Prática Trabalhista

eSports: limbo jurídico dos atletas e as adversidades trabalhistas

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

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  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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20 de abril de 2023, 8h00

Indubitavelmente, um assunto extremamente polêmico e sensível refere-se ao crescimento dos esportes eletrônicos e as questões envolvendo a sua regulamentação jurídica, principalmente no que tange aos direitos e proteção social das pessoas envolvidas nessa relação.

Impende destacar que "entendem-se por eSports, esportes eletrônicos ou ciberesportes as atividades competitivas realizadas através de dispositivos como computadores, consoles e telefones celulares" [1].

Segundo a consultoria Newzoo, no ano de 2021, a indústria global de games movimentou quase US$ 176 bilhões, sendo que a expectativa para o ano de 2023 é que este valor alcance o montante de US$ 200 bilhões [2].

De um lado, um levantamento feito pela Pwc Brasil apontou que o mercado de games e eSports deve dobrar no Brasil, sendo que a estimativa é que a receita no país chegue a US$ 2,8 bilhões no ano de 2026 [3]. Lado outro, os dados obtidos pela consultoria Alvarez & Marsal revelam que as receitas até 2024 atingirão o importe de US$ 1,6 bilhões [4]. Já a Pesquisa Game Brasil (PGB) retratou que 58,3% dos gamers brasileiros acreditam que o setor de jogos eletrônicos apresenta boas oportunidades de carreira [5].

Spacca
Nesse diapasão, algumas dúvidas e questionamentos surgem no que diz respeito à relação de trabalho envolvendo essas pessoas, que são conhecidas como cyberatletas, tanto que a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [6], razão pela qual agradecemos o contato.

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, conhecida como Lei Pelé, instituiu normas gerais sobre o desporto. Aliás, o Projeto de Lei 3.450/2015, que altera a referida legislação para reconhecer o desporto virtual como prática esportiva [7], encontra-se aguardando designação de relator(a) na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.

Noutro giro, o Projeto de Lei 205/23 [8] dispõe especificamente sobre esta temática, de modo que pelo conteúdo do texto "considera-se 'esports' ou 'esportes eletrônicos' as disputas em jogos eletrônicos em que os participantes, sendo atletas profissionais ou não, contra conhecidos ou desconhecidos, de forma online ou presencialmente, competem com recursos tecnológicos da informação e comunicação, sendo o resultado determinado preponderantemente pelo seu desempenho intelectual e destreza".

Frise-se que, recentemente, a ministra do Esporte declarou que não considera os esportes eletrônicos como esportes, de modo que tal declaração repercutiu negativamente com diversas críticas por pessoas do segmento [9].

À vista disso, percebe-se que a questão envolvendo os cyberatletas enfrenta desafios jurídicos, tendo em vista as particularidades que envolvem esta temática, muito embora parcela da doutrina defenda que tal situação seja enquadrada como um contrato especial de trabalho desportivo.

Nesse sentido, oportunos são os ensinamentos de Andrea Maria Limongi Pasold e Douglas Cardoso Silveira [10]:

"Embora tenha-se diversas discussões acerca da natureza jurídica da relação entre atleta e organizações de esportes eletrônicos, pode-se aclarar com veemência que a melhor forma de firmar contratos de trabalho para estes atletas é observando a Lei Pelé, mais precisamente os seus artigos 28 e seguintes, sendo tal contrato nominado como contrato especial de trabalho desportivo.

Além disso, pode-se citar que a organização poderá firmar contrato de formação com atleta que tenha de 14 (quatorze) a 20 (vinte) anos, pagando uma bolsa aprendizagem, sem que se tenha vínculo de emprego, nos termos do §4º do art. 29 da Lei Pelé.

Cabe ressaltar que no ano de 2017, a Associação Brasileira de Clubes de Esporte Eletrônicos, em parceria com a Riot Games, determinou que as organizações teriam de firmar contratos de trabalho com seus jogadores para a participação do CBLol. Contudo, tal determinação não foi completamente respeitada, pois, em 2021, ainda existiam algumas poucas equipes utilizando o contrato de prestação de serviço subordinado.

(…) Deste modo, pelo aclarado, demonstra-se amplamente que o contrato de trabalho especial, regido pela Lei Pelé, é o mais utilizado nos dias atuais, o que minimiza os riscos inerentes ao vínculo de emprego havido entre os atletas e organizações, ao mesmo tempo que não deixa a situação em limbo jurídico".

Destarte, além da questão normativa, outro ponto de grande relevância e que merece atenção diz respeito as questões de saúde, higiene e segurança, notadamente em virtude do uso excessivo da tecnologia digital. Vale destacar que, dentre os problemas mais comuns, e que ainda são ignorados pelos jogadores profissionais, tem-se a perda de visão, os problemas digestivos e as lesões nas mãos [11].

Sob esta perspectiva, uma equipe de esportes eletrônicos firmou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT), na qual se comprometeu a regularizar a situação de seus jogadores profissionais, ou seja, dos cyberatletas, em virtude de uma denúncia por irregularidades trabalhistas que teriam culminado no agravamento das condições de saúde de um cyberatleta, falecido em 2019 [12].

Dentre as obrigações legais pactuadas no TAC, além do comprometimento em registrar os jogadores contratados, a empresa foi obrigada a propiciar um ambiente de trabalho com condições apropriadas de segurança e saúde.

A propósito, este mesmo caso foi levado a julgamento na Justiça do Trabalho, na qual a empresa foi condenada ao pagamento de uma indenização de R$ 400 mil à família do cyberatleta [13]. O processo encontra-se em fase recursal. Em seu julgamento, a magistrada ponderou:

"[…] embora a inexistência de norma com abordagem específica ao contexto no qual o eSport está inserido, mercê de sua recente ascensão não só no mundo do entretenimento, como na seara profissional, não se pode ignorar os inúmeros riscos aos quais estão expostos os atletas que dele fazem partes. E isto notadamente se se considerar a relação quase umbilical e diuturna que mantêm com os computadores e avanços tecnológicos a eles agregados, o que implica horas ininterruptas de concentração em frente de monitores, em que, mediante questionáveis posturas corporais, os jogadores operam determinado tipo de controle/equipamento, através de movimentos repetitivos, cadenciados e coordenados demãos e punhos".

Bem por isso, inobstante os esportes eletrônicos não representem uma novidade na sociedade, fato é que com os avanços e o desenvolvimento tecnológicos acontecendo numa velocidade sem precedentes, por certo, tornaram essa realidade ainda mais presente e latente.

Em arremate, é preciso um olhar cauteloso para que, além do respeito aos direitos sociais constitucionalmente garantidos, tais pessoas não fiquem numa situação de limbo jurídico. É necessário o debruçar sobre o assunto, trazendo uma regulamentação clara, transparente e específica, que assegure direitos e viabilize um meio ambiente saudável e equilibrado.

 


[1] Disponível em https://cbge.com.br/institucional#esporte-eletronico. Acesso em 17/4/2023.

[6] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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