'L' de liminar indeferida

TJ-SP nega suspensão do cachê de Ludmilla por gesto de 'L' na Virada Cultural

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29 de setembro de 2022, 10h56

Sem comprovação da ilegalidade e do prejuízo aos cofres públicos (requisitos exigidos para propositura de ação popular), a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou um pedido liminar de suspensão do pagamento do cachê da cantora Ludmilla por sua apresentação na Virada Cultural deste ano, em função de uma suposta manifestação política em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Reprodução/Instagram
Cantora Ludmilla fez gesto de "L" durante show na Virada Cultural em maioReprodução/Instagram

Na ocasião, em maio deste ano, a artista fez um sinal de "L" com os dedos durante seu show, enquanto as cores vermelha e branca eram exibidas no telão.

A ação popular foi movida por Fernando Holiday, vereador da capital paulista e candidato a deputado federal pelo Novo, e por Lucas Pavanato, candidato a deputado estadual pela mesma legenda. Os alvos eram Ludmilla, a Prefeitura de São Paulo — que organiza a Virada Cultural — e a secretária municipal de Cultura, Aline Torres.

De acordo com os autores, o "L" seria uma referência a Lula, que à época ainda era pré-candidato às eleições presidenciais deste ano. Além disso, as cores no telão remeteriam ao Partido dos Trabalhadores.

Holiday e Pavanato alegaram que a apresentação da cantora foi marcada por "ampla divulgação e panfletarismo político". Eles ainda apontaram desrespeito às regras eleitorais e uso de verba pública para patrocinar um showmício. Por isso, pediram a concessão de liminar para suspender ou reembolsar o pagamento da prefeitura a Ludmilla.

Primeira instância
No último mês de julho, o juiz Kenichi Koyama, da 15ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, negou os pedidos. Ele observou que a cantora, em suas redes sociais, atribuiu o sinal de "L" ao seu próprio nome, "o que sugere que a interpretação dos autores está equivocada, pois carregada de subjetividade, podendo estar viciada em decorrência de seus próprios ideais".

As alegações de alusão a Lula não convenceram objetivamente o magistrado. Para Koyama, não foi comprovado o prejuízo econômico à prefeitura ou à população em função da conduta de Ludmilla.

O juiz ainda lembrou que o Superior Tribunal de Justiça já definiu a demonstração da lesão ao erário como requisito da ação popular.

Além disso, o contrato administrativo foi cumprido, pois o espetáculo musical aconteceu na data prevista — como admitido pelos próprios autores. Não houve inadimplemento nem descumprimento relativo, "porque o serviço contratado foi prestado em sua essência".

De acordo com Koyama, "na perspectiva da prestação de serviço, não se pode simplesmente suspender ou bloquear o valor de pagamento contratado, sob pena de enriquecimento ilícito da administração pública".

A própria Coordenadoria de Programação da Secretaria Municipal de Cultura, que gere o contrato, atestou a inexistência de descumprimento e considerou impossível atribuir um significado ao gesto de Ludmilla.

"A causa de pedir se indigna é com a manifestação pública de suposta preferência político-partidária e aplicação da legislação eleitoral específica, mas não verdadeiramente o contrato e seu pagamento integral", explicou o magistrado. No entanto, segundo ele, "patrulhar toda e qualquer manifestação política a partir de nossa própria perspectiva implica confundir condutas livres com o risco de censura".

Wikimedia Commons
Fernando Holiday, candidato à Câmara, é um dos autores da ação Wikimedia Commons

Tema eleitoral
Para o juiz, o tema deveria ser discutido na Justiça Eleitoral, e não estadual. Mesmo assim, na sua visão, não haveria elementos que caracterizassem o ato como showmício — a exemplo de possível oferecimento de vantagens aos eleitores, discursos de políticos e candidatos ou mesmo pedido de votos.

Ou seja, ainda que Ludmilla realmente tivesse se referido a Lula e ao PT, a conduta "juridicamente se amolda no máximo à opinião pessoal da cantora, sem que isso automática e necessariamente represente showmício".

Segundo Koyama, a proibição dos showmícios "não afeta a liberdade de expressão, pois não impede que artistas manifestem suas opiniões políticas em apresentações próprias".

Por fim, o juiz lembrou que o show foi promovido por uma prefeitura comandada por Ricardo Nunes, filiado ao MDB — partido diferente do PT e sem apoio formal à candidatura de Lula.

TJ-SP
No final de agosto, a corte estadual manteve a decisão de primeira instância. O desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, relator do caso, não verificou "indicação clara de que durante a apresentação a artista tivesse feito menção às eleições ou pedido explícito de voto a algum candidato".

Segundo o magistrado, o simples gesto da cantora seria insuficiente para configurar desvirtuamento do escopo original do evento e prejuízo ao erário.

Contra-ataque
A secretária Aline Torres já apresentou contestação à ação. Segundo ela, Holiday e Pavanato usaram o Judiciário para sua pré-campanha eleitoral. Por isso, pediu a condenação dos autores por litigância de má-fé e o pagamento de R$ 22 mil por propagação de fake news.

Os candidatos promoveram diversas postagens nas redes sociais em que comemoraram "vitória" por terem "barrado o cachê imoral" de Ludmilla e "economizado" o dinheiro público — apesar de não haver decisão judicial neste sentido e a cantora já ter sido remunerada.

O advogado Cláudio Castello de Campos, que representa Aline, alega que os candidatos do Novo "claramente deturpam o real espírito e propósito do manejo de uma ação popular para utilizar o Poder Judiciário objetivando obter — com sucesso — projeção midiática e conteúdo para impulsionar publicações nas redes sociais".

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Processo 2153500-86.2022.8.26.0000

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Processo 1030232-47.2022.8.26.0053

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