Ambiente Jurídico

O acesso à informação e aos processos administrativos ambientais

Autor

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

1 de abril de 2023, 8h00

Umas das mais recorrentes reclamações dos advogados e demais profissionais da área ambiental, a exemplo dos consultores independentes (como biólogos, ecólogos, engenheiros, gestores ambientais etc.), é o acesso aos chamados processos administrativos ambientais. Estes podem ser classificados como autorizativos, quando envolvem a solicitação de licenças ou de autorizações ambientais, ou sancionatório, que dizem respeito às sanções administrativas aplicadas pelos órgãos integrantes do Sisnama.

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Essa dificuldade pode se dar no impedimento total ou parcial de acesso aos autos, bem como na demora ou na burocratização excessiva e desnecessária. Diante disso, resta saber se e como esses profissionais podem ter acesso a tais processos administrativos.

Primeiramente, cumpre dizer que o acesso à informação ocupa um lugar central em qualquer espaço público, seja em matéria ecológica ou não. A regra da Constituição Federal de 1988 é o acesso à informação e a publicidade, que inclusive é um dos princípios da administração pública, consoante dispõe o caput do artigo 37. Além disso, os incisos XIV e XXXIII, do artigo 5º, dispõem, respectivamente, que "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional" e que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".

Contudo, para além da regra constitucional geral de publicidade, existe um fundamento específico no tocante à participação na seara ambiental previsto no caput do artigo 225 da Lei Fundamental, segundo o qual "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". O inciso IV do § 1º do dispositivo reforça a publicidade ao "exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade". Isso implica dizer que o legislador constituinte originário procurou garantir, no que diz respeito ao meio ambiente, uma participação e uma publicidade ainda maiores.

A Lei 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), e que foi a grande fonte de inspiração para a Constituição de 1988 na questão ambiental, também versou sobre o assunto em diversos momentos. O inciso V do artigo 4º estabelece que a divulgação de dados e informações ambientais é um dos seus objetivos específicos. O § 3º do artigo 6º dispõe que os órgãos administrativos de meio ambiente têm a obrigação de fornecer os resultados das análises efetuadas e sua fundamentação, quando solicitados por pessoa legitimamente interessada. Os incisos VII e XI, do artigo 9º, estabelecem o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente e a garantia de prestação de informações relativas ao meio ambiente como instrumento da PNMA, dispondo inclusive que o poder público é obrigado a produzir as informações quando elas forem inexistentes. O § 1º do artigo 10 exige que tanto o requerimento quanto a concessão de licença ambiental seja publicado em jornal oficial e em periódico regional ou local de grande circulação, ou no site do órgão ambiental competente.

A Lei Complementar 140/2022, que fixa as normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção do meio ambiente, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único, do artigo 23 da Constituição Federal, também coloca a informação como prioridade [1]. O artigo 149, do Decreto 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo ambiental, estabelece a obrigação de dar publicidade às sanções administrativas ambientais no Sisnima e no site do órgão, cabendo destacar a fase processual em que se encontram.

O direito à informação em matéria ambiental é tão importante que foi alçado à condição de princípio do Direito Ambiental por grande parte dos doutrinadores brasileiros. Ele parte do pressuposto de que toda informação em matéria ambiental é de interesse coletivo, e que no caso de inexistência caberá ao poder público produzi-la tamanha é sua importância para a construção do chamado Estado de Direito Ambiental. De um lado, é com base em informações atualizadas e concretas que a administração pública tomará decisões, seja no que diz respeito às políticas ambientais propriamente ditas, seja no que diz respeito às políticas públicas que fazem interface com a questão ambiental. De outro lado, sem essas informações a sociedade civil não poderá fazer reivindicações adequadas ou pertinentes em razão do desconhecimento da matéria, e por isso vários autores consideram a informação como inerente ao princípio da participação.

Não se pode esquecer que o Direito Ambiental surgiu em virtude da atuação dos movimentos sociais, sendo por isso a importância do princípio da gestão democrática, que se manifesta por meio da informação e da participação. A Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento também dispôs sobre o assunto:

"Princípio 10. A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos."

A Lei 10.650/2003, que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos integrantes do Sisnama, disciplinou o acesso à informação e aos processos administrativos ambientais de forma mais ampla possível, determinando no seu artigo 2º a obrigação de se permitir o "acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico". Excepcionalmente, poderá ocorrer o sigilo empresarial, que é uma situação que precisa ser devidamente motivada sob pena de enquadramento como prática descumprimento de obrigação de relevante interesse ambiental [2] ou até de abuso de autoridade [3]. Se houver custo na produção da informação, caberá ao requerente arcar, pois a administração pública não pode bancar a cópia ou a digitalização de arquivos para um cidadão em particular.

Essa lei deve ser interpretada em consonância com a Lei 12.527/2011, que regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do artigo 5º, no inciso II do § 3º do artigo 37 e no § 2º do artigo 216 da Constituição. Conhecida como Lei de Acesso à Informação, essa norma estabelece em seu artigo 11 que "O órgão ou entidade pública deverá autorizar ou conceder o acesso imediato à informação disponível" [4]. Logo, entende-se que o acesso deve ser imediato e integral a qualquer processo administrativo ambiental existente no órgão ambiental, inclusive os que já foram arquivados. Isso significa que não pode acontecer impedimento total ou parcial de acesso aos autos, nem demora ou burocratização excessiva e desnecessária. O órgão ambiental não pode condicionar vista a um processo à autorização expressa do chefe do órgão ou de algum setor específico, uma vez que o direito de consulta/cópia deve ser instantâneo. A exceção a isso só poderá ocorrer de forma justificada se houver sigilo empresarial, ou se o processo não estiver em posse do órgão ambiental, hipótese essa que é cada vez mais improvável em razão da digitalização dos processos administrativos. Porém, o sigilo deve abranger apenas a parte do documento que revele segredo industrial haja vista o § 2º do artigo 7º da Lei de Acesso à informação segundo o qual "quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo". Isso serve para toda e qualquer pessoa, independentemente de ser advogado, consultor ambiental ou o que seja. A negativa de acesso pode ser classificada como crime de abuso de autoridade, nos termos da Lei 13.869/2019

"Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa."

Se qualquer cidadão pode e deve ter acesso à informação e ao processo administrativo ambiental, mais razão ainda assiste ao advogado, cujo dever constitucional é defender os direitos dos seus clientes e da coletividade em processos judiciais e administrativos. É prerrogativa legal do advogado o direito de vistas e de cópia dos processos perante os órgãos administrativos ou jurisdicionais, conforme dispõe o inciso XIII do artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), segundo o qual cabe a esse profissional "examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciários e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos". É importante lembrar que a Constituição de 1988 estendeu as garantias do processo judicial ao processo administrativo, quando dispôs no inciso LV do artigo 5º que "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes". Isso significa que o advogado deve ter acesso imediatamente aos autos, inclusive para obter cópias, independentemente de estar habilitado ou não nos autos, coisa que, infelizmente, nem sempre tem sido respeitada pelos órgãos ambientais.

 


[1] Art. 7º. São ações administrativas da União: (…) VIII – organizar e manter, com a colaboração dos órgãos e entidades da administração pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima);

Art. 8º. São ações administrativas dos Estados: (…) VII – organizar e manter, com a colaboração dos órgãos municipais competentes, o Sistema Estadual de Informações sobre Meio Ambiente; VIII – prestar informações à União para a formação e atualização do Sinima;

Art. 9º. São ações administrativas dos Municípios: (…) VII – organizar e manter o Sistema Municipal de Informações sobre Meio Ambiente; VIII – prestar informações aos Estados e à União para a formação e atualização dos Sistemas Estadual e Nacional de Informações sobre Meio Ambiente;

[2] Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e das Infrações Administrativas Ambientais): Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.

[3]

[4] Art. 2º. Os órgãos e entidades da Administração Pública, direta, indireta e fundacional, integrantes do Sisnama, ficam obrigados a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico, especialmente as relativas a: I – qualidade do meio ambiente; II – políticas, planos e programas potencialmente causadores de impacto ambiental; III – resultados de monitoramento e auditoria nos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras, bem como de planos e ações de recuperação de áreas degradadas; IV – acidentes, situações de risco ou de emergência ambientais; V – emissões de efluentes líquidos e gasosos, e produção de resíduos sólidos; VI – substâncias tóxicas e perigosas; VII – diversidade biológica; VIII – organismos geneticamente modificados.

Autores

  • é advogado, consultor jurídico e professor da graduação e da pós-graduação (mestrado e doutorado) da UFPB e UFPE, pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

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