Público & Pragmático

O que falta para o PL 2.258 ser considerado "lei geral de concurso público"?

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  • Gustavo Henrique Justino de Oliveira

    é professor doutor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito na USP e no IDP (Brasília) árbitro mediador consultor advogado especializado em Direito Público e membro integrante do Comitê Gestor de Conciliação da Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos do CNJ.

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  • Wilson Accioli Filho

    é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP especialista em Direito Administrativo e advogado.

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25 de setembro de 2022, 8h00

Após aprovação pela Câmara dos Deputados, no último dia 10/8/2022 foi encaminhado para apreciação do Senado o Projeto de Lei (PL) nº 2.258, que dispõe sobre as normas gerais relativas a concursos públicos. A pauta não é nova e já perdura no Legislativo desde o começo dos anos 2000. Tanto é que o atual PL é substitutivo do antigo Projeto nº 92/2000, sobre o mesmo tema. Lá se vão 22 anos do início das tentativas de definição de uma agenda para os concursos públicos e, ao que parece, a criação de um regime jurídico nunca esteve tão próxima.

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Justamente em razão do provável amadurecimento do debate é que dedicaremos a coluna desta semana para traçarmos reflexões mais profundas a respeito do PL nº 2.258 de 2022.

Exceto pela inovação material advinda da criação de um modelo de provas online, o PL nº 2.258 parece insuficiente para se consumar como a base legislativa do regime jurídico dos concursos públicos no Brasil. A principal razão é o fato de não assegurar direitos e garantias dos candidatos em processos de seleções públicas. A essência do texto legal é descrever procedimentalmente a estrutura de aplicação de testes de conhecimentos, elencando aspectos principais que deverão estar presentes nos editais, bem como as autoridades responsáveis pelos gerenciamentos dos concursos.

É possível dizer, portanto, que o PL nº 2.258 não tem um caráter inovador, mas apenas sistematiza comandos operacionais já replicados pelos órgãos públicos e bancas examinadoras de concursos. Trata-se de uma lei instrumental que, num cenário ideal, parece não atender ao seu próprio fim procedimental.

Dentre as questões jurídicas envolvendo a administração pública que são objeto de judicialização diária, ações relacionadas a concursos públicos estão entre as principais. A falta de uma sistematização legal, para além dos textos dos artigos 37, incisos II, III e IV, e 41, da Constituição, faz com que a regulamentação jurídico-normativa seja feita pelo Poder Judiciário por meio de súmulas e/ou enunciados dos tribunais.

As mais importantes orientações em matéria de concurso público, além das súmulas vinculantes, estão presentes nas jurisprudências em teses publicadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Até a data de produção deste texto, consta no portal do STJ a existência de cinco edições versando sobre concurso público (9, 11, 15, 103 e 115). Ao todo, isto representa exatas 70 orientações jurisprudenciais consolidando controvérsias inerentes a concursos.

Os objetos das teses são variados, como exemplo: a) limites ao controle pelo Poder Judiciário; b) condicionantes a discriminação de candidatos (idade, sexo, altura e peso); c) condição de participação de deficientes; d) legalidade de previsão de diferentes etapas de avaliação de conhecimentos e de aptidões física e mental; e) definição de maus antecedentes criminais para fins de nomeação e posse; f) regras sobre o prazo decadencial para ações judiciais; g) hipóteses de existência de direito subjetivo à nomeação e posse; h) hipóteses de preterição de candidatos aprovados; i) incidência de princípios limitadores da atuação da administração pública; j) validade de previsão de cláusula de barreira; k) legitimações ativa e passiva para participação em ações judiciais.

Embora os enunciados acima sejam fundamentais para sustentar a eficiência e a estabilidade de um futuro regime jurídico, ficaram ausentes do PL nº 2.258. Nesse sentido, a omissão do texto legal passa a mensagem de que — indevidamente — o Poder Judiciário deve continuar normatizando temas relacionados a concursos públicos, por meio de orientações jurisprudenciais.

A regulamentação federal dos aspectos materiais e processuais dos concursos públicos merece uma atenção legislativa mais profunda e exaustiva. A exemplo do que aconteceu com a lei federal de processo administrativo, poderia o legislador ter concedido adequado direcionamento aos princípios constitucionais aplicados aos concursos no sentido de resguardar com maior objetividade a definição de diretrizes aplicáveis em âmbito nacional aos processos seletivos.

A mera previsão constitucional de um processo público de seleção para ascensão a cargo público não é bastante para evitar ilegalidades, abusos de poder e ofensas a princípios, como isonomia, impessoalidade e publicidade. Com frequência, o Poder Judiciário recebe ações reclamando a aplicação dos comandos previstos no caput do artigo 37 da Constituição.

Diariamente, por maiores que sejam as ilegalidades, são proferidas decisões judiciais rasas se esquivando da análise do mérito das questões jurídicas, porque o próprio Poder Judiciário estabeleceu uma orientação de que a sua atuação deve ser restrita a fim de não ser confundido como instância revisora de provas de concurso. Há aqui uma espécie de salvo conduto para o magistrado que precisa decidir com celeridade, mas opta por não compreender profundamente o debate.

Diariamente, candidatos reclamam a ausência de motivação e de impessoalidade em correções de provas, verificada por meio de atos subjetivos, genéricos, mecanizados e não individualizados. É comum nos depararmos com correções não fundamentadas e que servem para justificar qualquer análise, sobre qualquer prova de qualquer candidato. O argumento da administração pública para justificar tal medida é o da impossibilidade prática de se promover, um a um, o detalhamento e a individualização das correções.

Diariamente, do mesmo modo, se vê a falta de objetividade nas condutas dos examinadores, justificada pela ausência de comandos limitando seus atos, no sentido de serem obrigados a respeitar, sob pena de nulidade, o espelho de prova. Ao contrário, a prática corriqueira revela a presença de uma imensa discricionariedade concedida ao avaliador. Muito disso decorre, é verdade, da elaboração de um espelho de prova aberto e genérico.

Diariamente são propostas reclamações que buscam afastar condutas não transparentes praticadas por bancas examinadoras, presentes sobretudo em etapas de testes físicos não gravados ou não registrados e em provas orais, cujos editais impedem a propositura de recurso contra o resultado final do certame.

Diariamente, candidatos regularmente aprovados em concursos públicos buscam o Poder Judiciário para combater preterições provocadas pelas aberturas de sucessivos editais para contratações temporárias, cuja meta é desviar a finalidade do inciso II do artigo 37 da Constituição.

Diariamente, por fim, o processo administrativo envolvendo concursos públicos é desprezado, de modo que o devido processo legal é estabelecido apenas em caráter proforma, sem que as decisões administrativas se deem ao trabalho de respeitar o contraditório e a ampla defesa.

Caríssimo(a) leitor(a), a partir do que foi dito acima, lhe convidamos a ler (ou reler) o PL nº 2.258 e conosco concluir que, para se tornar o modelo de regime jurídico pretendido desde o começo dos anos 2000, ainda é preciso muito nutriente jurídico-normativo para o projeto.

O primeiro passo recomendado ao legislador é ouvir a sociedade civil para, de uma forma sistematizada, melhor elencar as controvérsias jurídicas, pendentes de pacificação, envolvendo concursos públicos. Somente assim o texto legal terá a oportunidade de se tornar o produto de um histórico e contemporâneo anseio social. Ainda há tempo e a missão está com o Senado…

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