Interesse Público

Atividades-fim nas estatais: (a)tipicidade na nova Lei de Improbidade Administrativa

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13 de abril de 2023, 8h00

Nos últimos dias, em razão da decisão monocrática proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski, nos autos da ADI 7.331, imprimiu-se interpretação conforme o inciso II do § 2° do artigo 17 da Lei 13.303/16 (Estatuto das Empresas Estatais), para que a vedação ali constante ficasse restrita àquelas pessoas que ainda participassem da estrutura decisória de partido político ou de trabalho vinculado à organização, estruturação e realização de campanha eleitoral, sendo vedada, contudo, a manutenção do vínculo partidário a partir do efetivo exercício no cargo, até o exame do mérito [1].

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Há pouca literatura sobre o assunto, mas as escolhas subjetivas aqui e acolá parecem suplantar discussões muito mais relevantes do que essa, como, por exemplo, a questão da responsabilidade dos dirigentes das empresas estatais no direito brasileiro [2].

É fato que há uma tendência relativamente ordinária de se tratar os administradores de empresas estatais (conselho de administração e diretoria) semelhantemente aos administradores da administração direta, das autarquias e das fundações públicas. Porém, os desafios e o ambiente de atuação de uns e outros é complemente distinto, como distinto deve ser o conjunto de suas respectivas responsabilidades.

Com efeito, a maior parte da atuação empresarial das empresas estatais é regida por princípios e regras típicas de direito privado, reservando-se ao regime de direito público basicamente o eixo das atividades-meio (licitações, concursos públicos, controles). O mesmo não ocorre com os administradores da administração direta, das autarquias e das fundações públicas, cuja atuação é alusiva às funções administrativas propriamente ditas.

Nesse sentido, o exercício das atividades finalísticas nas empresas estatais não deveria atrair o regime jurídico próprio das improbidades administrativas, conforme disciplina da Lei 8.429/92, com a redação dada pela Lei 14.230/21, senão o regime jurídico típico das responsabilidades dos dirigentes das empresas privadas.

É o que revela, a modo de ver, o artigo 173, §1º, inciso V da Constituição, ao disciplinar que o Estatuto Jurídico das Empresas Estatais versaria, entre outros, sobre mandatos, avaliação de desempenho e responsabilidade dos seus administradores, em compasso com o disposto no inciso II do mesmo preceito constitucional que subordina as empresas estatais ao regime jurídico próprio das empresas privadas.

Nessa linha de pensar, é pertinente divisar a responsabilidade dos administradores das empresas estatais. Quando eles praticarem atos subordinados ao direito privado, adotando ações empresariais típicas, responderão na forma do direito privado, como administradores de empresa em geral, conforme determina o artigo 16 da Lei 13.303/16, segundo o qual "o administrador de empresa pública e de sociedade de economia mista é submetido às normas previstas na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976".

Por outro lado, quando praticarem atos subordinados ao direito público, revelando ações tipicamente administrativas, os dirigentes de empresas estatais terão responsabilidade fundada no artigo 28 da Lindb (o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro) e nas disposições próprias da Lei 8.429/92, com a redação dada pela Lei 14.230/21, à similitude dos administradores públicos em geral.

É dizer, portanto, que os atos de gestão empresarial dos dirigentes de empresas estatais, sobre não se revelarem como atos de administração pública em sentido estrito, excluem-se da tipificação própria dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, com a redação dada pela Lei 14.230/21.

A ações empresariais dos dirigentes de empresas estatais devem ser aquilatadas na forma do artigo 158, I e II da Lei 6.404/76, consoante o qual o administrador não será pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responderá, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: (1) dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa [3] ou dolo; (2) com violação da lei ou do estatuto.

 


[1] A decisão monocrática do STF, reverenciada no texto, tomou como base para a interpretação conforme a Constituição, de princípios jurídicos, como razoabilidade, proporcionalidade e igualdade. A prevalecer o entendimento no Plenário, também violaria tais perspectivas o disposto no art. 17, §2º, IV da Lei 13.303/16, que veda a nomeação para conselho de administração e diretoria das empresas estatais, de pessoa que tenha firmado contrato ou parceria, como fornecedor ou comprador, demandante ou ofertante, de bens ou serviços de qualquer natureza, com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade em período inferior a 3 (três) anos antes da data de nomeação. A observação se faz nem tanto para a razoabilidade/proporcionalidade do impedimento em si, mas da sua abrangência (porque abrange, além de contratos da empresa estatal, contratos da esfera federativa controladora), e do prazo de duração (que é bastante extenso: 3 anos).

[2] Sobre o tema da responsabilidade dos agentes nas empresas estatais, ver FERRAZ, Luciano. Responsabilidade dos Administradores nas Empresas Estatais e business judgment rule. In. CONTI, José Maurício et al. Responsabilidade do Gestor na Administração Pública, vol. 3, Belo Horizonte: Forum, 2022. p. 167-173.

[3] Para os casos de comportamentos culposos, tem-se cunhado uma amenização oriunda da teoria business judgment rule. Trata-se de doutrina desenvolvida nos Estados Unidos da América (EUA), a partir do caso Percy v. Millaudon, decidido pela Suprema Corte de Louisiana, 1829. Por seu intermédio, restou estabelecido que o simples prejuízo não faz o administrador da empresa responsável civilmente pelo prejuízo, sendo de rigor provar-se que o administrador praticou um ato inadmissível aos padrões do homem comum. Mais recentemente, notabiliza-se uma evolução da teoria, representada pelo julgamento pela Suprema Corte da Pensilvânia, do caso Otis & Co. v. Pennsylvania R. Co., 1944. A decisão isentou diretores de uma empresa de responsabilidade, ao consignarem que enganos e erros no exercício do julgamento honesto do negócio não se qualificam como atos negligentes (SADDY, André. Deveres dos administradores, responsabilidades e business judgment rule nas sociedades anônimas estatais. Revista de Direito Econômico e socioambiental. V. 7, 2016. disponível em https://periodicos.pucpr.br/index.php/direitoeconomico/article/view/585. Acesso em 11-04-23).

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