Processo Tributário

PRDI: processo ou procedimento? Colocando pingo nos "is"

Autor

  • Paulo Cesar Conrado

    é juiz federal em São Paulo professor do Curso de Especialização do Ibet professor e coordenador do curso e do grupo de estudos do "Processo tributário analítico" do Ibet e professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP.

25 de setembro de 2022, 8h00

Processo, sabe-se, é relação jurídica que formaliza o estado de litigiosidade derivado de outra relação — dita de fundo —, tendo por objetivo a dissolução daquele estado. No ambiente tributário, a questão a que ele (o processo) remete, quando menos por regra, diz respeito à exigibilidade da prestação de que cuida o artigo 3°[1] do Código Tributário Nacional, tenha sido ela já posta ou estando por sê-lo.

Paralelamente a essas ideias preliminares, lembremos que o Direito Tributário, inserto que está no amplo contexto do Direito Administrativo, é naturalmente coalhado de vínculos operadores da atividade estatal. Esses vínculos, usualmente denominados de "procedimentos", não raro são confundidos com a primeira classe mencionada — a dos processos —, o que, de confusão inocente e sem grandes consequências, pode trazer significativos embaraços conceituais e pragmáticos.

É o que parece ocorrer com o procedimento administrativo de inscrição em Dívida Ativa da União desde quando introduzida no nosso sistema a Portaria PGFN nº 33/2018 [2].

Referido diploma passou a outorgar ao sujeito passivo a possibilidade de ofertar, desde que notificado do ato de inscrição (o fruto do procedimento), o assim chamado PRDI — "pedido de revisão de débito inscrito".

Pois é justamente de tal inovação que surge a questão que nos envolve às premissas antes abordadas: o PRDI (1) é fase do procedimento de inscrição, significando uma sua extensão, ou (2) é processo, no sentido de exteriorizar formalmente um litígio, ou, por fim, (3) constitui um novo procedimento administrativo?

Já tratamos desse assunto em outras oportunidades, tendo-o feito, confessamos, sob o impacto de regras constantes da aludida portaria que, na intenção de descrever o funcionamento do PRDI, utilizam vocabulário típico do ambiente da processualidade — recurso, provas, por exemplo.

Passado algum tempo e mesmo que isso possa parecer uma gangorra, cremos que é momento de voltar ao assunto, recolocando pingos em alguns "is" que talvez tenham ficado para trás.

Tomemos em conta, nessa linha e primeiro de tudo, que o PRDI supõe, por lógica, o esgotamento do procedimento correlato — de inscrição, uma vez objetivamente relacionado a "débito inscrito".

Daí adviria a pergunta, absolutamente justificável: se o procedimento de inscrição se esgotou, por que a União abriria espaço para a deflagração de outro iter? Muitos dizem, à guisa de resposta: é o espírito cooperativo preordenado pelo Código de Processo Civil de 2015 espraiando efeitos sobre a conduta da Fazenda Nacional; ou ainda: é a justa tentativa de evitar o aparelhamento de execução fiscal cujo crédito, por virtualmente ilegítimo, suscitaria potencial exceção de pré-executividade, algo evitável [3].

Sem recusar a correção dessas assertivas, queremos ir um pouco além e ajustar conceitualmente o significado desse novel iter, mormente porque, se o virmos como manifestação de processualidade, as consequências podem ser encaminhadas numa direção (a do artigo 151 [4] do CTN é, talvez, a mais ruidosa). Por outro lado, se o tomarmos como procedimento, voltaríamos à indagação já feita: como entendê-lo sob essa rotulagem uma vez já esgotada a inscrição?

Pois é na terceira opção alhures referida que talvez se encontre a conciliação desse impasse: podemos (quiçá devemos) entender que de procedimento estamos tratando, porém, um novo, diferente do de inscrição, que reconhecidamente é conduzido de ofício e unilateralmente pela Administração. Esse "outro", diversamente, formaliza-se por provocação do sujeito passivo (materializada pelo instrumento que se convencionou chamar de PRDI) e que seria lançada não propriamente na intenção de constituir o estado de litigiosidade (fato gerador de processualidade), mas sim de fazer reavaliável o ato-fruto do primeiro procedimento (o de inscrição, repita-se).

Esse novo procedimento, justamente porque procedimento, gera a produção de novo ato administrativo, confirmador ou infirmador da inscrição e que, no primeiro caso (de confirmação da inscrição, aclare-se), pode ser alvo de novo pedido (no fluxo de positivação do PRDI tratado como "recurso"), disparador, a seu turno, de mais um ato administrativo (que, novamente, ou confirmará ou infirmará a inscrição).

Significa dizer: a inscrição do crédito tributário federal, supondo sua prévia constituição (com ou sem processualidade administrativa desenvolvida), passou a ser distribuída, com a Portaria PGFN 33/2018, em até três diferentes procedimentos, todos independentes mas logicamente entrelaçados: o primeiro, tradicional, é unilateral e processável de ofício, desaguando na potencial inscrição; o segundo, dito revisivo, dar-se-ia por provocação do sujeito passivo, desembocando, de duas uma, ou na confirmação da inscrição precedente ou em sua infirmação; o terceiro, igualmente derivado da provocação do sujeito passivo (agora recursal), supõe, além de esgotado o primeiro procedimento, a confirmação da inscrição quando da reavaliação inaugural, terminando, ao cabo de tudo e mais uma vez, numa daquelas duas possibilidades já referidas, a confirmação ou a infirmação da inscrição.

Isso assinalado, concluiríamos, restaurando discussão sobre a qual já nos debruçamos, que a lógica da Portaria PGFN 33/2018, no particular contexto do PRDI, pode não ser relacionável, como um dia dissemos, ao campo da processualidade tributária, senão ao procedimental, o que eleva o crédito tributário federal a um nível de potencial complexidade em termos predecessores do ajuizamento da execução que não se vê em outras Fazendas — uma opção que poderia ser criticada em princípio, mas que, em rigor, pode e deve ser enaltecida, visto que, como ocorre com os ciclos mais complexos em geral, vantagens são obtidas, o que, no caso do PRDI, é facilmente captável pela integração (cooper)ativa do sujeito passivo ao contexto, com a derivada possibilidade de eliminação de erros na inscrição inicial (unilateralmente realizada) e o natural abortamento de executivos fiscais descabidos.

 


[1] Art. 3º — Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

[2] Essa portaria regulamenta os arts. 20-B e 20-C da Lei nº 10.522/2002 e disciplina os procedimentos para o encaminhamento de débitos para fins de inscrição em dívida ativa da União, bem como estabelece os critérios para apresentação de pedidos de revisão de dívida inscrita, para oferta antecipada de bens e direitos à penhora e para o ajuizamento seletivo de execuções fiscais.

[4] Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

Autores

  • é juiz federal em São Paulo, professor do curso de especialização do Ibet, professor e coordenador do curso e do grupo de estudos do "Processo tributário analítico" do Ibet e professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!