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Até o STF decidir, cidadão pode escolher quem processar por medicamento do SUS

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12 de abril de 2023, 18h04

Até que o Supremo Tribunal Federal decida se a União deve ou não integrar as ações que discutem o fornecimento de remédios e tratamentos não incorporados pelo SUS, mas registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o cidadão brasileiro poderá escolher quem processar nessas causas. As opções são a própria União, o estado e o município.

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STJ resolveu conflitos de competência entre juízos estaduais e federais em casos de pedido de fornecimento de remédio ao SUS
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Essa foi a conclusão alcançada pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que nesta quarta-feira (12/4) estabeleceu três teses com o objetivo de proibir os juízos estaduais do Brasil de suscitar conflito de competência para julgar esse tipo de caso, que em regra é de urgência.

Se o cidadão escolher processar o estado, o município ou até ambos, a ação deve tramitar na Justiça estadual. Mas se ele incluir no polo passivo a União, o caso será deslocado para a Justiça Federal. Essa escolha é do autor da ação e não deverá ser alterada por entendimento do juiz.

A celeuma existe porque o SUS, criado pela Lei 8.080/1990, é constituído por ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais. Em 2015, o STF decidiu que isso faz com que União, estados e municípios tenham a responsabilidade solidária de tornar efetivo o direito à saúde.

Essa decisão tem sido interpretada por juízes estaduais do país inteiro como uma necessidade de a União estar no polo passivo das ações de fornecimento de remédio não incorporado pelo SUS. Isso tem levado a determinações de emenda da inicial, sob pena de extinção da ação, ou de declínio de competência em favor da Justiça Federal.

Já os juízes federais, a quem cabe decidir a própria competência, conforme a Súmula 150 do STJ, têm devolvido esses casos à Justiça estadual, que, por sua vez, instaura conflitos de competência. A situação "está caindo na cabeça do hipossuficiente", nas palavras do ministro Gurgel de Faria. "A parte às vezes morre sem o remédio", destacou ele.

A controvérsia tem chegado ao STJ por meio de recursos especiais, mandados de segurança, reclamações e conflitos de competência. As teses aprovadas por unanimidade de votos proíbem os magistrados de invocar a repartição de competências do SUS para alterar o polo passivo dessas ações.

O STF, por sua vez, ainda vai analisar se a União deve ou não integrar essas ações. Na noite desta terça-feira (11/4), o ministro Gilmar Mendes, relator do RE 1.366.243 (Tema 1.234 da repercussão geral), suspendeu todos os recursos sobre o assunto que estejam em tramitação no próprio Supremo e no STJ.

Como essas causas podem continuar em andamento nas instâncias ordinárias, a decisão não prejudicou o julgamento da 1ª Seção. O ministro Gurgel de Faria se certificou disso ao entrar em contato pessoalmente com o ministro Gilmar Mendes.

STJ
Para o ministro Gurgel de Faria, briga entre Justiças estadual e Federal está causando prejuízo ao cidadão hipossuficiente
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Ônus financeiro
Ainda segundo o ministro Gurgel, a briga sobre a competência para julgar as ações envolvendo pedido de fornecimento de remédios e tratamentos no SUS envolve o ônus financeiro que essas decisões acarretam. Ou seja: quem deve pagar pelos remédios e procedimentos.

Ele destacou que, independentemente da decisão judicial, nada impede que o ente demandado peça o ressarcimento no atendimento a serviços prestados a outra esfera do governo, caso ao final se demonstre não ser sua a atribuição para fornecimento do remédio ou do tratamento.

A existência de entraves burocráticos não justifica o ato de transferir a demanda para a Justiça Federal. O risco é o de impor obstáculos ao paciente que depende do remédio ou do tratamento urgente para evitar o agravamento de sua doença e até sua morte.

A posição representa um "freio de arrumação", segundo o ministro Gurgel. "Respeitem a solidariedade (entre os entes) que está fixada em decisões do Supremo e do STJ. Se há solidariedade, todos respondem (pelos pedidos) e eu posso escolher (a quem processar). É uma opção do jurisdicionado, daquele que está clamando por saúde."

Teses aprovadas
O caso foi julgado como incidente de assunção de competência (IAC), a maneira criada pelo Código de Processo Civil para que uma decisão de grande repercussão social seja diretamente decidida por órgão julgador de maior composição ou hierarquia judicial superior.

Assim, a 1ª Seção aprovou três teses:

  1. Nas hipóteses de ações relativas à saúde intentadas com o objetivo de compelir o poder público ao cumprimento de obrigação de fazer consistente na dispensação de medicamentos não inseridos na lista do SUS, mas registrados na Anvisa, deverá prevalecer a competência do juízo de acordo com os entes contra os quais a parte autora elegeu demandar;
  2. As regras de repartição de competência administrativa do SUS não devem ser invocadas pelos magistrados para fim de alteração ou ampliação do polo passivo delineado pela parte no momento da propositura da ação, mas tão somente para fins de redirecionar cumprimento da sentença ou determinar o ressarcimento da entidade federativa que suportou o ônus financeiro no lugar do ente público competente, não sendo o conflito de competência a via adequada para discutir a legitimidade ad causam à luz da Lei 8.080/1990 ou a nulidade das decisões proferidas pelo juízo estadual ou federal, questões que devem ser analisadas no bojo da ação principal;
  • A competência da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, inciso I da Constituição Federal, é determinada por critério objetivo, em regra em razão das pessoas que figuram no pólio passivo da demanda, competindo ao juízo federal decidir sobre interesse do processo (Súmula 150/STJ), não cabendo ao juiz estadual, ao receber os autos que lhes foram restituídos em vista da exclusão do ente federal, suscitar conflito de competência (Súmula 254/STJ).

IAC 14
CC 187.276
CC 187.533
CC 188.002

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