Opinião

A relação entre a corrupção e o direito público (parte 2)

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do Grupo Temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

18 de abril de 2023, 9h17

Continuação da parte 1
Em continuidade aos comentários sobre o livro do professor argentino Héctor A. Maíral As Raízes Legais da Corrupção [1], em uma segunda parte do livro o autor trata da insegurança jurídica como um dos fatores que contribuem para a corrupção no âmbito da administração pública.

Maíral traz como os principais que causam insegurança jurídica e, em consequência, contribuem para a disseminação da corrupção na administração pública o desconhecimento da norma, a falta de clareza e/ou ambiguidade da norma, a existência de normas de validade duvidosa, a restrição do acesso à justiça, a violência do Estado contra os cidadãos e a conduta de desprezo do Estado pela própria lei.

Em relação ao fator relacionado ao desconhecimento da lei o autor sustenta que uma grande parte das leis não são conhecidas sequer pela administração pública, a qual, em alguns casos, aplica leis já revogadas, não se podendo exigir, dessa forma, que o cidadão tome conhecimento de todas as leis publicadas.

O autor, a quantidade "exagerada" de leis existentes e o seu desconhecimento por parte da administração pública e dos cidadãos contribuem para o aumento da corrupção.

Nesse sentido, o autor sugere como forma de ampliar o conhecimento das leis, que as repartições públicas organizassem suas respectivas legislações e, posteriormente as disponibilizasse ao público, principalmente por meios eletrônicos, entanto, tem clareza que tal providência, por si só, não é suficiente

Um outro fator elencado por Héctor A. Maíral é a falta de clareza e a ambiguidade da norma, isso porque propicia mais de uma interpretação possível para uma determinada lei possibilita que cada indivíduo a interprete da forma que lhe seja mais conveniente, mais restrita ou de modo mais amplo, o que segundo o autor, está muito presente nos regulamentos, razão pela qual tece várias críticas a esta modalidade de regulamentação.

O autor elenca como alguns pontos que contribuem para a ambiguidade das normas o descuido com o vocabulário, a baixa qualidade da norma legislativa, entre outros, sugerindo ainda a limitação para o futuro da interpretação das normas e a aplicação do princípio "contra stipulatiorem" [2] como formas de diminuir a referida ambiguidade.

A dúvida quanto à validade da norma também é um fator, indicado pelo autor, que causa insegurança jurídica ao ordenamento jurídico, isso ocorre em razão do grande número de normas editadas pelo Poder Executivo argentino, que ocorreu em face do alargamento dessa possibilidade trazida pela reforma constitucional de 1994, sendo que Héctor A. Maíral sugere que o ônus da ambiguidade da norma seja suportado pelo Estado, já que é responsável pela sua elaboração.

A restrição do acesso à justiça é descrita pelo autor como um outro fator causador de insegurança jurídica, quer seja em razão das dificuldades financeiras para se ingressar com as respectivas ações judiciais, quer seja em razão das travas procedimentais existentes na justiça argentina, impedimentos legais ou ainda ao sistema recursal.

Nesse sentido, o autor fala ainda da imposição de multas nos casos em que a parte é sucumbente, mesmo agindo de boa-fé e apresentando argumentos sólidos.

Héctor A. Maíral traz a violência do Estado contra os cidadãos como um outro fator de insegurança jurídica e, em consequência, raiz da corrupção, tendo em vista que quando se aplica a lei de uma forma equânime, sem se observar as diferenças entre os indivíduos, o que possibilita busca um tratamento diferenciado, por meio da barganha, por aqueles que possuem mais condições financeiras, econômicas ou influência política.

O autor sustenta também que os crimes praticados contra a Administração Pública possuem um tratamento mais benevolente, enquanto outros crimes, a exemplo da sonegação fiscal, possuem sanções mais severas, sendo inclusive inafiançáveis, o que contribui para uma maior permissividade dentro da administração pública, ante o incentivo da baixa punitividade.

Ainda nesse ponto o autor critica ainda a punição nos casos de existência de dúvida razoável e a aplicação dos anos punitivos.

Por fim, Héctor A. Maíral elenca o desprezo do próprio Estado pelo lei como um fator de insegurança jurídica, isso porque é um dos descumpridores da lei, quer seja sob o fundamento do cumprimento de suas finalidade públicas, quer seja em razões de outros motivos legais.

Esse é, para autor, um fator determinante causador de insegurança jurídica, já que o próprio responsável pela elaboração das leis e demais normatizações, as descumpre, caracterizando tal conduta como uma verdadeira ausência de Direito [3].

Enumerados os fatores que trazem insegurança jurídica para o ordenamento jurídica e, por conseguinte, contribuem para a expansão da corrupção, o autor discorre sobre suas consequências, especialmente o decréscimo da cidadania, o que é causa para a implantação do autoritarismo.

A forma como os funcionários públicos são tratados e a ausência de autonomia destes para a busca de soluções mais eficientes para o Estado também prejudicam o próprio Estado e favorecem à proliferação da corrupção.

Nesse sentido, o autor questiona as formas de investigação utilizadas pela administração pública, especialmente quanto aos sujeitos que devem ser investigados [4], momento em que sugere a utilização da "doutrina da imunidade do funcionário público" criada pela jurisprudência norte-americana para proteger os funcionários nas causas judicias onde são partes em razão das decisões administrativas tomadas.

Após enumerar os fatores que causam insegurança jurídica, contribuindo para a proliferação da corrupção na administração pública e as suas principais consequências, o autor busca, na experiência europeia, inspiração, por meio da aplicação dos princípios da certeza legal, do respeito às legítimas expectativas, entre outros, como uma maneira de se evoluir de modo a alterar o cenário de corrupção existente no país.

 


[2] MAÍRAL, Héctor A. as raízes legais da corrupção ou como o direito público fomenta a corrupção em vez de combatê-la. É o princípio "segundo o qual, no caso de dúvida, os inscritos se interpretam contra seu autor, neste caso, contra o Estado e a favor do particular". (p. 64)

[3] MAÍRAL, Héctor A. as raízes legais da corrupção ou como o direito público fomenta a corrupção em vez de combatê-la.: "Quando o próprio autor do Direito e aquele que deveria garantir sua aplicação o ignora, o problema supera a mera insegurança jurídica para desembocar na ausência de Direito". (p. 90)

[4] Idem: "Perder tempo investigando os honestos é uma das maneiras de não ter tempo para investigar os corruptos". (p. 99)

Autores

  • é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, especialista em função social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), mestre em políticas públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJ-DF, integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

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