Prática Trabalhista

Audiência telepresencial e a responsabilidade pela conexão à internet

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

22 de setembro de 2022, 8h00

Após o surgimento do coronavírus, as audiências virtuais tornaram-se uma realidade na Justiça do Trabalho, situação essa que perdura inclusive nos dias de hoje. Contudo, é importante lembrar que, conquanto a pandemia tenha acelerado e aumentado o acesso à internet no país, alguns dados revelam que as condições de conexão são discrepantes entre os usuários.

Com efeito, um recente estudo concluiu que, dentre outras desigualdades nas condições de acesso para aqueles profissionais que trabalham em casa, podem ser destacadas questões como a instabilidade da comunicação, a velocidade da internet e a qualidade do sinal [1].

Entrementes, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mesmo com o impulso tecnológico advindo com a pandemia, 37% da população global ainda continua sem ter acesso à rede mundial de computadores, o que representa hoje cerca de três bilhões de pessoas.

Dito isso, inúmeros questionamentos surgem quando a temática envolve a audiência telepresencial trabalhista, principalmente em situações de falta de infraestrutura para partes e testemunhas.

O assunto é problemático.

Spacca
Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXXV [2], preceitua que o acesso à justiça é um direito e uma garantia fundamental.

Lado outro, o artigo 5º do Ato nº 11 da GCGJT [3], de 23 de abril de 2020, dispõe que "Os atos processuais que eventualmente não puderem ser praticados pelo meio eletrônico ou virtual, por absoluta impossibilidade técnica ou prática a ser apontada por qualquer dos envolvidos no ato, devidamente justificada nos autos, deverão ser adiados após decisão fundamentada do magistrado".

Do ponto de vista internacional, o artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos [4] dispõe que o acesso à justiça é um direito humano fundamental.

Nesse sentido, oportunos são os ensinamentos do professor Élisson Miessa [5]:

"Impõe-se, ainda, que o sistema de automação processual observe as garantias processuais, a fim de ser compatibilizado com o acesso à ordem jurídica justa.
Esse acesso não estará presente apenas com a abertura das 'portas' do judiciário, mas exige que todos os sujeitos do processo possam ter direito à participação efetiva no processo, devendo ser consideradas as possíveis limitações técnicas dos atos processuais telepresenciais, especialmente sobre a necessidade de suporte de material (computadores, celulares e acesso à internet estável) adequado à participação das partes e procuradores em audiência.
(…). Portanto, no caso de impossibilidade técnica ou prática para a realização de audiência é necessária a justificação da parte requerente, a qual será analisada pelo magistrado em decisão fundamentada".

Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região se deparou com um caso concreto e manteve, ao final, a condenação de uma empresa que havia sido penalizada com a aplicação dos efeitos da "confissão ficta", em razão da ausência de seu preposto na audiência telepresencial [6].

Por ocasião da instrução, o MM. juízo de origem, após a realização da audiência, tinha concedido prazo para que a empresa pudesse apresentar uma justificativa e comprovação dos motivos de ordem técnica que teria impossibilitado o seu comparecimento ao ato processual. Entretanto, a empresa admitiu, de forma expressa, que o acesso não foi possível pelo fato de haver copiado erroneamente o link da audiência.

Neste panorama, a Turma Julgadora concluiu que não houve dificuldades técnicas, e, portanto, correta a condenação da empresa [7].

No mesmo diapasão, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região também manteve a decisão de primeiro grau de jurisdição que aplicou os efeitos da "confissão ficta" a um trabalhador que deixou de comparecer na audiência de instrução. Tal como ocorreu no caso acima do TRT-SP da 2ª Região, o empregado aqui não conseguiu comprovar que houve falha técnica apta a justificar a sua ausência à audiência.

Em seu voto, a relatora ponderou que, inobstante tivesse sido informado pela parte a existência de falha técnica, não foi esclarecido qual seria esta falha. Além disso, mencionou que o juízo de primeiro grau teria aguardado por 20 minutos o ingresso do trabalhador na sala [8].

Frise-se que a Resolução nº 354/2020, do Conselho Nacional de Justiça, em seu artigo 2º [9], traz a distinção entre a videoconferência, contida no Código de Processo Civil, que é realizada no órgão estatal, e a audiência telepresencial, ocorrida em ambiente físico diverso das unidades judiciárias. Sob tal perspectiva, em caso de efetiva impossibilidade técnica e falta de equipamentos adequados poderá a audiência, após a noticiada justificativa comprovada pela parte nos autos, ser realizada por videoconferência, ou seja, em ambiente de unidade judiciária.

Noutro giro, o Tribunal Superior do Trabalho foi provocado a emitir um juízo de valor sobre o assunto, na qual uma advogada relatou falha da conexão à internet, o que justificaria a nulidade do processo em virtude de não ter conseguido realizar a sustentação oral [10]. Para o ministro relator, a certidão de julgamento não demonstra qualquer investida da causídica visando contactar a secretaria do órgão judicante para pleitear a retirada do processo da pauta, tampouco o seu respectivo adiamento.

Neste desiderato, o ministro ponderou que o peticionamento para anulação só ocorreu após o julgamento da causa, de modo que, antes disso, nem sequer houve a tentativa de contato através de outro meio que não dependesse da conexão com a internet, tal como a ligação telefônica [11].

Bem por isso, é indispensável que as partes adotem todas as cautelas necessárias visando a perfeita conexão à internet no dia do ato. Na hipótese de falha ou impossibilidade técnicas, tais questões devem ser devidamente comprovadas para que a justificativa seja aceita pelo magistrado, afinal, é cediço que tais contratempos podem acontecer por motivos alheios a vontade do Poder Judiciário.

Em arremate, é forçoso lembrar que a audiência virtual já faz parte do dia a dia forense e, por isso, não se pode descuidar dos procedimentos e testes imprescindíveis para a realização de um dos atos mais importantes (senão o mais relevante) no processo trabalhista.

 


[2] Art. 5º — Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…). XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[4] Artigo 8 – Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

[5] Curso de Direito Processual do Trabalho. Élisson Miessa – 8ª ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. Página 594 e 595.

 

[9] Art. 2º — Para fins desta Resolução, entende-se por: I – videoconferência: comunicação a distância realizada em ambientes de unidades judiciárias; e

II – telepresenciais: as audiências e sessões realizadas a partir de ambiente físico externo às unidades judiciárias.

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

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