Una e indivisível

Ação ajuizada de maneira ilegítima pelo MPF pode ser assumida por MP estadual

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26 de setembro de 2022, 17h44

O fato de uma ação de improbidade administrativa ser ilegitimamente ajuizada pelo Ministério Público Federal não resulta necessariamente na imediata extinção da lide sem julgamento de mérito. Havendo a possibilidade de a atribuição pertencer a outro ramo do MP, deve o juiz intimá-lo para que possa avaliar se ratifica ou não a petição.

Gustavo Lima
Voto do ministro Og Fernandes aplicou e manteve jurisprudência sobre o tema
Gustavo Lima

Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu permitir ao Ministério Público de Pernambuco que avalie se deve assumir uma ação de improbidade ajuizada pelo MPF, que foi considerado parte ilegítima pelo juízo da causa.

Com a decisão do colegiado, o MP de Pernambuco terá a oportunidade de manter uma ação contra Aluísio Régis, ex-prefeito de Conde (PE), por irregularidades em licitações para reforma de hospital com recursos federais.

O resultado, por maioria de votos, representa a reafirmação da jurisprudência da 2ª Turma, que foi desafiada sem sucesso pelo voto divergente do ministro Mauro Campbell, com base em precedente do Supremo Tribunal Federal.

Na prática, o entendimento afeta o combate à corrupção no país. Isso porque o prazo de prescrição para o ajuizamento da ação — oito anos, contados desde a ocorrência do fato ou do dia em que cessou a permanência — é interrompido justamente por sua proposição.

Na ocorrência de extinção sem resolução do mérito, a causa interruptiva da prescrição deixa de valer. Para o ex-prefeito de Conde (PE), por exemplo, isso significaria a prescrição das condutas.

Esse aspecto foi levado em conta pela corrente vencedora do julgamento no STJ. Em voto-vista, o ministro Herman Benjamin declarou que impor a extinção da ação nesse caso significaria "uma ode à impunidade".

Unicidade de cada MP
O cerne da questão envolve o princípio da unicidade do MP. A Constituição diz que a instituição é una, apesar de dividida em órgãos independentes. O Supremo, por sua vez, entendeu no julgamento da ADPF 482 que essa unidade não basta para permitir a permuta entre seus membros.

O voto do ministro Alexandre de Moraes, relator daquela ação, indicou que "só existe unidade dentro de cada Ministério Público, não havendo unidade entre o Ministério Público de um estado e o de outro, nem entre esses e os diversos ramos do Ministério Público da União".

Rafael Luz
Para o ministro Campbell, STF mudou a compreensão sobre a unicidade do MPF
Rafael Luz

Para o ministro Mauro Campbell, esse entendimento vincula os julgamentos do STJ e deve ser aplicado também para o reconhecimento da ilegitimidade ativa de um determinado ramo do Ministério Público de propor certas ações.

Para ele, se o MPF é parte ilegítima para propor a ação por improbidade, nada impede que o Ministério Público estadual, caso entenda pertinente, ajuíze um novo processo, inclusive pleiteando o eventual aproveitamento de provas produzidas mediante o necessário contraditório.

Ação é do MP, não importa qual
A maioria na 2ª Turma, porém, não concordou com a proposta de alteração jurisprudencial. Relator, o ministro Og Fernandes aplicou a jurisprudência no sentido de permitir a intimação do órgão ministerial com atribuições para a causa, com o intuito de ratificar ou não a petição.

Ele argumentou que o princípio da unidade do MP exige a compreensão da instituição como um corpo uniforme. Nesse sentido, a divisão entre os órgãos independentes é feita apenas para a execução das competências institucionais previstas na legislação.

Para o ministro Herman Benjamin, a decisão do STF na ADPF 482 trata da unidade do MP sob o aspecto estrutural/administrativo, mas não sob o aspecto institucional. Portanto, não há qualquer impacto na jurisprudência construída no STJ até então.

"Reconheceu-se a falta de atribuição do Ministério Público Federal para a causa. O titular do direito de ação e legitimado para agir é o Ministério Público como instituição, pouco importa por qual órgão", afirmou ele.

A posição foi ratificada em voto vogal da ministra Assusete Magalhães e também pelo ministro Francisco Falcão, que acompanhou a maioria formada. Se o MP pernambucano decidir processar o ex-prefeito de Conde (PE), poderá fazê-lo sem incidir na prescrição das condutas.

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REsp 1.820.565

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