Fusões e aquisições

Justiça não invade competência do Cade ao apontar critérios de fundamentação

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5 de agosto de 2023, 9h50

Uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) que determinou que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) considerasse os impactos de fusões e aquisições sobre os empregos tem provocado debate na comunidade jurídica. 

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Decisão do TRT-15 que manda Cade considerar impacto social em fusões e aquisições tem provocado debate
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O entendimento sobre o tema está longe de ser unânime, mas a maioria dos especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico acredita que a decisão da Justiça Trabalhista não é de todo descabida e nem invadiu a competência da autarquia. 

O jurista e sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados, Lenio Streck, afirma que a decisão é constitucional. "O Cade não faz controles no vácuo. Há empregos em jogo. Nenhuma instituição é uma ilha. Tratando-se de um órgão que tem a função de regular e controlar fusões de transferências, naturalmente e consequentemente tendo relação com empregos, há ligação com os direitos sociais e com o próprio conceito de empresa naquilo que consta no artigo 219, da Constituição Federal. Não é desarrazoado que a Justiça do Trabalho intervenha", explica. 

Opinião parecida tem Marcos Poliszezuk, sócio fundador do Poliszezuk Advogados. "Em uma primeira análise, a proteção aos postos de trabalho não se configura como prerrogativa instrucional do Cade, porém não pode este se furtar à valorização do trabalho humano em comunhão com a livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a toda sociedade a sua existência digna conforme os ditames da justiça social previsto no artigo 170 da Constituição Federal, ou seja, a livre concorrência, a defesa do consumidor e a busca pelo pleno emprego, incisos IV, V e VIII respectivamente", defende.

José Inácio Gonzaga Franceschini, sócio do escritório Franceschini e Miranda Advogados explica que existe muita confusão sobre a decisão. "A leitura que vem sendo feita é errada. Na decisão a desembargadora deixou claro desde o começo que o Cade não tem competência para tratar da questão trabalhista", diz. 

Franceschini afirma que a decisão se limita aos parâmetros dos pedidos feitos pelo Ministério Público do Trabalho. Nesse sentido, quando o ato julgado envolver redução de custos e dispensa em massa, a decisão estabelece que o Cade considere a função social da propriedade nos processos de fusão. 

O especialista explica que considerar a função social da propriedade não envolve necessariamente a preservação de empregos. Ele cita como exemplo o caso da Kodak. "A Kodak fechou porque ninguém queria comprar mais seus produtos. Como manter funcionários trabalhando para produzir um produto que ninguém quer? Não existe isso. A função social é aquilo que é o melhor para a sociedade, que deseja produtos mais inovadores e baratos, de acordo com o objetivo da livre iniciativa", resume. Ele acredita que a decisão não pode ser interpretada de forma literal. 

Críticas
José Del Chiaro
, sócio da Advocacia Del Chiaro, adota um tom mais crítico em relação ao caso. "Decisão judicial se cumpre, mas de decisão judicial equivocada se recorre e, possivelmente, ela é revertida", afirma. 

O especialista explica que a competência do Cade é muito clara no sentido de cuidar, fiscalizar e implementar a competitividade e a livre concorrência. "É óbvio que o Cade, quando faz uma análise, ele sopesa, verifica quais são as eficiências dessa operação de fusão. E, ao fazer isso, ele até pode incluir questões de nível social. Mas isso é uma análise própria, dentro da competência do Cade, que tem uma abrangência muito grande em verificar o que é melhor para o mercado", sustentou. 

O advogado Pedro Abreu, sócio da área trabalhista do DC Associado, também vê inconsistências na decisão do TRT-15. "A Justiça do Trabalho não é competente para análise da matéria, já que em momento algum está em discussão a relação de emprego ou de trabalho de trabalhadores de determinada empresa ou mesmo de uma categoria específica", afirma. 

Ele explica que o entendimento do MPT e que foi acolhido em parte pelo TRT da 15ª Região é que a Constituição Federal, por meio dos seus princípios sociais e protetivos do trabalho, permite concluir que o Cade tem a obrigação de considerar as repercussões sobre as relações de emprego na análise de processos de fusão e aquisição mesmo que a legislação específica (Lei 12.529/11) não o obrigue.

"A recente decisão mais uma vez traz à tona a discussão da atuação do Judiciário, em especial o Trabalhista, em impor obrigações não previstas expressamente na legislação ordinária, utilizando-se como fundamento princípios constitucionais abstratos", argumenta. 

Caso concreto 
A decisão do TRT-15 foi provocada por ação civil pública do Ministério Público do Trabalho contra o Cade. O MPT questiona a conduta do conselho na aprovação da fusão das empresas Citrosuco e Citrovita, em dezembro de 2011. O negócio provocou demissão em massa nas cidades de Matão e Limeira, ambas no interior paulista. 

No voto vencedor, a relatora, desembargadora Maria da Graça Bonança Barbosa, afirmou que o Cade deve “fundamentar suas decisões com a devida consideração às repercussões, para o ato de concentração sob análise, da função social da propriedade, da livre iniciativa e do valor social do trabalho, nos termos da Constituição Federal”.

Processo 0012149-49.2014.5.15.008

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