IPI.

À primeira vista parece algo bastante positivo, pois sua incidência corresponderá àquilo que se na doutrina se identifica como imposto sobre externalidades, também conhecida pelo nome de excise tax ou tributo sobre o pecado – embora a denominação não esteja completamente adequada à descrição normativa proposta. Na verdade, este tipo de tributo é conhecido como imposto pigouviano, em homenagem ao economista britânico Arthur C. Pigou, que expôs seus fundamentos teóricos na primeira metade do século 20.

A ideia de Pigou se baseia na seletividade, tributando mais fortemente atividades que gerem externalidades negativas, tais como poluição ou malefícios à saúde, e privilegiando externalidades positivas, como as que se referem a bens e serviços de primeira necessidade para a população. Na origem discutia-se fortemente sua incidência sobre a renda e lateralmente sobre o consumo, tendo havido muito debate teórico acerca de sua mensuração, mas esse é um aspecto que deixarei de lado, pois as alíquotas do IS ainda não foram apresentadas, e, tal qual redigido, atingirá apenas as externalidades negativas.

Na PEC, a ideia é que o IS possa incidir sobre distintas etapas econômicas (produção, comercialização ou importação) tributando bens e serviços que sejam prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, o que será definido por lei ordinária da União.

Consta ainda que ao IS não se aplicará o Princípio da Anterioridade (artigo 150, §1º), e que poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais (artigo 155, §3º) e não incidirá sobre as exportações (artigo 155, §6º).

Aspecto pernicioso do IS é que ele integrará a base de cálculo do IBS e da CBS (que substituirão o ICMS, ISS, PIS e Cofins), ou seja, será um tributo que incide sobre a base de cálculo de outros (artigo 153, §6º, II), o que vem ocasionando muita discussão judicial (vide, por todos, o debate sobre o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, e as teses filhotes).

Além disso, como se fosse pouco, o IS ainda "poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos" (artigo 153, §6º, III), o que abre um leque para superposições tributárias inadequadas e indevidas.

No que se refere à Zona Franca de Manaus, durante o período de transição entre o sistema atual e o proposto, o IS poderá "alcançar a produção, comercialização ou importação de bens que tenham industrialização na Zona Franca de Manaus", porém garantindo tratamento favorecido às operações que forem originadas naquela região  o que cria uma distinção peculiar, entre o que é industrializado e o que lá é originado. A mesma lógica será aplicada às áreas de livre comércio instituídas até 31 de maio de 2023 (artigo 92-B).

Exposto o IS, observemos a questão das alíquotas no IBS e na CBS.

É previsto que tanto o IBS (que substituirá o ICMS e o ISS) quanto a CBS (que substituirá o PIS e a Cofins) terão alíquota de referência para cada esfera federativa, fixada pelo Senado (artigo 156-A, §1º, XII), sendo que cada Estado e Município fixará sua alíquota própria do IBS por lei específica (artigo 156-A, §1º, V), a qual será a mesma para todas as operações com bens e serviços, ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição (artigo 156-A, §1º, VI). Os estados e municípios poderão optar por vincular suas alíquotas de IBS àquela que vier a ser estabelecida como de referência pelo Senado (artigo 156-A, §9º).

Esse conjunto de normas implica na possibilidade de haver uma alíquota única para a CBS (a federal, que ironicamente já foi batizada de maldita, segundo Everardo Maciel) e alíquotas diferentes em cada estado e município, dentro do leque que o Senado vier a criar para o IBS.

Exposto o que consta na PEC, qual a crítica construtiva? Eliminar o Imposto Seletivo (IS) do projeto e criar uma alíquota superior na CBS, que servirá para tributar as externalidades negativas.

Deve-se registrar que no desenho original da PEC 45 o IS fazia todo sentido, pois haveria  uma alíquota única. Porém, foram estabelecidas alíquotas diversas, e o IS permaneceu após o rolo compressor que foi a votação na Câmara, pelo qual os deputados sequer tiverem tempo de analisar o Substitutivo aprovado, que se constitui na PEC 45-A.

Será mesmo necessário criar esse novo imposto? A presente proposta eliminaria a chance de o IS se tornar outra fonte de problemas para seus contribuintes. Fica a dica para os senadores.

Tal como está construída a PEC 45-A, neste e em outros pontos, torna-se cada vez mais segura a possibilidade de nós, advogados tributaristas, virmos a ganhar bons honorários com seu advento durante as próximas três gerações  ao contrário do que vem sendo divulgado.

Autores

  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

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