Direito da Insolvência

O prazo de 90 dias para término da assembleia geral de credores

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3 de abril de 2023, 8h00

A reforma da Lei 11.101/05 introduziu o §9º ao artigo 56, segundo o qual a assembleia geral de credores deve ser encerrada no prazo máximo de 90 dias, contados da sua instalação.

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Todavia, a norma não traz de modo expresso quais seriam as consequências da não conclusão dos trabalhos e a deliberação sobre o plano de recuperação judicial nesse prazo, afirmando tão somente que restaria encerrado o conclave.

Tratar-se-ia de verdadeira norma em branco, vez que não traz expressamente a consequência da sua não observância, não se sabendo ao certo se a omissão foi por mera desatenção ou se o legislador realmente deixou a cargo da doutrina e jurisprudência suprir a lacuna. Ouso concluir que a segunda alternativa é a mais correta, cabendo aos operadores interpretar a norma e dela extrair os possíveis efeitos.

Com efeito, o legislador da reforma identificou claramente o problema: estimando que a falência no mais das vezes fosse menos benéfica que a permanência da recuperação judicial, havia  uma tendência das assembleias de credores se eternizarem com sucessivas suspensões, sob o pretexto de que as partes estariam negociando, mas que muitas vezes o que ocorria era uma mera procrastinação da solução do caso, na esperança de que a situação da empresa se modificasse com um toque de mágica ou simplesmente adiando a solução amarga. Identificou-se o problema, criou-se um limite temporal, mas não deixou expressa a consequência.

A partir daí, evidente que inúmeras são as posições doutrinárias a respeito do tema.

A primeira solução proposta pela doutrina é a convolação da recuperação judicial em falência. Neste caso, poder-se-ia interpretar que a não deliberação do plano de recuperação judicial em até 90 dias equivaleria à sua rejeição e, por consequência, o decreto de falência. Além de configurar uma espécie de interpretação extensiva da norma para hipótese que não está no rol legal de causas da quebra, a rejeição do plano de recuperação judicial ensejaria deliberação assemblear acerca da possibilidade de apresentação do plano alternativo pelos credores (artigo 56, §4º-A da Lei 11.101/2005).

Ou, ainda, poder-se-ia invocar a aplicação do artigo 73, I da Lei 11.101/2005[1], equiparando-se a não deliberação do plano de recuperação judicial no prazo estipulado pelo legislador à decisão pela convolação em falência, extraindo-se efeitos do silêncio (não deliberação) dos credores como manifestação da vontade pela quebra, violando o artigo 111 do Código Civil, já que, salvo melhor juízo, tal decisão demanda pronunciamento expresso da assembleia.

A segunda, é a perda dos benefícios do stay period. Ou seja, ainda que a pedido da recuperanda os credores, por maioria ou unanimidade, tenham aprovado a suspensão da assembleia por mais de 90 dias, essa deliberação não poderia prejudicar os credores que não concordaram ou não participaram da assembleia geral de credores.

A terceira, sustenta que seria o caso de abrir a oportunidade de apresentação de plano alternativo de credor, numa aplicação extensiva do §4º-A do artigo 6º da Lei 11101/05.

A quarta, seria pela extinção do processo sem resolução do mérito, pela falta de interesse de agir superveniente.

A quinta, defende sustenta que a consequência do decurso dos 90 dias é a realização de um novo conclave, possibilitando o ingresso de novos credores.

No nosso entender, para sanar a omissão devemos partir de dois regramentos fundamentais do sistema recuperacional.

O primeiro regramento é a soberania das deliberações da assembleia geral de credores. Ou seja, ainda que a lei traga inúmeras hipóteses em que cabe ao julgador decidir a respeito do destino da empresa em recuperação judicial, o legislador optou por deixar nas mãos do credor a vida ou morte da empresa em recuperação judicial. Não se pode negar a previsão legal de institutos como o cram down, o voto abusivo ou o reconhecimento da ilegalidade do plano até como causa de falência, mas é incontestável que a regra geral é de que a aprovação ou não do plano sela a continuidade da atividade da recuperanda ou sua falência.

O segundo é a igualdade. De fato, a partir da própria garantia constitucional da igualdade (diga-se de passagem, real e não meramente formal) a Lei 11.101/2005 traz uma série de normas, de direito material e processual, no sentido de que os credores, respeitadas as especificidades de cada um, devem ser tratados uniformemente. Como exemplos, a par conditio creditorum no campo material e a legitimidade de qualquer credor no decorrer da recuperação judicial pleitear a quebra por descumprimento do plano, no campo processual.

A partir do primeiro regramento, salvo melhor juízo, restam afastadas, a princípio, as consequências de quebra da recuperanda, da revogação do stay period, da possibilidade de apresentação plano alternativo de credor e extinção pela falta de interesse de agir pela superação dos 90 dias para conclusão dos trabalhos assembleares.

Isso porque a prorrogação acima do limite legal decorre da vontade da recuperanda ao pedir a suspensão, mas acima de tudo da vontade dos credores, devendo as partes observar os princípios gerais do direito, como a boa-fé objetiva e a função social do instituto.

Com efeito, se os credores, ainda que por maioria simples, aprovarem a suspensão e não se constatar sinais de abuso de direito de modo a ensejar a desconsideração de determinados votos (artigo 39, §6º da Lei 11.101/2005[2]), parece claro que a intenção dos credores não é a decretação da quebra. Se fosse assim, bastaria rejeitar a suspensão e o plano proposto.

Por outro lado, se a ultrapassagem do prazo decorre da inércia da recuperanda, pode o juiz decidir pela revogação ou não renovação do stay period (artigo 6º, §4º da Lei 11.101/2005). Não simplesmente porque não votado o plano, mas como consequência expressamente prevista para a hipótese de decurso do prazo de stay period fixado pela lei com o não cumprimento do requisito essencial para a sua extensão, que é não ter concorrido para a superação do lapso temporal.

A norma deve ser interpretada no sentido de que a devedora deve demonstrar seriedade na condução de sua reestruturação e evitar expedientes dilatórios, inclusive sob a fiscalização específica do administrador judicial (artigo 22, II, "f", da Lei 11.101/2005[3]), sob as penas da lei de regência

Uma vez revogado ou não renovado o período de blindagem por ausência de justa causa para tanto, salvo melhor juízo, de rigor a aplicação do disposto no artigo 6º, §4º-A, que faculta aos credores a possibilidade de proposição de plano alternativo.

Veja-se que a revogação ou não renovação do stay period e a conseguinte possibilidade de apresentação de plano alternativo surgem como consequências de violações de standards de comportamento esperados pelo legislador no âmbito do procedimento recuperacional, não em razão exclusivamente da superação do prazo.

Do mesmo modo, não há que se falar na extinção por falta de interesse, vez que a suspensão da assembleia por decisão assemblear não pode ter a mesma consequência de uma deliberação por desistência da recuperação judicial ou não pode levar a conclusão de que não existe mais necessidade do processo recuperacional para o soerguimento da empresa.

Considerada a linha de raciocínio de que a decisão assemblear que leva à superação do prazo legal é soberana e legítima, cabendo ao juízo avaliar casuisticamente eventual infração legal ou abuso de direito, por este regramento conclui-se pela inexistência de maiores consequências em razão do excesso de prazo.

Em contrapartida, o segundo regramento, igualdade, reforça o entendimento, salvo melhor juízo, de que a consequência da superação dos 90 dias leva a possibilidade de que novos credores possam ser habilitados para a nova assembleia de credores. Tal argumento é reforçado, aliás, pela literalidade da norma que afirma que ocorrerá o encerramento da assembleia, sendo, portanto, a continuidade dos trabalhos considerada uma nova assembleia.

Por todas as razões expostas, ousamos concluir que a melhor interpretação é de reabertura do quórum assemblear, mas é fundamental que em curto espaço de tempo a jurisprudência pacifique a questão de modo transmitir segurança jurídica a todos os participantes da recuperação judicial.


[1] Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial:

I – por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei;

Art. 42. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia-geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial nos termos da alínea a do inciso I do caput do art. 35 desta Lei, a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo nos termos do art. 145 desta Lei.

[2] Art. 39. Terão direito a voto na assembléia-geral as pessoas arroladas no quadro-geral de credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo administrador judicial na forma do art. 7º , § 2º , desta Lei, ou, ainda, na falta desta, na relação apresentada pelo próprio devedor nos termos dos arts. 51, incisos III e IV do caput, 99, inciso III do caput, ou 105, inciso II do caput, desta Lei, acrescidas, em qualquer caso, das que estejam habilitadas na data da realização da assembléia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por decisão judicial, inclusive as que tenham obtido reserva de importâncias, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 10 desta Lei.

§ 6º O voto será exercido pelo credor no seu interesse e de acordo com o seu juízo de conveniência e poderá ser declarado nulo por abusividade somente quando manifestamente exercido para obter vantagem ilícita para si ou para outrem

[3] Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:

II – na recuperação judicial:

f) assegurar que devedor e credores não adotem expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais ao regular andamento das negociações;

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