Opinião

Consumidor ficou de fora dos benefícios da "tese do século"

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27 de abril de 2023, 6h05

A Lei 12.741 de 8 de dezembro de 2012, conhecida como lei da transparência fiscal, determina que, nas vendas ao consumidor, nas notas fiscais ou equivalentes, deverá constar o valor (ou percentual) aproximado dos tributos (federais, estaduais e municipais) cobrados que incidiram na formação dos preços de vendas. A lei, além de informativa, inaugurou um novo pacto obrigatório de transparência e lealdade entre o vendedor e consumidor, pelo qual o vendedor obriga-se perante o consumidor a recolher ao Estado os tributos incluídos no preço da mercadoria/serviço e declarado na nota fiscal.

Pois bem, está em andamento acelerado a fase de pagamento (ou compensação) dos créditos tributários decorrentes da histórica "tese do século", acatada pelo STF em 15 de março de 2017, consistente na exclusão do ICMS da base de cálculo dos tributos federais PIS e Cofins, resultando em uma conta para a Fazenda Pública Nacional pagar estimada entre R$ 250 bilhões e R$ 500 bilhões. Para melhor compreensão do tamanho estratosférico do pagamento, é boa a comparação com orçamento federal da saúde, R$ 146 bilhões para todo ano de 2023.

A "tese do século" foi levantada por empresas (comerciantes, circuladores de mercadorias e serviços) obrigadas a pagar PIS e Cofins para o governo federal e recolher ICMS para os governos estaduais. O STF, mesmo após anos de funcionamento da sistemática de inclusão do ICMS no faturamento, base de cálculo do PIS e Cofins, por interpretação constitucional, entendeu (por 6 a 4) que o ICMS deveria ser excluído, por ser valor destinado aos estados federados, tendo apenas passagem no caixa da empresa obrigada a recolher

Em decorrência, milhares de precatórios (ou compensação com dívidas tributárias) de pequenas e grandes fortunas estão sendo expedidos pelos tribunais federais em favor de varejistas, comerciantes, redes de supermercados, em decorrência de milhares de ações judiciais. A relação jurídico-tributária entre o contribuinte do PIS e Cofins e a Fazenda Nacional está sendo resolvida com saques de milhões do erário. A relação jurídica conexa entre o contribuinte/vendedor e o consumidor final, consistente em recolher integralmente os tributos incidentes declarados na nota fiscal (e, por consequência, devolver em caso de redução), foi desconsiderada e contornada.

Pela jurisprudência, o sujeito passivo do tributo, no caso os pagadores de PIS e Cofins, é quem tem legitimidade para pedir restituição de tributo pago indevidamente. Entretanto, o artigo 166 do Código Tributário Nacional estabelece que, para ser possível a restituição do tributo pago indevidamente, deve o sujeito passivo: 1) provar que assumiu o ônus financeiro do tributo ou, 2) caso tenha transferido a terceiros o encargo financeiro, tenha autorização expressa para pleitear a devolução. No mesmo sentido a súmula 546 do STF: "Cabe restituição do tributo pago indevidamente quando reconhecido por decisão que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantun respectivo".

Neste caso da "tese do século", o valor bilionário das devoluções e o fato novo da lei da transparência fiscal, que impôs a declaração dos tributos incluídos nos preços das mercadorias/serviços, permitem trazer ao debate a figura do contribuinte de fato, o consumidor, milhares de cidadãos que pagaram a parcela do PIS e Cofins declarada inconstitucional embutida nos preços das mercadorias e serviços, mas está ficando de fora das benesses da devolução e, ao que parece, não autorizou expressamente a ação judicial pelo contribuinte de direito, conforme manda a lei, até mesmo pela dificuldade funcional dessa tarefa.

Ora, se o vendedor declarou ao consumidor que iria recolher determinado valor ou percentual de tributo incluído no preço da mercadoria/serviços, mas posteriormente conseguiu redução do tributo, parece insustentável o vendedor ficar com a valor suportado pelo consumidor, realizando um tipo de enriquecimento injustificado ou apropriação indevida. O sistema legal e judicial tem de estar assentado também sobre uma base forte de moralidade e justiça, especialmente neste quadrante da história, onde a proteção ao consumidor deve ser predominante e a promessa de transparência e lealdade está determinada por lei e registrada na nota fiscal de venda.

Por fim, o mega problema também deve ser visto pelo ângulo da demora do STF para julgamento e conclusão do caso. O processo chegou ao STF em 13/12/2007, via recurso extraordinário. Foi julgado em março de 2017 e modulado (concluído) via embargos de declaração, em maio de 2021, resultando substancial redução do valor da devolução tributária, pela limitação da validade do julgamento a partir de 15/3/2017 (data do julgamento), ressalvadas ações judiciais e administrativas protocoladas antes.

O exorbitante estoque de processos aguardando julgamento no STF leva a esses desatinos processuais. Processo de tamanha importância demorar dez anos para ser julgado e quatro anos para ser complementado. Não bastasse, teve ainda, no mérito, a mudança de uma sistemática utilizada por décadas, imposta com efeito parcial para o passado, com repercussão difusa na economia popular e nos direitos do consumidor. A demora para esclarecer a vigência da decisão, de 2017 a 2021, ficou como prêmio, de duvidosa legitimidade, para os defensores da nova sistemática. Os consumidores finais, que suportaram financeiramente a verba em devolução, ficaram a ver navios. O respeitável acerto judicial não fez justiça. Com a palavra os órgãos de defesa dos consumidores.

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