Prática Trabalhista

STF e o debate sobre a contribuição assistencial instituída por sindicatos

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

27 de abril de 2023, 8h00

No último dia 21 de abril de 2023, o ministro Alexandre de Moraes, integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista [1] num importante caso que irá definir a constitucionalidade ou não da cobrança a empregados não filiados das contribuições assistenciais instituídas por sindicatos, mediante autorização da categoria profissional manifestada em assembleia.

Por certo, o assunto é polêmico, tanto que, em razão das diversas matérias que foram veiculadas na mídia nos últimos dias, foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [2], razão pela qual agradecemos o contato.

O leading case [3] abordou a questão da (in)constitucionalidade da imposição compulsória de pagamento da contribuição assistencial, por meio de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, aos empregados de categoria profissional não sindicalizados. Por maioria de votos, a tese fixada na época pela Suprema Corte, ao apreciar o Tema 935 da Repercussão Geral, foi a seguinte: "É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados".

Ocorre que, numa reviravolta de entendimento, a Suprema Corte sinalizou uma mudança de posicionamento a respeito de tal temática. O relator, ministro Gilmar Mendes, alterou posição anterior para acompanhar o voto do ministro Luís Roberto Barroso, passando a considerar constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletiva, de contribuição assistencial a ser cobrada de todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurando o exercício do direito de oposição. Essa abrupta mudança de opinião ocorreu no voto proferido no julgamento dos embargos de declaração opostos contra o acórdão proferido no ARE 1.018.459 [4]. Anteriormente, em seu voto proferido em 23/2/2017, o ministro Gilmar Mendes entendia até então ser inconstitucional a referida cobrança.

Spacca
É importante contextualizar que, até aquele ano, o entendimento da Corte Suprema era no sentido de reputar inconstitucional a imposição da contribuição assistencial a empregados não sindicalizados em razão da previsão legislativa, então existente, da contribuição sindical obrigatória, de caráter tributário, exigível de toda a categoria, independentemente de filiação. Como o trabalhador não sindicalizado, na prática, já custeava o sistema sindical por meio do conhecido "imposto sindical", consideravase inconstitucional que a contribuição assistencial (estabelecida por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa) lhe fosse igualmente compelida.

Nesse diapasão, o entendimento jurisprudencial sempre caminhou no sentido de reputar inconstitucional a cobrança da contribuição assistencial a trabalhadores não filiados aos seus respectivos sindicatos. Contudo, pós advento da Lei 13.467/2017 [5], a contribuição sindical, assim chamada de "imposto sindical" em razão de sua obrigatoriedade, passou a ser facultativa.

De mais a mais, se é verdade que os sindicatos ganharam mais poder com as inovações trazidas pela Lei 13.467/2017, de igual modo se pode dizer que, na mesma proporção, perderam forças nas negociações em razão da ausência de obrigatoriedade do pagamento do imposto sindical.

Não por outra razão que, em seu novo parecer, o ministro Gilmar Mendes destacou que se tratava de impor o retorno do "imposto sindical", e sim de promover mera recomposição do sistema de financiamento dos sindicatos em face da realidade normativa inaugurada pela Lei Reformista [6]: "Havendo real perigo de enfraquecimento do sistema sindical como um todo, entendo que a mudança de tais premissas e a realidade fática constatada a partir de tais alterações normativas acabam por demonstrar a necessidade de evolução do entendimento anteriormente firmado por esta Corte sobre a matéria, de forma a alinhá-lo com os ditames da Constituição Federal".

Aliás, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o número de trabalhadores filiados a sindicatos trabalhistas teve uma queda de 21,7% desde a vigência da reforma trabalhista [7]. A pesquisa foi divulgada no ano de 2020.

De um lado, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe, em seu artigo 578 [8] alterado pela Lei 13.467/2017, que a contribuição sindical será recolhida desde que tenha sido previamente autorizada expressa e individualmente pelo trabalhador. Lado outro, a Constituição Federal de 1988 discorre em seu artigo 8º, inciso IV [9], a respeito da contribuição confederativa.

Bem por isso, a exigibilidade das contribuições sindical e confederativa era restrita, por força de lei, aos trabalhadores sindicalizados, sendo esta a diretriz do precedente vinculativo trazido na Súmula Vinculante 40 do próprio STF [10], aprovada em sessão plenária do dia 11/3/2015, que prevê que "a contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo".

Entrementes, a contribuição assistencial prevista no artigo 513, "e", da CLT, a qual preceitua que o sindicato tem por prerrogativa "impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas", tem sua arrecadação vinculada ao financiamento de atuações específicas dos sindicatos em negociações coletivas. Como a jurisprudência do STF, construída ao longo dos últimos anos, passou a conferir maior poder de negociação aos sindicatos (ARE 1.121.633 — Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral) [11], identificou-se uma aparente contradição entre prestigiar a negociação coletiva e, ao mesmo tempo, esvaziar a possibilidade de sua realização, ao impedir que os sindicatos recebam por uma atuação efetiva em favor da categoria profissional.

E a respeito do assunto, oportunos são os apontamentos do professor e juiz do Trabalho, dr. Homero Batista [12]:

"Considerando-se a omissão do legislador brasileiro, os sindicatos se apoiam basicamente na letra do art. 513, e, da CLT, para fixarem, normalmente em norma coletiva, a contribuição assistencial — sem prejuízo da contribuição sindical do art. 578 da CLT e a contribuição confederativa do art. 8º, IV, da CF/1988 —, mas em geral ela se apresenta apenas como uma forma embrionária do ideal de contribuição negocial, dado que, normalmente, aparece em valor fixo, pré-datado e desvinculado de qualquer negociação ou campanha salarial.

Houve entendimentos respeitáveis quanto à possível não recepção do art. 513, e, da CLT, pela Constituição Federal de 1988.

Pairam dúvidas sobre a recepção do art. 513, e, da CLT, após a Constituição Federal de1988, ou, em outras palavras, há controvérsia sobre a possibilidade de o sindicato impor outras contribuições além daquela tributária (contribuição sindical do art. 578 da CLT) e daquela autorizada pela norma constitucional (contribuição confederativa)".

Atualmente, o Precedente Normativo 119 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) [13] considera ofensiva a cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, estabelecendo cobrança de receitas sindicais para trabalhadores não sindicalizados. Na mesma perspectiva é o entendimento sedimentado na Orientação Jurisprudencial 17 [14] da Seção de Dissídios Coletivos (SDC) da Corte Superior Trabalhista.

E como já há cinco votos — ao menos até a data da publicação deste artigo em 27/4/2023 — no sentido a confirmar o novo entendimento do STF pela exigibilidade, como regra, da contribuição assistencial (ministros Gilmar Mendes, Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Dias Toffoli), estando pendentes os votos dos Ministros Luiz Fux, Nunes Marques, André Mendonça, Rosa Weber e Alexandre de Moraes, quem aliás pediu vista, tudo indica que o Supremo alterará a jurisprudência do TST que sempre foi proibitiva à cobrança aos trabalhadores não filados a sindicatos, ao assegurar o livre direito de associação e sindicalização (CF/88, artigos 5º, XX, e 8º, V).

Na prática, a cobrança da contribuição assistencial, a ser instituída via assembleia pelos sindicatos, trará valores que serão definidos por cada categoria profissional. E, mais, além da própria periodicidade da cobrança a ser fixada mensalmente, a depender do que for previsto nos instrumentos coletivos trabalho, poderá, doravante, alcançar patamares muito superiores ao antigo imposto sindical que, no passado, se limitava ao desconto de um dia de salário no mês de março na folha de pagamento.

Por todo o exposto, sendo confirmado o novo entendimento do STF no sentido da tornar compulsória a contribuição assistencial, perde objeto a noticiada reforma no sistema sindical brasileiro que estava sendo articulada pelo governo federal com as centrais sindicais, considerando que haverá naturalmente o retorno das receitas financeiras aos sindicatos.

Em arremate, cabe destacar que as empresas deverão ficar atentas para que seja possibilitado o exercício do direito de oposição, evitando, com isso, processos judiciais futuros movidos por trabalhadores em razão de descontos indevidos. E, a despeito do resultado do julgamento, dúvidas ainda permanecem em torno do direito de oposição, afinal, será ele individual ou coletivo; exercitado via e-mail, WhatsApp, correspondência por correio com aviso de recebimento ou, ainda, pelo comparecimento pessoal do trabalhador nas dependências do sindicato? Enfim, resta saber como será o procedimento a ser adotado para quem desejar exercitar tal direito de oposição e, sobretudo, como as empresas abonarão faltas e/ou ausências para estes afastamentos!

 


[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[8] Art. 578. As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação de contribuição sindical, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, desde que prévia e expressamente autorizadas.

[9] Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…). IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

[11] Tese: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".

[12] Direito do Trabalho Aplicado: Teoria geral de direito do trabalho e do direito sindical — São Paulo: Thompson Reuters, 2021 (Coleção Direito do Trabalho Aplicado; Volume 1), página 405.

[13] CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS – INOBSERVÂNCIA DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS — (mantido) – DEJT divulgado em 25.08.2014. "A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados."

[14] CONTRIBUIÇÕES PARA ENTIDADES SINDICAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA EXTENSÃO A NÃO ASSOCIADOS. (mantida) — DEJT divulgado em 25.08.2014. As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados.

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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