Prática Trabalhista

Arquivamento de reclamação e uma análise sob a ótica da perempção

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

13 de abril de 2023, 8h00

Com o advento da Lei nº 13.467/2017 [1], é sabido que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi fortemente impactada. E dentre as diversas modificações, pode-se dizer que o artigo 844 passou por uma verdadeira metamorfose no que diz respeito ao arquivamento da reclamação trabalhista e a propositura de uma nova demanda.

Isso porque, de acordo com o dispositivo legal [2], na eventualidade de não comparecimento na audiência, o autor poderá ser condenado ao pagamento das custas processuais, ainda que beneficiário da justiça gratuita, exceto se houver comprovação de que sua ausência foi por justo motivo.

Frise-se, por oportuno, que tal assunto foi objeto de discussão na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.766 [3] junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) que, ao final, declarou constitucional o artigo 844, §2º, da CLT.

Nesse diapasão, algumas dúvidas e questionamentos surgem quanto ao pagamento das custas como uma condição para a propositura de uma nova reclamação trabalhista. Inclusive, se seria ou não possível a aplicação do instituto da perempção, tanto que a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [4], razão pela qual agradecemos o contato.

Spacca
Com efeito, antes da Lei nº 13.467/2017, se, porventura, a reclamação trabalhista fosse arquivada em razão do não comparecimento da parte autora, a demanda poderia ser proposta novamente sem que houvesse a necessidade de comprovação do recolhimento das custas processuais.

De um lado, o artigo 731 celetário [5] preceitua que o trabalhador poderá ter suspendido o exercício do seu direito de ação por seis meses, caso não se apresente no prazo de cinco dias perante o Poder Judiciário, após a reclamação verbal. Lado outro, o artigo 732 [6] dispõe que na mesma pena incorrerá o trabalhador que der causa ao arquivamento, por duas vezes seguidas, nos moldes estabelecidos no artigo 844 da norma celetista.

Nesse cenário, estar-se-á diante do instituto da perempção, que é a perda temporária do exercício do direito de ação. Logo, de acordo com o artigo 485, inciso V [7], do Código de Processo Civil (CPC), o julgador não poderá resolver o mérito, sem antes reconhecer a existência de perempção.

À vista disso, surgem algumas inquietações: condicionar o recolhimento de custas seria impedir o acesso ao Poder Judiciário pelo trabalhador? No caso de ausência do recolhimento das custas, poder-se-ia falar em perempção? Quais os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários sobre o assunto?

A esse respeito do tema, oportunos são os ensinamentos do professor Carlos Henrique Bezerra Leite [8]:

"A Lei nº 13.467/2017 inseriu no art. 844 da CLT os §§ 2º e 3º, segundo os quais, na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 da CLT, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de 15 dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável e o pagamento das custas a que se refere o § 2º é condição para a propositura da nova demanda.

É dizer, se o reclamante, que pode ser o trabalhador ou o empregador, não comparecer injustificadamente à audiência inaugural, os autos deverão ser arquivados e, ainda que beneficiário da justiça gratuita, terá que pagar as custas do processo.

Parece-nos inconstitucional a exigência do pagamento de custas ao reclamante beneficiário da justiça gratuita como condição para a propositura de nova ação por violação do art. 5º, XXXV, XXXVI e LXXIV, da CF, o que é, inclusive, objeto da ADI 5.766 (rel. min. Luiz Roberto Barroso), ajuizada pelo Procurador-Geral da República.

(…). De toda sorte, caso não vingue a inconstitucionalidade do § 2º do art. 844 da CLT, parece-nos que o juiz, antes de arquivar os autos, deverá intimar o reclamante para, no prazo de quinze dias, apresentar justificativa de sua ausência à audiência inaugural. Essa intimação é, a nosso sentir, condição imprescindível para a aplicação da penalidade a que se refere o § 3º do art. 844 da CLT."

Dessarte, com base no entendimento sedimentado pela Suprema Corte na ADI 5.766, a exigência do pagamento de custas como condição para a repropositura de nova demanda, no caso de arquivamento em razão do não comparecimento na audiência, seria válida e constitucional.

E sob esta perspectiva, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 12ª Região [9] foi provocado a emitir um juízo de valor sobre o assunto, de modo que para os julgadores do caso em questão, para além do dever de observar o pagamento das custas como requisito essencial, entendeu-se que o descumprimento de tal obrigação atrairia a aplicação da perempção, ou seja, a perda temporária do exercício do direito de ação.

Em seu voto, o desembargador relator destacou:

"Assim, observo que a legislação vigente e aplicável ao caso estabelece o recolhimento das custas pelo autor como condição sine qua non para o ingresso de nova demanda, ainda que o reclamante seja beneficiário da justiça gratuita.

A norma que estabelece como condição para o ajuizamento de nova ação o recolhimento de custas pelo autor que, embora beneficiário da justiça gratuita, não comprova que a ausência à audiência ocorreu por motivo legalmente justificável, se revela nova hipótese trabalhista de perempção, somando-se às previstas nos arts. 731 e 732 da CLT."

Na mesma linha de raciocínio, também foi o entendimento do TRT-SP da 2ª Região [10]. Ao analisar a temática, o Regional entendeu pela constitucionalidade do dispositivo e que não haveria nenhuma violação à Carta Maior em relação ao acesso à justiça e as garantias fundamentais.

Em seu voto, o desembargador relator ponderou:

"Trata-se de sanção processual imposta à parte, em decorrência de conduta considerada reprovável pelo legislador, após ser permitido o seu ingresso com ação judicial isenta de despesas.

É uma penalidade e não há que se falar em abrangência da isenção legal sobre as penalidades.

Nesse mesmo sentido, pela possibilidade de imposição de obrigações para propositura de novas demandas, há diversas outras sanções processuais previstas no ordenamento jurídico.

São exemplos de tais normas as que tratam da perempção na CLT, art. 731, e no CPC/2015, art. 486, § 3º, além da norma que condiciona a propositura de nova ação cível, quando houve a extinção da primeira sem julgamento do mérito, ao recolhimento das custas e pagamento dos honorários da outra parte, conforme arts. 92 e 486, § 2º, do CPC/2015."

Impende destacar que, em outro caso no qual o TRT-SP da 2ª Região foi igualmente provocado, a decisão caminhou exatamente no mesmo sentido, sendo que a desembargadora relatora lembrou ainda que "a penalidade processual na seara trabalhista não é novidade introduzida pela Lei nº 13.467/17, já que, anteriormente ao seu advento, o texto consolidado previa em seu art. 731 o instituto da perempção" [11].

Entrementes, impende destacar que na hipótese de arquivamento da reclamação trabalhista, assim como de reconhecimento da perempção, a decisão será pela extinção do feito, sem a resolução do mérito, de modo que a ação judicial poderá ser intentada novamente e levada para a apreciação do Poder Judiciário, desde que proposta dentro do prazo prescricional.

Se é verdade que a nova sistemática processual teve por objetivo inibir as denominadas "aventuras judiciais" e aumentar a responsabilidade da parte-autora; de igual forma, não se pode esquecer que o direito de ação é uma garantia constitucional que encontra fundamento em cláusula pétrea do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal [12].

Em arremate, sabe-se que o Poder Judiciário trabalhista sempre foi uma vanguarda no que diz respeito ao acesso à Justiça e à pacificação de conflitos. Por isso, antes de se determinar o arquivamento ou se constatar a hipótese de perempção, para além da concessão do prazo para a apresentação de justificativa, a questão deve ser analisada de forma cautelosa, garantindo-se, sempre que possível, a proteção às garantias constitucionais e aos princípios que norteiam o processo do trabalho.

 


[2] Art. 844. O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato. (…). § 2º Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável. § 3º O pagamento das custas a que se refere o § 2o é condição para a propositura de nova demanda.

[4] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[5] Art. 731. Aquele que, tendo apresentado ao distribuidor reclamação verbal, não se apresentar, no prazo estabelecido no parágrafo único do art. 786, à Junta ou Juízo para fazê-lo tomar por termo, incorrerá na pena de perda, pelo prazo de 6 (seis) meses, do direito de reclamar perante a Justiça do Trabalho.

[6] Art. 732 – Na mesma pena do artigo anterior incorrerá o reclamante que, por 2 (duas) vezes seguidas, der causa ao arquivamento de que trata o art. 844.

[7] Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (…). V – reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada;

[8] Curso de Direito Processual do Trabalho. – 20. Ed. – São Paulo: SaraivaJur,2022. Páginas 647 e 648.

[12] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…). XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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